Ciência
Parecer da FENPROF

O novo modelo de financiamento para o sistema científico, tecnológico e de inovação

11 de abril, 2005

1 - A Ministra da Ciência e do Ensino Superior anunciou publicamente no dia 13 de Abril um novo modelo de financiamento para o sistema científico, tecnológico e de inovação. O novo modelo esteve aberto à consulta da sociedade e à audição de "entidades competentes" até 30 de Abril.

Tendo em conta que existe um modelo de financiamento das Unidades da FCT que formalmente está em vigor até ao fim de 2005, este período é demasiado curto e prejudica a real participação da comunidade científica na sua crítica e reformulação.

2 - A FENPROF emitiu um breve Comentário sobre o modelo proposto, que divulgou numa Conferência de Imprensa em 21 de Abril.

A FENPROF reitera o seu protesto pelo facto de entre as sete entidades a serem ouvidas no processo de auscultação pública, não figurarem as organizações sindicais, como é pratica nas organizações internacionais, nomeadamente comunitárias, em processos desta natureza.

Neste aspecto, regista-se igualmente a ausência das Sociedades Científicas.

3 - O novo modelo de financiamento abrange apenas as Unidades de Investigação da FCT e os Laboratórios Associados deixando de fora uma componente essencial do sistema científico e tecnológico que são os Laboratórios do Estado. Refira-se ainda que para estes não existe qualquer modelo de financiamento.

4 - É proposto entrar em vigor o novo modelo de financiamento no termo do corrente triénio 2003-2005, admitindo-se todavia, a possibilidade de opção pelo novo modelo a partir de 1 de Janeiro de 2005.

Na sequência das avaliações de 2002, o actual modelo estaria legitimamente em vigor durante o triénio 2003-2005.

Assim, é significativo que a componente programática relativa ao triénio em curso ainda não tenha sido contratada e as transferências financeiras estejam atrasadíssimas.

5 - A criação das Unidades de Investigação da FCT e do seu sistema de avaliação constituíram o passo mais importante na organização e financiamento do Sistema Científico e Tecnológico Nacional.


O modelo adoptado tem-se mostrado particularmente adaptado às áreas de investigação aplicada e desenvolvimento tecnológico, tendo revelado, desde o início, dificuldades nas ciências sociais e humanas. Por exemplo, existem importantes instituições de investigação na área do Direito que permanecem fora da FCT.

6 - O ciclo de cinco anos parece-nos o mais conforme com a importância e o esforço que a avaliação das unidades implica.

Porém, deve ser monitorizada a sua actividade anual e incentivada a autoavaliação para correcção de eventuais situações de irregularidade.

7 - O sistema de financiamento é baseado na fórmula: nota de avaliação da actividade (base) x factores de majoração x factores complementares.

Com todos os factores multiplicativos no seu valor máximo a base pode ser multiplicada por 2.24, ao passo que com os factores no valor mínimo pode ser reduzida por um factor de 0.51.

Os factores são objectivos, mas ao afectarem uma base subjectiva, vão amplificá-la. Importa por isso assegurar a transparência e imparcialidade na constituição dos painéis a partir de bolsas de avaliadores competentes.

Importa também definir critérios de aferição e normas que conformem o relatório de avaliação e que assegurem uma avaliação relativa justa.

8 - Há lugar à dúvida e ambiguidade quanto aos índices de actividade científica e de transferência de tecnologia que determinam o "factor complementar".

É prudente e justo fixar limites inferior e superior a tais índices.

Os "spin-offs" e "start-ups" devem ser objectivamente incorporados no índice de transferência de tecnologia.

Para fazer justiça à diversidade de áreas e às suas especificidades, serão necessários mais indicadores.

9 - A elegibilidade de doutorados para financiamento é uma medida positiva e incentivadora da produtividade.

Se por um lado deve ser precisa, também tem que ser adaptada às diversas áreas científicas e contemplar diversas vertentes da actividade científica. Parece-nos por isso que deve ser reapreciada para não conduzir a resultados injustos.

10 - A classificação de Regular de uma Unidade, implicando a sua não Elegibilidade, deve implicar obrigatoriamente uma análise complementar.

11 - Considera-se desadequada a Componente de Estimulo à Excelência. A definição de investigador "excelente" usa critérios simplistas para abranger uma questão complexa que não cabe em meros parâmetros quantificáveis.

Sendo apresentada como uma medida que pretende fixar e premiar investigadores com produção excepcional, contrasta com a grave omissão relativa à integração no sistema de novos investigadores que trabalham em regime precário porque há longos anos estão congelados os recrutamentos.

É irrealista admitir que alguém com uma excelente carreira no estrangeiro imigre ou retorne, em face da presente escassez de meios de trabalho

12 - Discordamos da formulação do financiamento em "projectos".

O facto de a base de financiamento ter que ser justificada por projectos a aprovar em Bruxelas, que participará em 75% do seu montante, parece-nos particularmente negativo. Perde-se, com certeza, a autonomia das Unidades e desvaloriza-se objectivamente a avaliação e quaisquer outros critérios de financiamento.

13 - É proposto o clássico mecanismo de concurso para acesso a financiamento por "projectos propriamente ditos".

Pela experiência, relativamente recente destes concursos, consideramos importante fixar com rigor alguns aspectos neste campo. A periodicidade, a dotação financeira e os termos de referência para a elegibilidade das propostas, a constituição dos painéis de avaliação mas também as normas e prazos para a formulação da respectiva apreciação.

14 - A apresentação deste modelo de financiamento não se refere à constituição e funcionamento dos painéis de avaliação, quer dos projectos de investigação a concurso, quer das candidaturas a bolsas.

Para assegurar justiça nas decisões, é importante auscultar e envolver todas as unidades de investigação e desenvolvimento através dos seus órgãos científicos procurando, conjuntamente com elas, especialistas de reconhecido mérito internacional que cubram todas as áreas científicas envolvidas.

15 - Os programas de contratação de doutores não podem ser exclusivos dos Laboratórios Associados. Devem ser extensivos a Institutos ou Centros consolidados e com dimensão adequada.

16 - O facto de em 2003 os 15 Laboratórios Associados, só por si, terem absorvido tanto financiamento quanto metade das 416 outras unidades de investigação revela uma enorme distorção da realidade das necessidades e competências. De facto, há numerosos centros de investigação maiores que alguns actuais laboratórios associados.

Na apresentação do novo modelo, anuncia-se a possibilidade de constituição de novos Laboratórios Associados por concurso e a intenção de os reavaliar de forma documental proximamente.

Para nós a existência dos laboratórios Associados com o presente estatuto é questionável e deve ser reformulado, mas é urgente corrigir a distorção no financiamento dos dois subsistemas de unidades da FCT.

17 - Desde a constituição deste sistema de Unidades de investigação, tem-se assistido ao crescimento do seu número correspondendo, predominantemente, a fragmentações de unidades já existentes e permanecendo unidades sem dimensão critica.

Pensamos que esse facto foi favorecido por um sistema de financiamento "por doutor". Actualmente o número de Unidades passa as quatrocentas.

Alguns dos princípios enunciados, que enformarão medidas e regras concretas, podem revelar-se positivos contra a atomização e a favor da racionalização, aumento da produtividade, transparência e reforço institucional das Unidades.

Pensamos que, todas as unidades de I&D devem adquirir massa crítica no seu âmbito de especialidade e actividade, e não devem ser constituídas novas unidades que não reúnam este critério.

18 - O modelo de financiamento foi enquadrado no âmbito do Plano de Acção do MCES - «Investir em I&D - Um plano de acção para Portugal até 2010» que por sua vez foi apresentado sob o signo do cumprimento da meta proposta pelo Conselho de Europeu de Barcelona, em Março de 2002, ou seja, afectar 3% do PIB a actividades de investigação e desenvolvimento experimental no ano 2010. Portugal actualmente investe apenas 0,8% do PIB nessas actividades.

Um esforço sério de convergência implicaria um crescimento muito acelerado. Porém os actuais governantes têm-se recusado a definir e revelar taxas de crescimento ou metas anuais a atingir, como seria exigível.

19 - Sobre o anúncio da atribuição de 12 mil bolsas de investigação, ainda se aguardam os prometidos esclarecimentos necessários à concretização desta medida, nomeadamente, o número de bolsas a atribuir em cada ano, o seu nível, como serão atribuídas e a quem se destinarão.

Assim, não se responde à questão crucial do emprego científico que continua adiada.

20 - A regularização do POCTI e a transformação dos programas com apoio comunitário POSI e POCTI nos novos programas Futuro 2010 e Ciência 2010, ainda não concluídas, têm sido invocadas como justificação para os desastrosos atrasos nas transferências financeiras do MCES para as unidades de investigação e são mais uma vez referidos na apresentação do modelo proposto. Na verdade, estas questões deverão ser tratadas à parte da discussão de um novo "modelo de financiamento".

 

O Departamento do Ensino Superior da FENPROF

Lisboa, 3 de Maio de 2004