A falta de professores é um problema grave que afeta algumas regiões do país, mas tende a alargar-se a todo o país. Da parte do governo, há o reconhecimento da situação, mas tomam-se medidas avulsas e adia-se a medida principal. A FENPROF tem estado na primeira linha da denúncia do problema e da exigência de soluções, que tardam.
A este propósito, Jornal da FENPROF (JF) entrevistou o Secretário-Geral da FENPROF, Mário Nogueira, que considera ter-se chegado à atual situação porque «os governos têm desenvolvido, consciente e deliberadamente, políticas erradas que desvalorizaram a profissão docente, no plano material, mas também profissional e social» e acrescenta «quando a FENPROF contestava as medidas tomadas e os professores reclamavam na rua, exigindo outras políticas, o dedo acusador era apontado a quem protestava e não a quem impunha e desenvolvia as políticas que, irresponsavelmente, nos trouxeram até aqui».
Entrevista ao Secretário-Geral da FENPROF, sobre a falta de professores
Jornal da FENPROF (JF): Falta de professores. Estamos perante um problema que é só do nosso país?
Mário Nogueira: Não, a falta de professores não é um problema apenas de Portugal, mas no nosso país apresenta algumas particularidades. É que, apesar de, nos últimos 6 anos, mais de 14 500 professores e educadores, cerca de 10% dos docentes, terem abandonado a profissão, o que mais influiu na atual situação foi não se ter atendido ao que, há mais de uma década, estava à vista de todos: o envelhecimento e consequente aposentação, no futuro próximo, de muitos milhares de docentes.
Em Portugal, então, este era um problema previsível…
Sim, que já se previa há muito tempo, mas, no passado, os principais governantes insistiam na ideia do excesso de professores, aconselhando-os a emigrar.
A tendência é para a falta de professores estancar ou agravar-se? As previsões que se vão conhecendo não são nada animadoras…
Sem medidas que valorizem a profissão, ao nível da carreira e dos salários, sem dúvida, mas também das condições de trabalho, o problema não se resolverá e tenderá a piorar. Planos como o + Aulas + Sucesso não passam de paliativos e outras medidas avulsas anunciadas não respondem ao problema e algumas até geram novos problemas.
Mas o Ministro e o próprio Primeiro-ministro têm vindo a reconhecer o problema e a garantir que o irão resolver. Não estão a tomar medidas nesse sentido?
O que não faltam são promessas dos governantes, afirmando-se determinados em valorizar a profissão docente, já o que faltam são medidas que as concretizem.
Em relação às condições de trabalho ouve-se falar na desburocratização do trabalho docente. Não foram tomadas medidas nesse sentido?
Quantas vezes não foram já anunciadas medidas para desburocratizar o trabalho docente? Não deram em nada! Quantas vezes já não foram dadas orientações no sentido de se evitarem reuniões inúteis ou de limitar o tempo de cada uma? Ficou tudo na mesma e, muitas vezes, as escolas não estão isentas de culpa nestes aspetos!
A sobrecarga horária e de trabalho dos docentes é uma evidência, muitas vezes com o recurso a abusos e ilegalidades. O ministério não tem tomado medidas para os evitar?
Pelo contrário, muitos dos abusos e ilegalidades são mesmo abençoados pela DGEstE. Há vários estudos que confirmam essa sobrecarga imposta aos docentes, provocando o aumento das situações de cansaço físico e fadiga mental, e que estão na origem de um número crescente de casos de stress e burnout, mas é como se nada se passasse.
A FENPROF tem colocado o problema nas reuniões com o ministério?
Sim, praticamente em todas, e comprometemo-nos, até, a retirar os pré-avisos de greve ao sobretrabalho se o ministério tomasse medidas para regularizar a situação, só que, indiferentes aos estudos e ao que se confirma nas escolas, este ano até foi aumentado o número de horas extraordinárias que os professores terão se suportar.
Sendo a falta de professores um problema que não é só do nosso país, há orientações ou recomendações internacionais para lhe dar solução?
No plano internacional, são várias as recomendações que visam melhorar as condições de exercício da profissão, quer no sentido da sua valorização material e atratividade, como, também, para que o desempenho profissional seja ainda melhor e os docentes se sintam realizados na atividade que desenvolvem, no exercício da profissão que escolheram e com os resultados que obtêm.
Por exemplo…
Já este ano, na sequência do trabalho desenvolvido por um Painel de Alto Nível, constituído na sequência da Cimeira para a Transformação da Educação, foram divulgadas 59 recomendações, apresentadas por António Guterres na África do Sul, no âmbito do 14.º Fórum de Diálogo Político, entre as quais consta, por exemplo, a necessidade de se reconhecer que a falta de professores só será revertida se houver vontade política para resolver problemas como salários não competitivos, cargas de trabalho incomportáveis, condições de trabalho inadequadas e práticas laborais precárias.
Recomendações que, apesar de tudo, não são novas…
Pois não. Já a Recomendação OIT/UNESCO relativa ao Estatuto dos Professores, de 1966, há quase 60 anos, refere que o salário dos professores deverá refletir a importância para a sociedade da função docente, bem as responsabilidades que recaem sobre eles desde o momento em que entram na profissão.
Uma Recomendação que também não esquece as condições de trabalho, certo?
Pelo contrário, sobre condições de trabalho, designadamente horários, afirma que deverão ser considerados fatores como a carga horária do professor, o número de alunos com que este vai trabalhar e a disponibilidade de tempo para outras funções, como, por exemplo, a comunicação com os pais e encarregados de educação.
Sei que a FENPROF participou, em julho passado, no 10.º Congresso da Internacional de Educação. Também aí o problema foi, certamente, debatido…
Claro que sim e o congresso aprovou uma Resolução que afirma que para combater a falta de professores são necessários salários atrativos, vínculos não precários e condições de emprego para os professores de todos os níveis que garantam o equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Considerou, ainda, como indispensáveis, a existência de ambientes de trabalho seguros e adequados, melhores condições de trabalho, incluindo cargas de trabalho e dimensão de turmas administráveis, bem como ambientes de ensino e aprendizagem inclusivos, seguros, solidários e não discriminatórios, que mitiguem as tensões emocionais e relacionais.
Se este é um problema conhecido e há tantas recomendações sobre como dar-lhe combate, como se chegou a esta situação também no nosso país?
Simplesmente porque os governos têm desenvolvido, consciente e deliberadamente, políticas erradas que desvalorizaram a profissão docente, no plano material, mas também profissional e social, e quando a FENPROF contestava as medidas tomadas e os professores reclamavam na rua, exigindo outras políticas, o dedo acusador era apontado a quem protestava e não a quem impunha e desenvolvia as políticas que, irresponsavelmente, nos trouxeram até aqui.
A recuperação do tempo de serviço não contribui para essa atratividade que se persegue?
A recuperação do tempo de serviço era uma medida inadiável, fosse qual fosse o governo, e mesmo assim ficaram milhares de fora e agora está a concretizar-se de uma forma verdadeiramente incompetente. Veja-se o que se passa com a plataforma para validação dos dados biográficos dos professores. Mas a recuperação do tempo de serviço, sendo importante, não abrange os jovens que não estavam na profissão quando se deram os congelamentos.
Disseste, no início, que há medidas agora tomadas que estão a gerar novos problemas. Referias-te a quais?
A várias que estão na origem de novos focos de discriminação e descontentamento, como a atribuição de apoios apenas a alguns professores deslocados, excluindo a maioria, ou o que aconteceu com os milhares de docentes que perderam tempo de serviço e não irão recuperar parte ou mesmo a totalidade.
Ao contrário dos anteriores, o atual ministro reconheceu o problema e a necessidade de serem tomadas medidas. Há uma diferença para discursos anteriores?
Sim, os atuais governantes pareciam ter compreendido a causa principal do problema e o ministro, para além de assumir a carência e os números em falta, apontou para a necessidade de valorizar a profissão e a carreira como necessária e urgente. Mas, no momento da verdade, percebeu-se que afinal essa não era prioridade!
Como assim?
Por exemplo, em relação à revisão do Estatuto da Carreira Docente. Pelo calendário que o ministro propôs na reunião do passado dia 21 de outubro, será coisa para 2027! Isso não é aceitável. Para a FENPROF, o processo negocial deverá estar concluído até final do ano letivo em curso para que o novo ECD, revisto e valorizado, entre em vigor no próximo. Além disso, o ECD não pode passar para a esfera da Assembleia da República, sob pena de deixar de se sujeitar a negociação coletiva.
Essa revisão necessária e urgente, como afirmas, é condição para reverter o atual estado de desvalorização da profissão…
Sim, é condição necessária e se assim não for, não será o regresso de meio milhar dos que abandonaram ou dos 79 aposentados que se candidataram resolverá este grave problema.
O ministério considera que a principal medida de entre as que tomou foi a realização de um concurso de vinculação extraordinário. Concordas?
Falta saber se a maioria dos candidatos não são professores que já estão no sistema, embora com contrato a termo. Se assim for, é importante a vinculação, mas não acrescenta professores.
E a contratação de docentes com habilitação própria, também não pode ajudar a atenuar o problema?
Pode, mas repare-se que o número de docentes sem habilitação profissional, este ano, já terá passado os 3500, número que, em pouco mais de um mês, bate o registado em todo o ano letivo anterior. Falta saber se a reserva já não se esgotou.
Quem te parece que é castigado com esta falta de professores?
Em primeiro lugar, os alunos e as suas famílias, mas, também os professores que estão nas escolas, cada vez mais sobrecarregados com horas extraordinárias, vendo deteriorar-se as condições em que exercem a profissão. Os diretores estão a ser fortemente pressionados pela DGEstE para procederem à sua atribuição, em muitos casos, ultrapassando os limites previstos na lei. Veremos se esta sobrecarga brutal de horas letivas não vai ter efeito contrário ao pretendido, com muitos docentes a não resistirem e a adoecerem física e/ou mentalmente.
Para terminar, como considera a FENPROF que o combate ao problema da falta de professores poderá ter êxito?
No plano das medidas de remediação, alargando o apoio a todos os professores deslocados e, também, completando horários incompletos, que são muitos, porque trabalho não falta nas escolas. Mas nada disto substitui a valorização da profissão e, nesse aspeto, o mais importante está por fazer.
Que é?
Rever o ECD até junho de 2025 para que o novo estatuto, revisto e valorizado, entre em vigor a partir de setembro. Se assim não for, os próximos anos serão ainda mais preocupantes.