Ciência
ABIC propõe sete medidas urgentes

Pela valorização dos recursos humanos em Ciência, Tecnologia e Investigação

17 de maio, 2006

Tendo em conta o "sério atraso" do País na área da investigação "e face também ao enorme potencial que constituem os milhares de bolseiros de investigação que se doutoraram nos últimos anos (tanto em Portugal como no estrangeiro)", é pouco ambicioso "o compromisso assumido pelo Governo de promover a criação e o preenchimento progressivo de 1000 lugares adicionais de investigadores durante a presente legislatura". Está é a convicção da ABIC, Associação de Bolseiros de Investigação Científica, que divulgou recentemente (Novembro) sete medidas urgentes para a valorização dos recursos humanos em ciência, tecnologia e investigação. São propostas objectivas e coerentes que merecem profunda reflexão na sociedade e iniciativa por parte do poder político.

Ao lembrar que a "Ciência, a Tecnologia e a Inovação (CT&I) adquiriram indiscutivelmente uma nova centralidade no discurso político e económico, fruto do reconhecimento da sua importância para o desenvolvimento do País", a ABIC regista que, mesmo assim, "têm sido escassas ou praticamente inexistentes as medidas concretas que nos permitam superar o atraso estrutural que temos neste domínio, designadamente ao nível dos recursos humanos, reconhecidamente uma área-chave na formulação e concretização com sucesso de uma política consequente de CT&I."

A ABIC sintetiza "alguns traços" que "sobressaem da política de recursos humanos hoje vigente no sistema científico e tecnológico nacional (SCTN): a instabilidade, a insegurança, a falta de perspectivas sólidas de futuro e a privação de direitos fundamentais, afectando muitos dos que trabalham em ciência, em especial as mais novas gerações de investigadores e demais quadros técnicos e científicos."

 Um enorme desafio

"As mais recentes recomendações da Comissão Europeia vertidas na Carta Europeia do Investigador colocam Portugal perante um enorme desafio, que advém da existência no nosso país de um significativo contingente de bolseiros, em situação precária, desprovidos de direitos básicos essenciais, sobre os quais assenta parte fundamental da produção científica nacional", realça a ABIC.
"Este desafio consiste no reconhecimento do trabalho desenvolvido pelos bolseiros, valorizando a sua situação, proporcionando-lhes condições de trabalho e de vida justas e atraentes e garantindo simultaneamente a não utilização abusiva de bolseiros para suprir necessidades de carácter permanente do sistema", refere ainda a Associação, que acrescenta noutra passagem:

"O bolseiro não é um estudante que trabalha, mas um profissional que prossegue a sua formação desempenhando a actividade de investigação. Assim o reconhece a Carta Europeia do Investigador, ao incluir na sua definição de investigador os "que se encontram nos primeiros quatro anos de formação, incluindo o período da formação pela investigação"; e também quando afirma: "Todos os investigadores que seguem uma carreira de investigação devem ser reconhecidos como profissionais e tratados como tal. Este reconhecimento deve começar no início da sua carreira, nomeadamente a nível pós graduado, e incluir todos os níveis".

Das sete medidas urgentes que a ABIC apresenta e que deveriam merecer a melhor atenção do Ministério do Professor Mariano Gago, aqui se apontam os traços essenciais:

Criação de novos lugares em CT&I - O compromisso assumido pelo Governo de promover a criação e o preenchimento progressivo de 1000 lugares adicionais de investigadores durante a presente legislatura, face ao sério atraso de que dispomos a este nível e face também ao enorme potencial que constituem os milhares de bolseiros de investigação que se doutoraram nos últimos anos (tanto em Portugal como no estrangeiro), afigura-se-nos uma proposta pouco ambiciosa. Tendo em conta as necessidades hoje identificadas, tanto nas unidades de I&D universitárias como, sobretudo, nos Laboratórios do Estado, seria razoável considerar, pelo menos, a duplicação deste número, o que ainda assim nos deixará longe da média da UE-25, relativamente ao número de investigadores em permilagem da população activa. Por outro lado, de forma a não agravar o desequilíbrio existente entre os efectivos de investigadores e os efectivos de técnicos, será imprescindível considerar, a par do aumento do número de investigadores, um crescimento, pelo menos em igual número, dos técnicos e outro pessoal afecto a actividades de CT&I.

Contratos de Trabalho - Fim das "falsas bolsas" e das bolsas de projecto  - A atribuição de bolsas é admissível apenas nos casos em que exista, associada à actividade de investigação desenvolvida, uma componente explícita de formação, conducente à obtenção de um grau académico. Rejeitamos liminarmente a utilização abusiva da figura da bolsa para preencher lacunas dos quadros das instituições, como hoje sucede, e defendemos que bolseiros nestas condições deverão ser integrados nos quadros das instituições. Também os bolseiros afectos a projectos de investigação, que se encontrem a satisfazer necessidades de carácter temporário, deverão ter o seu desempenho formalizado num contrato de trabalho.

Direito efectivo à Segurança Social - O exercício do direito à segurança social encontra-se fortemente limitado pelo enquadramento previsto para os bolseiros: o regime do Seguro Social Voluntário. Este regime, tem-se revelado desadequado face à natureza da actividade do bolseiro, conferindo uma protecção social mínima, muito aquém do que seria justo e necessário. Esta situação configura uma discriminação injustificada dos investigadores em fase de formação, que contraria as mais recentes recomendações da Comissão Europeia: "os Estados-Membros devem envidar esforços para garantir que os investigadores beneficiem de uma cobertura adequada em matéria de segurança social".

Reconhecendo as insuficiências e as limitações deste regime, a própria legislação (Estatuto do Bolseiro - Lei nº. 40/2004), prevê em situações específicas - como a doença e maternidade - uma protecção adicional aos bolseiros. Esta protecção prevista na lei é, no entanto, largamente desrespeitada por instituições financiadoras e de acolhimento, no que constituem incumprimentos graves que têm vindo a ser denunciados, mas sobre os quais a tutela não tem actuado. Continua ainda por regulamentar o "acesso a cuidados de saúde" por parte dos bolseiros, previsto no Art. 11º da Lei nº. 40/2004.

A solução passa pela integração dos bolseiros no regime geral de segurança social, garantindo-lhes o acesso, em condições não discriminatórias face aos restantes trabalhadores, a todas as suas componentes, destaca a ABIC.
É também indispensável à correcção de uma situação profundamente injusta que um novo Estatuto estabeleça o efectivo direito a férias e ao respectivo subsídio.


Actualização dos Montantes das Bolsas de Investigação - Os montantes das bolsas de investigação não são actualizadas desde 2002, levando a uma diminuição progressiva e acumulada dos seus valores reais. Uma nova actualização é necessária. A Carta Europeia do Investigador recomenda claramente: "As entidades empregadores e/ou financiadoras dos investigadores devem garantir que estes beneficiem de condições justas e atraentes de financiamento e/ou salários com regalias de segurança social adequadas e equitativas. Estas condições devem abranger os investigadores em todas as fases de carreira", incluindo as fases de formação, como bolseiros. Segundo a ABIC, os montantes das bolsas deverão ser equiparados às remunerações de trabalhadores de carreira com habilitações equivalentes às dos bolseiros em causa.

Fiscalização - Implementação do Painel Consultivo  - Os bolseiros encontram-se desprotegidos face aos incumprimentos da lei por parte das entidades financiadoras e de acolhimento. Por outro lado, a própria relação orientador-bolseiro e a supervisão do plano de trabalhos - ao contrário do que sucede noutros países - não se encontra ainda regulada.
Sem prejuízo da criação ou aperfeiçoamento, num futuro próximo, de outros mecanismos de fiscalização da lei e de acompanhamento da actividade do bolseiro, a figura do Painel Consultivo (estabelecido no Art. 16º da Lei nº. 40/2004) deve assumir activamente a sua responsabilidade de verificação de irregularidades no cumprimento do Estatuto do Bolseiro, esclarece a Associação.

Alteração do Regulamento e Contrato de Bolsa - O actual Regulamento de Bolsas POCI, que se aplica à maioria dos bolseiros da FCT (Regulamento da Acção IV.3.1 do POCI 2010), contém um conjunto de disposições que contrariam o Estatuto do Bolseiro de Investigação, designadamente no que diz respeito às situações de doença, para além de outras irregularidades que importa corrigir. Desde logo, prevê a diminuição do montante da bolsa nos casos em que o bolseiro aufira remuneração decorrente de vínculo contratual. Desde que as actividades sejam permitidas pela lei e não interfiram com o plano de actividades da bolsa, os montantes de bolsa não deverão ser ajustados. Adicionalmente, o regulamento prevê o subsídio de apenas uma viagem ao estrangeiro para as bolsas mistas, o que claramente subverte o carácter especial deste tipo de bolsa. Por fim, deverá ser prontamente eliminada dos contratos de bolsa a cláusula - ilegal - que prevê a cessação da bolsa quando se verificar a inexistência de verbas para o pagamento da mesma, salienta a ABIC.

Alteração do Regime de Exclusividade e Abolição das Restrições à Iniciativa - A criação de emprego científico passa, em parte, pela criação de novas empresas por licenciados, mestres e doutores. Contudo, para tal é necessário criar condições que fomentem a iniciativa de criação de empresas, incluindo um reforço dos mecanismos de apoio e incentivo, mas também uma revisão do regime de dedicação exclusiva. Este deverá ser alargado, permitindo actividades paralelas (sem prejuízo dos objectivos e programa de trabalhos da bolsa), nomeadamente o empreendedorismo e a criação de empresas. Um regime mais flexível poderá facilitar uma futura inserção profissional de bolseiros e a promoção da sua iniciativa para criar emprego científico, conclui a ABIC.


A crueza dos números contrasta com as declarações de sucessivos governos sobre alegadas - mas nunca concretizadas - "apostas na ciência e na inovação": em Portugal, em permilagem da população activa, o pessoal total afecto a actividades de investigação e desenvolvimento (I&D) representa 4,7%o. Na UE-25, em média, este número situa-se nos 10,2%o, esclarece a Associação de Bolseiros de Investigação Científica, que acrescenta:
"Recentemente, em apenas dois anos (entre 2001 e 2003), registou-se um decréscimo do número de efectivos em I&D, no sector "Estado", de 14,2% (dados do Observatório da Ciência e do Ensino Superior, 2005)."

"Mas estes números", prossegue a ABIC, "não são, por si só, reveladores de uma realidade que é hoje preocupante e que, a não ser rapidamente atacada, se tornará a breve trecho insustentável".


Utilização abusiva
da figura do bolseiro


Na verdade, "nos últimos anos, assistiu-se a uma inaceitável degradação das condições de trabalho no sistema científico e tecnológico nacional (SCTN). As restrições impostas à renovação dos quadros de pessoal das instituições de I&D, juntamente com a utilização abusiva da figura do bolseiro de investigação, conduziram à generalização de situações de emprego não declarado, altamente precário, que tendem invariavelmente a prolongar-se no tempo."
"Os bolseiros de investigação - tanto os que efectivamente se encontram em formação como os restantes - asseguram uma parte fundamental do trabalho científico que hoje se faz em Portugal", regista a ABIC.