No âmbito das negociações com a Secretária de Estado da Ciência a propósito do projeto de diploma que define o regime jurídico de contratação de doutorados no âmbito do Programa Investigador FCT, o Departamento de ensino superior e Investigação da FENPROF integra a mesa negocial da Frente Comum da Administração Pública tendo reunido com a Secretária de Estado no passado dia 5 de Setembro. Nessa ocasião a FENPROF colocou um conjunto de questões, dúvidas e opiniões que se indicam de seguida.
Na introdução ao articulado defende-se, entre outras generalidades sobre as supostas boas intenções do Governo, que “o Programa Investigador FCT (…) dirige-se aos doutorados (…) possibilitando, desde logo, a sua integração direta no SCTN, fomentando a mobilidade e reforçando as instituições (...)”. São princípios que acompanhamos, importa por isso verificar em que medida o articulado vem satisfazer estas premissas.
Em primeiro lugar, os contratos de investigação no âmbito deste diploma são contratos de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo, não garantindo, portanto, uma real integração. Por outro sendo contratos FCT, alvo de um concurso nacional, não há sequer a garantia de que se mantenham investigadores em muitas instituições onde hoje existem, quanto mais que este programa permita o reforço do Sistema de Ciência e Tecnologia com os investigadores “distribuídos em rede pelo País”, como também afirmado na introdução.
Importa sublinhar que Portugal dispõe de uma carreira de investigação científica, regulada pelo respetivo estatuto que tem, em nossa opinião, condições de enquadrar juridicamente a contratação dos doutorados no âmbito deste Programa. O próprio diploma reconhece a existência do Estatuto e a sua pertinência para este fim ao definir os níveis remuneratórios com base nas categorias existentes nesse estatuto: Investigador Auxiliar, Investigador Principal, Investigador Coordenador. Erradamente, a nosso ver, o diploma em debate deixa de fora todo o restante edifício de direitos, deveres e garantias que estão consagrados no estatuto.
Estamos assim perante um diploma que define um regime jurídico da contratação de investigadores paralelo ao legalmente existente – Um regime que institui a precariedade do emprego científico e a expande até ao nível correspondente ao topo de uma carreira científica. Este regime vem ao arrepio do definido na “Carta Europeia do Investigador” que Portugal assinou e onde se afirma que “as perspetivas de carreira melhores e mais visíveis contribuem também para a promoção de uma atitude pública positiva em relação à profissão de investigador, encorajando assim mais jovens a enveredar por carreiras no domínio da investigação.”
Não se vê por isso e desde logo a necessidade de criar um regime jurídico de contratação de doutorados para o exercício de atividades de investigação científica e desenvolvimento tecnológico que não esteja vinculado ao Estatuto de Carreira dos Investigadores Científicos, um instrumento jurídico que deveria e tinha condições de enquadrar a regulação da contratação dos doutorados no âmbito do Programa Investigador FCT.
No Preâmbulo do diploma afirma-se, tal como já vinha no regulamento para o concurso de 2012, que será “especialmente valorizada na análise da adequação das instituições do SCTN que pretendam receber Investigadores FCT a declaração de intenções de (…) virem a contratar, de acordo com a legislação aplicável, os investigadores que acolheram (…)”. Não é nenhuma garantia, sobretudo sabendo-se que boa parte das instituições são públicas e estão a sofrer enormes restrições orçamentais.
O Programa de contratação de investigadores FCT, cujo regime jurídico o presente diploma define, vem, de certo modo, substituir os anteriores programas de contratação de doutorados designados por Ciência 2007 e 2008 que no conjunto permitiram a contratação, também a título precário, de mais de 1000 investigadores por muitas instituições do SCTN. O término desses programas e a sua substituição por um programa “centrado no investigador” vai reduzir, em alguns casos drasticamente, o número de investigadores em muitos centros de investigação, particularmente os que se encontrem em fases mais iniciais de desenvolvimento ou mais afastados das áreas metropolitanas. Esta tendência vai ser ainda fortemente acentuada pelo escasso número de investigadores que vão ser contratados este ano (80).
Análise em especialidade
Artigo 3º
O programa de investigação será regulamentado através de um Regulamento aprovado pela FCT - definirá os princípios gerais e as normas e procedimentos de recrutamento, seleção e contratação - e homologado por despacho do membro do Governo responsável pela área da ciência. Aspetos essenciais da contratação – de que se destacam as regras de seleção - estão assim fora do âmbito desta negociação, apesar de a alínea m) do art.º 6.º do DL 23/98, de 26/5, considerar expressamente que são matérias de negociação coletiva.
Estes procedimentos e regras são essenciais para garantir a transparência do processo de seriação dos candidatos. Assim e com base no legalmente estabelecido na alínea m) do art.º 6.º da Lei 23/98, exige-se que as “normas e procedimentos de recrutamento, seleção e contratação de doutorados” - que o art.º 3.º do diploma remete para Regulamento a aprovar pela FCT (e já aprovado no que respeita ao concurso de 2012) – sejam objeto de negociação.
Artigo 4º
Celebrando o contrato com a FCT, os investigadores não têm um vínculo jurídico-laboral com a instituição de acolhimento. Importa por isso que o diploma determine a forma jurídica de garantir que os investigadores tenham os direitos, as regalias e os benefícios sociais que a Instituição de acolhimento oferece aos seus trabalhadores, tal como determinado no número 5 do artigo 7º. No caso de a instituição de acolhimento ser uma instituição pública importa que o diploma garanta a possibilidade de participação dos investigadores nos órgãos científicos em pé de igualdade com os restantes investigadores da instituição e que disponham das mesmas facilidades na gestão de projetos de investigação.
Artigo 5º
Como analisado acima, haverá 3 níveis, conforme dispõe o art.º 5.º (Níveis de contratação), que remete para o Estatuto da Carreira de Investigação Científica – DL 124/99, de 20 de abril:
Nível 1, para doutorados com menos de 6 anos após a obtenção do grau e sem exigência de independência científica prévia;
Nível 2, para doutorados com mais de 6 anos e menos de 12 após o obtenção do grau e com experiência de investigador independente há menos de 6 anos;
Nível 3, para doutorados com experiência de investigador independente há mais de 6 anos.
Não há qualquer disposição que preveja uma evolução horizontal na remuneração dos 3 níveis – a remuneração do nível 3 será a máxima. Como a generalidade dos trabalhadores em funções públicas, os investigadores devem ter o direito à progressão horizontal (os escalões ou posições remuneratórias) na categoria à qual estão equiparados.
O diploma não explícita a definição de investigador independente. Esta distinção poderá deixar de fora muitos investigadores de reconhecido mérito, ainda mais porque a definição é deixada para o regulamento.
A definição dada no regulamento de 2012, ainda que vaga, suscita-nos dúvidas acrescidas uma vez que o mérito e a independência científica de um investigador podem não estar refletidas na capacidade de obtenção de financiamentos e no número de orientações, indicadores que dependem de entidades externas e variam consoante as áreas científicas.
Pensamos que não devem existir limites máximos e que um investigador deve poder candidatar-se ao nível que entenda mais adequado ao seu currículo e projeto. Tal como, por exemplo, na carreira de investigação ou nas carreiras docentes do ensino superior não existe nenhum limite máximo de anos para se poder concorrer aos lugares de Investigador Auxiliar, Professor Auxiliar ou Professor Adjunto. O regulamento de 2012 está ainda em desacordo com o “Código de conduta para o recrutamento de investigadores” de 2005 da Comissão Europeia, que indica, designadamente: “Não devem ser penalizadas interrupções de carreira ou variações na ordem cronológica dos CV, devendo antes ser consideradas como a evolução de uma carreira e, consequentemente, como uma contribuição potencialmente valiosa para o desenvolvimento profissional dos investigadores no sentido de um percurso profissional multidimensional.”
Artigo 6º número 3, alínea c)
O relatório de atividades, previsto no artigo 6º número 3 alínea c), deve ser da responsabilidade do investigador e não da instituição de acolhimento, uma vez que este é, como dito no preâmbulo, um programa centrado no investigador. Em contrapartida, faz sentido que o relatório seja acompanhado por um parecer do responsável da instituição de acolhimento.
Artigo 7º número 2
O projeto de diploma é omisso no que concerne aos procedimentos para a renovação dos contratos. Na nossa opinião a lei deve garantir que a não renovação dos contratos só pode ser decidida por um órgão científico, com base na análise da atividade científica desenvolvida pelo investigador. O Conselho Científico da FCT poderá ser o órgão para o efeito. O diploma deve ainda regular os direitos de audição e reclamação do investigador.
Acresce que o período de um ano é manifestamente reduzido para qualquer avaliação de desempenho em Investigação Científica, pelo que os contratos deveriam ter um período mais longo.
Artigo 8, número 4
Somos da opinião que este número deve ser abolido, sendo substituído pela adição de uma alínea (g) ao número 2 do artigo 13 (que explicita quais as remunerações adicionais que não violam o regime de dedicação exclusiva) com o seguinte sentido:
“g) Atividades exercidas que não sejam diretamente financiadas pela FCT, I.P., quer no âmbito de contratos de I&D entre a instituição acolhedora e outras entidades públicas ou privadas, nacionais, estrangeiras ou internacionais, quer no âmbito de projetos de I&D subsidiados por quaisquer dessas entidades, desde que se trate de atividades da responsabilidade da instituição, se os encargos com as correspondentes remunerações forem satisfeitos através de receitas provenientes dos referidos contratos ou subsídios, nos termos de regulamento aprovado pela instituição de acolhimento, e se não implicarem qualquer alteração do projeto de investigação científica e ao plano de trabalho apresentados na candidatura.”
Esta formulação baseada na alínea I do número 2 do artigo 52º do Estatuto da Carreira de Investigação Científica (que regula a dedicação exclusiva) permitia garantir a possibilidade de majoração da remuneração do investigador, num quadro mais transparente e não contraditório com o regime de dedicação exclusiva.
Artigo 10º
O Diploma deve prever um mecanismo de impugnação e recurso, por parte de um investigador concorrente, da lista de ordenação final dos candidatos aprovada pela FCT.
Artigo 15º
Este artigo prevê que a FCT possa cessar o contrato-programa em caso de violação dos deveres contratuais por parte da instituição de acolhimento. Importa que o diploma salvaguarde os direitos do investigador numa situação destas que lhe pode ser completamente alheia.
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