?O sistema de ensino português continua a ser fortemente selectivo?
?O sistema educativo português é muito ineficiente e muito selectivo do ponto de vista social, quando comparado com os dos outros países, nomeadamente da Europa, com os quais nos queremos comparar do ponto de vista de grau de desenvolvimento; é um sistema que exclui muito mais do que os outros países no ensino básico e secundário e inclui muito menos do que os outros países em qualquer área do ensino superior?, afirmou o Professor Mariano Gago numa sessão realizada no passado dia 11 de Fevereiro, no auditório do SPGL, na Rua Fialho de Almeida, em Lisboa.
O prestigiado investigador e docente universitário falava na primeira edição das ?Conversas ao Fim da Tarde?, iniciativa lançada pela FENPROF e pelo SPGL, e que teve como objectivo lançar um olhar sobre ?o futuro da ciência e da tecnologia em Portugal?.
?Para lá do inegável, do gigantesco progresso que houve depois do 25 de Abril em matéria de acesso à educação, a verdade é que temos hoje uma perda, uma erosão social no sistema de educação que, comparado com a dos outros países, é muito maior?, alertou o ex-ministro da Ciência, que acrescentou:
?Se olharmos ? e estou a falar do presente ? para este indicador que é o sistema de educação, concluímos que Portugal é um país muito mais desigual do ponto de vista social, do que os outros países, ao contrário do que é a nossa ilusão.?
E pormenorizou: ?A nossa ilusão é que grande parte dessas desigualdades pertencem ao passado, o que não é verdade. Neste momento, estamos a excluir muitos jovens da educação; isto passa-se hoje, não é algo do passado; e isso reduz singularmente a capacidade de recrutamento para qualquer grupo profissional que exija qualificações superiores.?
Noutra passagem da sua intervenção inicial, Mariano Gago afirmou:
?Pode-se, depois, perguntar ? e este é um problema geral ?, para os estudantes que entram no ensino superior, qual é o grau de erosão aí e depois à saída, quanto ao acesso à investigação. Os exemplos que temos da relação procura-oferta nessa área mostram-nos, contudo, que o País tem uma grande capacidade dinâmica de resposta. E dou um exemplo: a situação das tecnologias de informação no final dos anos 80, princípio dos anos 90 na Europa. Houve então muito dinheiro para financiar programas de investigação nessa área e havia muito pouca gente, face a um crescimento explosivo do mercado de trabalho que, obviamente, retirava muitos licenciados da investigação?.
?Pois, como é que a Universidade portuguesa e os institutos de investigação resolveram isto no essencial? Meteram muitos estudantes a trabalhar na investigação; isto não aconteceu só em Portugal, sucedeu igualmente noutros países europeus, mas nós tivemos, de repente, a capacidade de mobilizar estudantes que ainda não estavam licenciados (encontravam-se a frequentar os terceiros e quartos anos das suas licenciaturas) e já estavam a produzir trabalho de investigação em equipas de investigação e muitos deles a publicar?, observou noutra passagem.
?Estou preocupado com o ensino básico e secundário?
?Há uma certa elasticidade do sistema de investigação e do ensino superior que, quando a necessidade aparece, e os meios existem, é posta a funcionar?, prosseguiu Mariano Gago, que comentaria mais adiante:
?Quando a necessidade não aparece ou os meios não existem, tal elasticidade, tal capacidade não é posta a funcionar. Não estou muito preocupado neste aspecto. Estou, contudo, muito mais preocupado no que diz respeito ao ensino básico e ao ensino secundário e à perda gigantesca de jovens que se regista nessa área.?
Salientando que ?não é uma perda simplesmente numérica?, acrescentou: ?É também uma perda significativa em termos de competências porque, de uma maneira geral, como é uma erosão social muito acentuada, exclui grande parte dos estudantes com competências técnicas, e designadamente com competências de natureza empírica que têm muito mais dificuldade em chegar ao ensino superior e designadamente às áreas das ciências.?
Mariano Gago, que estava acompanhado na Mesa da sessão por João Cunha Serra, declarou mais adiante:
?As áreas das ciências e das engenharias, por exemplo, hoje em dia, seleccionam muito mais estudantes com capacidades de tratamento do simbólico do que estudantes que têm um handycap no tratamento do simbólico e um superavit no tratamento do empírico; esse problema transforma as capacidades à entrada, mesmo da própria investigação científica, em muitas áreas de ciência e tecnologia, designadamente nas áreas das ciências e das engenharias, com uma agravante: é que uma parte do ensino superior português não fornece recursos para a investigação ? basicamente, uma grande parte do Politécnico. E pode perguntar-se: não é assim nos outros países? E eu respondo: não. Por exemplo, veja-se o caso inglês: houve uma grande mudança no sistema de investigação nos últimos 20 anos em Inglaterra que deu precisamente a capacidade dos politécnicos (hoje universidades) serem capazes de fornecer pessoas para trabalho de investigação. Mais: há ainda a capacidade de escolas técnico-profissionais (incluindo estabelecimentos para adultos) que são também uma fonte de recrutamento, primeiro nas novas áreas, caso das engenharias, para investigação.?
?Hoje?, realçou, ?ter equipas com formações superiores variadas que não são as formações académicas tradicionais é uma característica moderna de muitos países desenvolvidos, mas não é de todo uma característica portuguesa. O sistema de educação português, repito, continua a ser um sistema fortemente selectivo do ponto de vista social?.
A importância das políticas públicas
Mariano Gago sublinhou ainda a importância da ?motivação?, que ?tem a ver com muitos factores, não meramente com uma escolha abstracta; tem a ver com carreiras e profissões, por exemplo?.
Foram também comentados pelo docente universitário temas como a inovação e os incentivos fiscais às empresas que fazem investigação (?uma das maiores ?batatas quentes? da política do Governo nesta área?) e as políticas públicas seguidas pelos governos (?são decisivas no aspecto da estabilização e do reforço das instituições públicas, na criação do clima macro-económico necessário ao desenvolvimento da investigação empresarial, na procura social da ciência nos sectores públicos e em áreas como a saúde e o ambiente, entre outras, e são decisivas também por causa da educação, por causa das pessoas?).
O investigador deixou ainda um alerta:
?Há um sinal muito contraditório, que nunca percebi do ponto de vista político-social, que me surpreendeu, que é o da última reforma do ensino secundário. Ainda hoje não consigo perceber qual é a base social que produz aquela reforma. As consequências do ponto de vista das formações científicas e técnicas são de redução das competências científicas e técnicas à entrada no ensino superior, globalmente.
?E a consequência seguinte?, explicou, ?tem a ver com a competição do ensino superior com ele próprio no sentido de ter alunos para as áreas científicas e técnicas, situação que, associada a Bolonha, implica que quase todas as instituições mais fracas vão ter de reduzir a formação científica e técnica dos cursos superiores dessas áreas. Se um aluno chega aos cursos de engenharia sem saber Física, pois com certeza que não será possível dar a Física do 1º e do 2º anos que se dava anteriormente. Se os cursos passam de 5 para 4 anos, em vez de passarem de 5 para 6, então isso também é não possível alguma vez estar incluído no curso. Portanto, a engenharia passa a ser outra. Passa a ser um curso diferente? E de certeza que terá menos componentes de natureza científica e técnica?.
?Conversas? vão continuar
As ?Conversas ao Fim da Tarde? destinam-se a permitir aos dirigentes da FENPROF e dos seus Sindicatos conhecer a opinião de personalidades marcantes do nosso panorama académico para ficarem melhor informados e habilitados a definir as propostas e a acção sindical a desenvolver no âmbito da Federação e Sindicatos que a integram. ?Destinam-se também a permitir a todos os colegas um contacto mais directo com os nossos convidados que assim poderão responder às questões que lhes sejam colocadas.Para além de questões relacionadas com a política de ensino e de investigação, estas ?Conversas? abordarão ainda temas sociais, culturais e científicos considerados de interesse para os nossos associados e para os docentes e investigadores em geral?, sublinha João Cunha Serra, coordenador do Departamento do Ensino Superior da FENPROF, que convida os associados a proporem temas que ?gostariam de ver discutidos no âmbito desta iniciativa? e a indicarem ?personalidades que desejariam ouvir?.