A falta de recursos, principalmente humanos, e a já crónica falta de investimento na Educação, continuam a pôr em causa um direito humano que a nossa Constituição consagra: o acesso, com sucesso, de todos e todas a uma Educação de qualidade.
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I. Nota introdutória
A FENPROF realizou um levantamento, junto das direções dos Agrupamentos de Escolas (AE) e Escolas Não Agrupadas (ENA), sobre a aplicação do Decreto-lei n.º 54/2018, de 6 de julho, que estabelece os princípios e as normas que garantem a educação inclusiva. Este diploma estabelece, no artigo 33.º, que a sua implementação será avaliada no prazo de 2 anos e a aplicação sujeita a avaliações a cada 5 anos. Contudo, 7 anos depois da entrada em vigor da Educação Inclusiva – novo paradigma educativo muito mais abrangente do que a Educação Especial –, nenhuma avaliação foi feita. Da parte do ministério da Educação, não se conhece qualquer reflexão crítica sobre o que realmente se passa nas escolas portuguesas.
Cada AE/ENA tem a sua identidade que dita uma realidade própria e tem sido o trabalho dos docentes, de muitas direções das escolas, de muitos profissionais não docentes (assistentes operacionais e técnicos especializados) e de muitas famílias, a garantir que os alunos com Necessidades Específicas (NE) continuem a ter apoio e resposta, embora, por vezes, insuficiente, às suas necessidades individuais.
Mais uma vez, os diretores, a quem se dirigiu o questionário que permitiu este levantamento, confirmam que os AE/ENA não têm os recursos necessários para assegurar uma educação verdadeiramente inclusiva e de respeito pelas características individuais de cada aluno. Esta confirmação vem ao encontro do que a FENPROF sempre tem afirmado, ficando a certeza de que para a Educação ser verdadeiramente inclusiva há ainda um caminho importante a percorrer!
Há, no entanto, uma certeza: à Escola Pública compete garantir a educação inclusiva, onde crianças e jovens, com e sem deficiência, convivam e trabalhem conjuntamente, exercendo o direito e assumindo o dever de respeito mútuo, a todos sendo garantidas as indispensáveis condições de sucesso escolar e educativo.
O DL 54/2018 é um diploma legal avançado, que reconhece a importância da inclusão e, portanto, de uma educação inclusiva que é dirigida a todos os cidadãos.
Só que da letra da lei à realidade vai uma grande distância!
A boa vontade e o excesso de trabalho (muitas horas de trabalho extra) dos profissionais (docentes e não docentes) não é a forma correta de garantir uma educação inclusiva. Reconhece-se que a educação inclusiva é muito mais que recursos, mas sem estes, principalmente recursos humanos, não há uma verdadeira e efetiva inclusão.
A carência de recursos foi uma crítica feita pela FENPROF logo após a implementação do atual quadro legal, sendo reiterada 7 anos depois porque o problema não foi resolvido, entre outros fatores, por falta de vontade política dos vários governos.
O subfinanciamento da Educação e a já referida falta de investimento, problemas que já se tornaram crónicos impedem a qualidade de algumas respostas a que os cidadãos têm direito. Recorda-se que as verbas para a Educação, no Orçamento do Estado, ano após ano, não atingem, sequer, metade do valor de 6% do PIB recomendado pela UNESCO/ONU e outras organizações internacionais.
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II. Universo abrangido pelo levantamento (amostra)
Com o objetivo de atualizar a informação sobre a situação que se vive nas escolas e agrupamentos sobre a aplicação do DL 54/2018, a FENPROF realizou um levantamento, através de um questionário enviado às direções dos AE/ENA, tendo sido validada uma amostra de 147 (18%), considerados de forma aleatória, distribuídos por todo o território continental.
A amostra envolveu 188 262 alunos e 19 321 docentes de todos os grupos de recrutamento, sendo 1303 da Educação Especial, correspondendo a 6,7% do total. De notar que o número de alunos com apoio específico representa 8,2% do total, o que revela, desde logo, um desequilíbrio em relação à percentagem de docentes. Dos 15 437 alunos com apoio específico, 12 237 são abrangidos por medidas seletivas e 3200 por medidas adicionais.

Quadro 1: Do total de docentes de Educação Especial (1303), 1212 (93%) são do grupo de recrutamento 910 (domínio cognitivo e motor), 15 (1,1%) são do grupo de recrutamento 920 (alunos surdos), 16 (1,2%) são do grupo de recrutamento 930 (alunos cegos) e 60 (4,6%) são da Intervenção Precoce na Infância (IPI).
A grande maioria dos alunos tem apoio direto, mas é de registar que 9,1% do total dos alunos, 17 132 só recebem apoio indireto. Esta modalidade de apoio aumentou em relação aos dados recolhidos no levantamento do ano transato (passa de 4,4% para 9,1%, mais do que duplicando), o que decorre do aumento do número de alunos a necessitar de apoio específico e da escassez de recursos para trabalhar com eles. O apoio indireto (os docentes da Educação Especial dão orientações aos docentes titulares de turma sobre como trabalhar com estes alunos), é importante, mas limitando-se o apoio a esta modalidade, há uma comprovada falta de eficácia que penaliza a maioria dos alunos que o recebem. É fundamental trabalhar diretamente e de forma individual com cada um dos alunos, para além do trabalho que é feito no âmbito do grupo “turma”.
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III. Resultados do levantamento
► Constituição de turmas
Há muitas turmas que continuam a ser constituídas de forma ilegal, não respeitando a obrigatoriedade de, numa turma, quando há alunos com NE, esta ser reduzida, tendo, no máximo, 20 alunos. E cada turma destas não pode integrar mais de 2 alunos com NE.

Quadro 2: Do total de 9252 turmas consideradas no levantamento, segundo os diretores, 47,6% deveriam ser reduzidas. Mas destas turmas que deveriam respeitar a norma da redução, 27,1% (acima de ¼) estão ilegais: 12,4% têm mais de 20 alunos, 8% têm mais de 2 alunos com NE e 6,7% têm mais de 20 alunos e mais de 2 alunos com NE.
Mais uma vez se constata que o número de turmas constituídas ilegalmente é mais elevado que no levantamento do ano transato (era de 23%), contribuindo para este aumento o número crescente de alunos em todas as escolas e a falta de espaços físicos, o que revela a existência de políticas distantes da realidade.
► Falta de docentes de Educação Especial
A maioria dos diretores continua a afirmar que há uma expressiva falta de docentes de Educação Especial, problema a que também não é alheia a crescente falta de docentes nas escolas. Esta carência deve-se, acima de tudo, à desvalorização da profissão docente e à falta de condições dignas de trabalho nas escolas.

Quadro 3: No levantamento realizado este ano, 74,3% dos AE/ENA referem esta falta de docentes da Educação Especial, tendo também este número aumentado em relação ao levantamento do ano passado (que era de 64%).
► Docentes de Educação Especial “desviados” da sua função para substituir titulares de turmas

Quadro 4: Apesar da falta de docentes de Educação Especial, em 8,1% dos AE/ENA que decidiram "deslocar” docentes da Educação Especial para a titularidade de turmas, deixando os alunos com NE com outras soluções que não garantem o apoio de que estes alunos necessitam.
Esta gestão de recursos não é aceitável, uma vez que, para colmatar uma falta generalizada de docentes em espaços mais visíveis para a opinião pública (exemplo, uma turma do 1º ciclo do ensino básico sem docente), os alunos do docente da Educação Especial perdem o seu apoio, o que aumenta, ainda mais, o rácio de alunos com NE por docente, diminui o tempo de apoio destinado a cada aluno e, em vários casos, são colocados na sala designada por Centro de Apoio à Aprendizagem, transformando-a numa espécie de unidade de “ensino especial”, onde já estão mais alunos. Esta situação faz ultrapassar o rácio de alunos por profissional e até viola a medida legalmente estabelecida de metro quadrado por aluno.
► Horários não preenchidos nas escolas

Quadro 5: Devido a esta grande falta de docentes de Educação Especial, dos AE/ENA que colocaram horários a concurso, através da contratação de escola, 71,6% não conseguiram recrutar qualquer docente, pelo que muitos horários ficaram por preencher, principalmente para apoio a alunos do domínio cognitivo e motor.
Em relação à IPI, o problema persiste com a não criação do grupo de recrutamento para o trabalho direto com crianças dos 0 aos 6 anos de idade e as suas famílias. Persiste o não reconhecimento que estes bebés e crianças e as suas famílias necessitam de um apoio muito específico que carece de especialização nesta área. Os partidos do atual governo consideravam ser necessária a criação deste grupo de recrutamento quando eram oposição, no entanto, agora, enquanto governo, não têm o mesmo entendimento, continuando o desrespeito por estes bebés, crianças e as suas famílias.
► Falta de assistentes operacionais (AO) e formação destes/as trabalhadores/as para a atividade que desenvolvem

Quadro 6: As direções das escolas também afirmam ter falta de outros profissionais, nomeadamente de Assistentes Operacionais (AO). 77% dos diretores referem que não existem AO em número suficiente para dar resposta aos alunos com NE. Só nos AE/ENA que integram este levantamento faltam, segundo os próprios diretores, 557 AO.

Quadro 7: Apenas 5,2%, do total de 8873 AO, têm formação adequada para trabalhar com alunos com NE.
► Há défice de técnicos especializados

Quadro 8: Em relação aos Técnicos Especializados, também são insuficientes. 79,6% dos AE/ENA referem que estes técnicos não são suficientes e que necessitam, pelo menos, de mais 350, nomeadamente de Terapeutas da Fala, Psicólogos, Terapeutas Ocupacionais, Fisioterapeutas, Mediadores Sociais e Culturais, Assistentes Sociais, entre outros.
► Apreciação global sobre os recursos existentes para assegurar a educação inclusiva

Quadro 9: Questionados, 82,3% dos diretores considera não ter os recursos necessários para implementar e aplicar uma educação efetivamente inclusiva, ou seja, para implementar o que está previsto no DL 54/2018, proporcionando o acesso e o sucesso de todos os alunos, respeitando as características específicas de cada indivíduo.
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IV. Síntese final
Como se percebeu ao longo dos anos, e a FENPROF foi reclamando desde a publicação do DL 54/2018, a existência de mais recursos é uma necessidade diária nas escolas que tem vindo a agravar-se. Sem esses recursos, as escolas não conseguem proporcionar uma educação verdadeiramente inclusiva e esta insuficiência põe em causa a Educação como direito constitucional e, também, um dos pilares de uma sociedade inclusiva.
A FENPROF exige que a lei seja devidamente aplicada, a escola seja inclusiva e todas as diferenças individuais de alunos e docentes sejam atendidas e respeitadas. É necessário que toda a comunidade educativa e a sociedade em geral defendam uma educação de qualidade para todos os cidadãos porque só assim se garantirá uma sociedade inclusiva e democrática.
De acordo com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), em que Portugal é parceiro na Agenda 2030, devem ser cumpridos os objetivos 4 (Educação de Qualidade) e 10 (Reduzir as Desigualdades). Na definição de prioridades, o Estado Português incluiu, precisamente, os objetivos 4 e 10, mas esta não pode ser apenas uma boa intenção, é preciso que se torne realidade nas escolas portuguesas.
Estamos perante uma exigência que a FENPROF apresenta ao ministro Fernando Alexandre, à equipa ministerial em geral e ao governo. É necessário passar das palavras aos atos e, também em relação à educação inclusiva, isso não tem acontecido.
Não há alternativa: ou os alunos com NE e respetivas famílias são respeitados e a inclusão é uma realidade ou se perpetua a segregação e exclusão destes cidadãos. Para a FENPROF, esta é das questões em que não podem existir dúvidas.
Lisboa, 3 de dezembro de 2025
O Secretariado Nacional da FENPROF


