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Conferência de Imprensa, 11 de junho

Mais Serviço Público, melhor Escola, melhor Profissão

11 de junho, 2025

A mudança necessária não passa por menos Estado, mas sim pelo reforço do investimento público

Conforme a FENPROF afirmou e o 15.º Congresso Nacional de Professores, realizado em 16 e 17 maio, confirmou, as suas ações e iniciativas não dependeriam dos resultados eleitorais de 18 de maio.

A Resolução sobre a Ação Reivindicativa, aprovada por unanimidade no Congresso, mesmo em vésperas do ato eleitoral, constituirá o guia imediato das reivindicações e da ação sindical que serão apresentadas aos grupos parlamentares da Assembleia da República e à atual equipa que tutela a Educação e Ciência, assim que estiver marcada a reunião que hoje mesmo vamos solicitar.

Embora com as insuficiências já assinaladas pela FENPROF, foram dados passos bastante positivos relativamente à recuperação do tempo de serviço congelado, que resultou exclusivamente da pressão criada pelo longo processo de luta dos docentes e não da “bondade” da tutela, como alguns procuraram afirmar.

Passos positivos que não anulavam, no entanto, um conjunto de intenções do então programa do governo e que agora voltam a estar consagradas no programa eleitoral deste XXV Governo Constitucional, empossado recentemente pelo Presidente da República.

Do programa, que com certeza será para aplicar, constam intenções preocupantes:

  • substituição da graduação profissional nos concursos por outros métodos de seleção de docentes;
  • criação de uma carreira própria para os diretores, que é o primeiro passo para a criação de um corpo profissional de gestores, reforçando o autoritarismo deste órgão numa gestão cada vez mais afastada dos reais interesses de uma Escola Públia de Qualidade;
  • aprofundamento e reforço do processo de descentralização de competências para as autarquias (municipalização), peça chave para o descartar de responsabilidades, abrindo também caminho para a contratualização e privatização de serviços e para a criação de assimetrias que resultam do poder financeiro de cada município;
  • transferir para as CCDR (estruturas não eleitas) a competência de planear e gerir a rede escolar;
  • redefinir o papel do ministério da Educação, reforçando as responsabilidades de mero regulador sobre o financiamento das escolas;
  • rever a Lei de Bases do Sistema Educativo, expurgando-a de todos os travões que são os preceitos constitucionais que impedem, por exemplo, o colocar em pé de igualdade o ensino público e o ensino privado no que ao financiamento diz respeito;
  • a imposição de sistemas de avaliação centralizados e tecnocráticos.

 

Continuidade representa a persistência e aprofundamento de um modelo liberal do Estado

Esta persistente visão neoliberal do Estado revela uma clara continuidade ideológica e programática com o Guião da Reforma do Estado, apresentado por Paulo Portas e Pedro Passos Coelho em 2013, no contexto do programa de ajustamento imposto pela troika. Apesar das diferenças conjunturais entre 2013 e 2024, a lógica subjacente mantém-se: um Estado menos interventivo, centrado na contenção da despesa pública, na redução do investimento público e na transferência de responsabilidades para os setores privado e social.

Esta continuidade representa a persistência de um modelo liberal do Estado, baseado na ideia de que os serviços públicos devem ser eficientes como empresas e medir o seu valor com base em indicadores económicos, usando uma lógica estruturalmente assente na competitividade e, com as devidas ressalvas, na obtenção de “lucro” tratando-se de serviços públicos, esta opção representa deixá-los ao sabor do mercado, como acontece, por exemplo, na habitação. A questão central que se impõe é: eficiência para quem, e a que custo?

Na Educação, o objetivo é transformar a missão da escola, passando de um desígnio de formação global dos cidadãos para um instrumento de adaptação de recursos humanos ao mercado, submetendo-a às leis da oferta e da procura – a mercantilização da educação. As escolas “mais bem dotadas”, com os alunos socialmente mais favorecidos, acumulam ainda mais recursos pelos seus resultados expressos nos “rankings”, enquanto, noutro patamar, as escolas da rede pública, mal posicionadas, na sua maioria estigmatizadas e onde estão os alunos socialmente mais desfavorecidos, veem minguados os seus já parcos recursos.

Sob o pretexto da sustentabilidade, estas políticas:

Desvalorizam o papel social e integrador da escola pública;

- Pressionam os profissionais da educação com discursos de responsabilização, por norma acompanhados da inexistência ou do agravamento das condições de trabalho e de estudo;

- Privilegiam uma lógica de curto prazo, centrada em metas mensuráveis, em detrimento da promoção da justiça social e do desenvolvimento humano.

É fundamental que este regresso a uma política reformista de contornos austeritários seja discutido publicamente, com transparência e visão crítica.

O país de 2025 não é o país de 2013: os problemas são outros, e os desafios exigem mais do que respostas herdadas.

 Estas ameaças transitam do governo de onze meses de direita. Por isso, na ordem do dia, abrindo ou mantendo importantes frentes de combate, estão a defesa da Constituição da República Portuguesa, a garantia de não subversão da Lei de Bases do Sistema Educativo, a valorização das carreiras docentes e de investigação – e não a sua substituição pela integração na Tabela Remuneratória Única e no modelo de avaliação do desempenho preconizado pelo SIADAP –, bem como a democratização da gestão da educação – do pré-escolar ao ensino superior –, entre outros aspetos de resolução urgente.

O combate às desigualdades, o reforço da escola pública enquanto bem comum, e a dignificação real dos seus profissionais, exigem outro modelo de Estado: presente, inclusivo e comprometido com o interesse coletivo — não com a lógica do custo-benefício.

 

Enfrentar os problemas estruturais da profissão implica responder às ineficiências da ação dos governos nos últimos 20 anos

O 15.º Congresso Nacional dos Professores também reafirmou os princípios que deverão orientar a ação reivindicativa dos professores no sentido de tornar a profissão valorizada e atrativa, apontando os problemas e as propostas para a sua resolução.

A FALTA DE PROFESSORES - Se considerarmos um indicador objetivo — o número de horários semanais em contratação de escola, lançados em reserva de recrutamento (concurso nacional) que não obtiveram colocação —, constata-se que o número em 2024/2025 é superior ao do ano letivo anterior, tanto no primeiro período como no segundo, ou mesmo nas primeiras semanas do terceiro. Se tivermos, ainda, em consideração que o número de horas extraordinárias e o recurso a não habilitados cresceu, facilmente se conclui que o problema se agravou. E mais se agravará, uma vez que, em 2025, o número de saídas para a aposentação é na casa dos quatro milhares, enquanto o de professores recém- formados se fica na ordem do milhar.

SOLUÇÃO - Valorização Já, aponta o 15.º Congresso Nacional dos Professores, do Estatuto da Carreira Docente, como solução para recuperar os docentes que abandonaram a profissão nos últimos anos, manter os que, desgastados, exercem hoje nas escolas e atrair os mais novos para as licenciaturas e mestrados em ensino.

A PRECARIEDADE - O número de professores contratados continua muito elevado, estando muito longe o cumprimento de uma regra lógica e de decência laboral que deveria imperar – a uma necessidade de trabalho permanente deve corresponder um posto de trabalho permanente. Os números falam por si: no concurso externo extraordinário realizado este ano letivo, a idade média dos docentes que vincularam foi de 45 anos, sendo  superior a 10 anos o tempo de serviço médio. Dos candidatos a concurso, 13000 tinham 3 ou mais anos de  serviço e 6000 tinham 10 ou mais. Se olharmos para o ensino superior e investigação, o caso é ainda mais grave, uma vez que, em muitas instituições do ensino superior público, a percentagem de contratos precários é superior a 50%, subindo para 75% no caso do ensino superior privado e quase 90% no caso dos investigadores.

SOLUÇÃO - Valorização Já, aponta o 15.º Congresso Nacional dos Professores, atribuindo lugar de quadro a todos aqueles que ocupam uma necessidade permanente e um salário compatível com o tempo de serviço prestado, garantindo assim o cumprimento efetivo, em Portugal, da Diretiva n.º 1999/70/CE sobre o abuso da contratação a termo e de discriminação salarial.

UMA CARREIRA DESVALORIZADA - Do processo de revisão da carreira docente iniciado pelo anterior governo nada foi efetivamente alterado. A carreira continua a mesma, longa, com baixos índices salariais no início, vagas de acesso ao 5.º e 7.º escalões, quotas na Avaliação do Desempenho Docente, horários de trabalho abusivos e sem um regime de aposentação ajustado à natureza da profissão. E se o anterior governo da AD fazia estender no tempo o processo de revisão, o programa eleitoral da AD, ao qual o novo governo se diz vinculado, aponta o início da revisão do ECD para 2027, após a recuperação do tempo de serviço. Foi a desvalorização da carreira, um contínuo desde o ECD de 19 de janeiro de 2007, que trouxe para o seio do professorado o desencanto e a frustração que hoje se vive nas salas de professores.

SOLUÇÃO - Valorização Já, aponta o 15.º Congresso Nacional dos Professores, abrindo no imediato um processo de revisão do ECD que dê resposta aos problemas existentes: uma carreira mais curta (dois anos no primeiro escalão e três nos restantes, chegando em 26 ao topo) com índices salariais melhorados nos primeiros escalões, com impulsos idênticos, sem vagas, com uma ADD formativa, horários de trabalho em que todo o trabalho com alunos seja considerado tempo letivo, reduções por antiguidade iguais da Educação Pré-escolar ao Ensino Secundário e um regime de aposentação adequado às características da profissão.

HORÁRIOS E CONDIÇÕES DE TRABALHO - A ultrapassagem sistemática das 35 horas de trabalho semanais pela manipulação das três componentes de trabalho dos docentes (letiva, não letiva de estabelecimento e individual), designadamente através do uso e abuso do trabalho com alunos na componente não letiva de estabelecimento, empurrando as atividades de escola sem alunos (reuniões pedagógicas e formação) para o tempo destinado à vida pessoal e familiar do docente, já que as tarefas da componente individual – preparação das aulas e correção de trabalhos e testes –, têm sempre que ser asseguradas. A introdução das Provas ModA  constitui o mais recente exemplo disso mesmo: ao fazê-lo em período letivo, o MECI, para além de perturbar o normal funcionamento das escolas, acrescentou trabalho aos professores, uma vez que, às 35 horas de trabalho, acresceram ainda as tarefas de secretariado, aplicação e, eventualmente, de classificação de umas provas de intencionalidade duvidosa.

SOLUÇÃO - Valorização Já, como aponta o 15.º Congresso Nacional dos Professores, com a clarificação da composição de cada uma das componentes de trabalho dos docentes, incluindo na componente letiva todo o trabalho com alunos, reuniões e formação na componente não letiva de estabelecimento sem ultrapassar os limites temporais estabelecidos, ficando a componente individual com o tempo necessário para a preparação de aulas, correção de testes e trabalhos e produção de relatórios e materiais pedagógicos. Ainda, as vinte horas de componente letiva semanal para todos os docentes e reduções por antiguidade de duas horas de cinco em cinco anos, a partir dos quarenta e cinco anos de idade e dez de serviço, da educação pré-escolar ao ensino secundário.

APOSENTAÇÃO - A inexistência de um regime de aposentação específico para a profissão docente – regime especial de aposentação, regulamentação da pré-reforma e efetiva diminuição do tempo de contacto com alunos –, leva a que se constate um duplo problema: por um lado o desgaste e a exaustão docente, o que acarreta um penoso exercício da profissão, diminuindo a qualidade da sua prestação; por outro lado, o crescimento das baixas médicas a partir de determinada altura do ano. A burocracia, a violência e a indisciplina escolar e a sobrecarga de trabalho, sempre merecedoras de proclamações solenes mas sem medidas efetivas de combate, contribuem para o clima de exaustão que se sente.

SOLUÇÃO - Valorização Já, aponta o 15.º Congresso Nacional dos Professores, impõe a criação de um regime especial de aposentação docente aos 36 anos de serviço, com a possibilidade de aposentação sem penalizações de todos os que tenham pelo menos 40 anos de descontos. A regulamentação da pré-reforma e a compensação de todos os que se aposentaram sem recuperar todo o tempo de serviço a que tinham direito são, também, medidas justas de efetiva valorização da profissão e das pensões.

ENSINO SUPERIOR E INVESTIGAÇÃO - Setor de importância estratégica para o desenvolvimento do país, mas que os seus profissionais se encontram extremamente precarizados, sobrecarregados e desvalorizados, podendo por em causa o funcionamento e a qualidade das suas instituições.

SOLUÇÕES - Eliminação da precariedade com a integração nas carreiras de todos os docentes e investigadores que ocupam postos de trabalho permanentes, todos eles com longos percursos profissionais nas Instituições de Ensino Superior ou no sistema científico e tecnológico nacional. A revisão dos estatutos de carreira (ECIC,ECDU e ECPDESP), assegurando a valorização de todas as carreiras e de  mecanismo eficazes de combate à precariedade. A revisão do Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior ( RJIES), com reforço do carácter público das instituições, da sua autonomia, da gestão democrática e colegialidade e revogação do regime fundacional. O reforço do montante da previsibilidade do financiamento público para o Ensino Superior e para a Ciência, pondo cobro à situação já crónica de subfinanciamento, de modo a cumprir a meta de investimento público em Investigação e Desenvolvimento de 3% do PIB até 2030.

ENSINO PARTICULAR E COOPERATIVO - Neste sector, continuam a verificar-se situações graves de exploração e sonegação de direitos laborais.

SOLUÇÃO - A defesa da contratação coletiva em condições que permitam o respeito e o exercício da profissão com os mesmos direitos, deveres e condições de trabalho, independentemente do vínculo contratual ser no setor público ou privado, o que implica a revogação das normas mais gravosas do Código do Trabalho.

Estes são alguns dos problemas principais que identificamos nos documentos do 15.º Congresso Nacional dos Professores, bem como as soluções que os poderão resolver. É essa exigência, a de resolver os problemas dos educadores, dos professores e dos investigadores, que esperamos ser o propósito do Ministério da Educação Ciência e Inovação.

O relativo reconhecimento que alguns conferem ao ministro Fernando Alexandre pelo contributo positivo (mas insuficiente porque não abrangeu todos os docentes) na recuperação do tempo de serviço, rapidamente se esfumará se os problemas não forem resolvidos e se, pior ainda, se iniciar um processo de desmantelamento do MECI, consubstanciado na  transferência de responsabilidades para os municípios e na sua redução a um mero papel de regulador do financiamento público à escola pública e privada, decidido com base no campeonato nacional de exames e rankings.

 

Lisboa, 11 de junho de 2025

O Secretariado Nacional da FENPROF