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Críticas, discordâncias e propostas da FENPROF quanto às Orientações do MCES relativas à fixação das vagas para o acesso ao Ensino Superior Público em 2003

FENPROF entrega carta no MCES

10 de dezembro, 2003

Como se sabe, o MCES decidiu impor um conjunto de regras restritivas para a fixação de vagas, atribuindo o prazo de 10 dias para o seu cumprimento, numa atitude de grave desrespeito para com as instituições e respectiva autonomia, e para com todos os que nelas trabalham e estudam.
Foram assim impostos cortes cegos de 10% nas vagas dos cursos de ciências sociais e humanas (sem qualquer critério de qualidade) e cortes da mesma natureza em outros, pondo designadamente em risco a possibilidade de continuação de muitos cursos, alguns com elevada relevância social (mas com pouca procura), a poucos meses do início do próximo ano lectivo.
A FENPROF já denunciou estas medidas como incluídas nos propósitos de benefício ilegítimo do ensino privado e de redução da responsabilidade do Estado pelo financiamento do Ensino Superior Público.
Perante esta situação, a FENPROF tomou a decisão de manifestar ao Ministro o seu desagrado e a sua oposição a estes métodos e propósitos, e de lhe apresentar em mão propostas alternativas.
Assim, uma delegação de dirigentes e activistas sindicais do ensino superior da FENPROF, à escala nacional,  entregou uma carta no dia 12 de Junho, no MCES (Palácio das Laranjeiras), que apresentamos mais adiante na sua versão integral.


Exmº Senhor
Ministro da Ciência e do Ensino Superior
Palácio das Laranjeiras
Data: 12/03/2003
1649-018 LISBOA

Assunto: Críticas, discordâncias e propostas da FENPROF quanto às orientações do MCES relativas à fixação das vagas para o acesso ao Ensino Superior Público em 2003

Senhor Ministro,

A FENPROF tem vindo a participar de boa fé nos processos de debate por V. Exa. propostos sobre as reformas a empreender no Ensino Superior, incluindo a revisão dos estatutos das carreiras docentes. Infelizmente V. Exa. e o Governo de que faz parte não permitiram o debate público indispensável de antepropostas relativamente à Lei de Bases Financiamento do Ensino Superior e à Lei de Bases da Educação.
Do ponto de vista da FENPROF, o dever democrático de ouvir todos os interessados antes da feitura das leis não é cumprido pelo facto de V. Exa. e o Primeiro Ministro apresentarem intenções políticas em declarações para a comunicação social, com o objectivo de avaliarem as reacções que elas possam suscitar, sobretudo após terem procurado, durante meses e de forma ostensiva, responsabilizar, aos olhos da opinião pública, tarefa em que tiveram o prestimoso auxilio de diversos opinion makers, os docentes, os não-docentes e os estudantes, por um quadro que propositadamente carregaram de tintas negras, quando muito bem sabem que as dificuldades principais que afectam o sector se devem à política de sucessivos governos, designadamente daqueles em que, durante largos anos, um e outro participaram.
Não basta também que o MCES publique documentos sobre matérias a serem objecto de iniciativas legislativas, com muitas passagens vagas e imprecisas, relativamente aos quais solicite e obtenha numerosos comentários, para que aquele dever de audição possa considerar-se satisfeito.
Ao Governo e ao MCES exige-se que tenham a humildade democrática e a coragem política de aceitarem o confronto das suas propostas concretas com as posições daqueles a quem elas se destinam e que, mais do que isso, têm por obrigação pô-las em prática. O diálogo não se confunde, do ponto de vista da FENPROF, e ao contrário do que o Governo tem pretendido fazer querer, com falta de determinação política. Em contrapartida, a fuga ao diálogo o autoritarismo esconde muitas vezes incompetência, falta de confiança quanto à adequação das medidas que se pretendem aprovar ou receio de que uma discussão aberta acabe por revelar os motivos inconfessáveis de algumas decisões.
Um claro exemplo de autoritarismo que constitui, simultaneamente, uma grave falta de respeito para com as instituições do ensino superior público e para com os seus órgãos representativos e, logo, para com todos os docentes, não-docentes e estudantes, foi a imposição, por parte do MCES, a 20 de Maio, de regras restritivas para a fixação das vagas, para os cursos do Ensino Superior Público, a submeter ao concurso nacional de acesso respeitante a 2003/2004, exigindo uma resposta das instituições no prazo de 10 dias, como se as modificações que seria necessário fazer nos cursos a oferecer pudessem ser concretizadas nesse período tão curto.
É assim inaceitável, ofende a autonomia e contraria inclusive aquilo a que o Governo se encontra obrigado por lei em matéria de audição do CRUP e do CCISP que o MCES tenha fixado regras restritivas do número de vagas, com a possibilidade de extinção de um enorme número de cursos, num momento em que o próximo ano lectivo se encontra já planeado na generalidade das instituições.
A natureza cega do corte uniforme de 10% nas vagas dos cursos na área das ciências sociais e humanas é particularmente chocante por desvendar os objectivos ocultos de redução do esforço do Estado no financiamento do Ensino Superior Público e por evidenciar o propósito nítido de favorecimento das instituições privadas, cuja oferta se situa predominantemente nessas áreas, muitas delas de qualidade muito duvidosa, onde os respectivos corpos docentes se encontram à mercê das maiores arbitrariedades, desprovidos dos mais elementares direitos, designadamente, das liberdades académicas e do direito à colegialidade nas decisões, bem como os direitos à formação, à investigação, a uma carreira e a uma remuneração justa.
Esta atitude do Governo, de empurrar para o ensino privado muitos dos candidatos, contraria frontalmente o disposto na Constituição (nº 1 do artº 75º): O Estado criará uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população.
Esta crítica à posição do Governo não é contraditória com as propostas que a FENPROF tem apresentado quanto à necessidade de aumentar a relevância social das actividades das instituições do ensino superior público, bem como a racionalização da utilização de meios e a prestação de contas à sociedade.
A FENPROF concorda com a necessidade de que os objectivos dos cursos tenham mais em atenção as necessidades sociais (não apenas as económicas) e, em particular, as do mercado de trabalho actual e as do futuro previsível. Para tal, é importante que representantes da sociedade, nos domínios cultural, científico, económico, empresarial, etc., sejam obrigatoriamente ouvidos aquando da criação de cursos e das suas reestruturações curriculares, incluindo da sua possível extinção.
A FENPROF não aceita, no entanto, que o MCES se arrogue o direito, como aconteceu agora, de definir regras sobre o número de vagas, incluindo a possibilidade de extinção de cursos, sem se basear numa avaliação criteriosa da qualidade e da relevância social dos cursos, nem em dados que lhe permitam avaliar da racionalidade da utilização dos recursos. A qualidade que V. Exa. afirma desejar para o sistema não se verifica afinal na actuação do próprio Ministério.
É real a redução demográfica que vem diminuindo o número de candidatos à formação inicial no ensino superior nos últimos anos. É também, infelizmente, real a taxa de abandono e de insucesso dos estudantes no ensino secundário que impede o necessário aumento da percentagem de jovens a frequentar o ensino superior. Enquanto esta situação perdurar, sem dúvida que é necessária uma maior atenção à regulação da oferta de ensino superior público no nosso país, sem esquecer que, para além da formação inicial, será necessário apostar mais nas pós-graduações, na formação complementar de licenciados e no ensino ao longo da vida, de forma a compensar o enorme atraso da qualificação da nossa população activa que vem tolhendo as possibilidades de Portugal poder aproximar-se dos níveis médios da UE e da OCDE em matéria de competitividade, produtividade e nível de vida.
No entanto, um esforço de melhoria de apenas 10% na taxa de abandono e insucesso no ensino secundário já levaria a que o número de alunos no ensino superior nem sequer diminuísse. Trata-se de uma questão de prioridades políticas deste Governo, para quem o que sempre prevalece é a obsessão da redução do défice público, independentemente das necessidades do desenvolvimento do país, o que significa para o Governo o corte nas despesas públicas com a educação (vista como um custo ou desperdício e não como um investimento)!
Do ponto de vista da FENPROF, devem as instituições e os respectivos órgãos representativos ser mais envolvidos e responsabilizados no processo de regulação quanto à oferta de cursos e à fixação das respectivas vagas. O risco de instituições situadas, sobretudo, no interior do país ficarem quase sem alunos é real e só uma cooperação entre instituições universitárias e politécnicas, de âmbito regional ou por afinidades temáticas, apoiadas por políticas governamentais activas na promoção do desenvolvimento nacional e regional e em diálogo com as organizações representativas de docentes, não-docentes e estudantes poderão resolver este problema no interesse nacional.
Isto implica, no entender da FENPROF, que sejam ultrapassados o egoísmo e o clubismo de natureza institucional, bem como preconceitos vários, e os corporativismos de visão estreita e que se caminhe decididamente no sentido de se encarar o sistema de ensino superior público de forma integrada e, simultaneamente, diversificada, assegurando a sua qualidade. Esta questão da fixação do número de vagas de acesso aos cursos poderá vir a ser, no entender da FENPROF, um leitmotiv para o início de um caminho de cooperação no sentido de um tal sistema integrado, respeitando a autonomia das instituições, responsabilizando-as mais, mas sem que o Estado se desresponsabilize.
Por esta razão, a FENPROF defende que seja da competência das instituições e dos respectivos órgãos de coordenação CRUP e CCISP a fixação dos numeri clausi, sem que isso signifique uma demissão da parte do Governo quanto à sua responsabilidade pelo ensino superior público, tendo em atenção o imperativo constitucional da satisfação das necessidades de toda a população. Do Governo que representa o Estado exige-se uma visão estratégica e a atribuição dos indispensáveis apoios, designadamente ao nível da aprovação de Planos de Desenvolvimento, Contratos de Qualidade e Contratos Programa (instrumentos de regulação ao alcance do Governo) e quanto à criação de condições de atractividade (discriminação positiva) para estudantes e docentes nas regiões mais afastadas do litoral, devendo para tal suscitar a cooperação das autarquias e do tecido económico e social local para a atribuição de bolsas de estudo e de subsídios de instalação, para a construção de residências para estudantes, e para a concretização de outras medidas com idênticos fins.
Não esquecendo a necessidade de que sejam garantidos os direitos dos docentes, designadamente o da estabilidade de emprego, e aumentados os estímulos para a sua cada vez maior apreciação e melhor desempenho e dedicação no âmbito das missões do ensino superior (reivindicações que o MCES tem ignorado), a FENPROF está disposta a cooperar nos objectivos de regulação atrás descritos desde que o Governo mude de atitude e passe a respeitar mais quem, perante políticas adversas às necessidades do desenvolvimento do ensino superior como sector estratégico para a modernização do país, para o aumento da competitividade da sua economia e para o seu desenvolvimento cultural e social, tem vindo a gerir as instituições e a manter a qualidade do ensino e da investigação, com um nível de rigor e de eficiência ímpares no contexto da Administração Pública.

Com os melhores cumprimentos

O Secretariado Nacional da FENPROF
João Cunha Serra, Coordenador do Departamento do Ensino Superior