Por um Ensino Superior Público, de todos e para todos
As políticas para o Ensino Superior Público do Governo Passos Coelho e do seu Ministro Crato consistem em desinvestir, reduzindo o financiamento de universidades e politécnicos, cortando e dificultando o acesso à acção social escolar, estiolando as estruturas de investigação. Ou seja, utilizando como justificação as actuais dificuldades económico-financeiras de Portugal, põem em causa a missão do Ensino Superior Público.
A missão constitucional do Ensino Superior Público pressupõe a garantia de acesso dos jovens à formação superior, não condicionada por razões de origem socioeconómica. Contudo, assiste-se a um forte constrangimento ao acesso, nomeadamente ao nível da acção social, com regras que excluem uma grande fatia de estudantes. A esta condicionante, acresce o abandono por dificuldades económicas de um número cada vez maior de estudantes. Assim, o acesso ao Ensino Superior irá, cada vez mais, ficar reduzido aos estudantes com origem socioeconómica mais favorável, tornando o Ensino Superior mais elitista. O esforço pedido às famílias portuguesas para a manutenção dos seus jovens nas universidades e politécnicos já é dos maiores a nível internacional. As propinas do Ensino Superior Público estão entre as 4 mais elevadas da Europa Ocidental (Reino Unido, Holanda, Itália e Portugal – OCDE, 2012). Portugal já era dos países com maior selectividade no acesso, selectividade que está a ser reforçada pela política deste Governo.
Ao mesmo tempo, as reduções do financiamento têm consequências directas ao nível da qualidade de ensino, pois comprometem os recursos disponíveis, implicando o aumento da dimensão das turmas e das cargas lectivas, pondo em causa a qualidade do ensino e o funcionamento das universidades e politécnicos. Um grande número de docentes não vê, ao fim de muitos anos de dedicação ao ensino e à investigação, a abertura de lugares de quadro que lhes garantam estabilidade de emprego. Portugal já era dos países com o financiamento do Ensino Superior per capita mais baixo (Portugal: 10.480 USD; média da OCDE: 13.727 USD), e esse valor vai descer ainda mais como consequência das políticas PSD/CDS.
O desenvolvimento do sistema de Ensino Superior está fortemente ligado ao progresso da investigação científica. A evolução dos últimos anos de crescimento sustentado da investigação produzida pelos investigadores portugueses encontra-se assim posta em causa. Os cortes no financiamento da investigação não são meramente pontuais. As suas consequências far-se-ão sentir em várias gerações de investigadores: os jovens que vêem impedido o seu acesso à carreira de investigação; os actuais investigadores de carreira que terão os seus contratos terminados ou a sua investigação dificultada; e os investigadores seniores que serão confrontados com a escassez de jovens que prossigam as investigações em curso. Deste modo, constata-se que a prática do ministério de Nuno Crato contradiz os seus discursos sobre o papel fundamental da investigação para o desenvolvimento de Portugal.
Retrocessos e estagnação na profissão docente do Ensino Superior
1. Ensino Universitário
Diminuição significativa do número total de professores de carreira – quase 400 (cerca de 4%) em 2 anos, de 12/2009 a 12/2011, de acordo com o REBIDES (número que estava estável desde 2004) no conjunto das Universidades. A partida para a reforma de aproximadamente 600 colegas não foi compensada por novas entradas. As Universidades estão a ser decapitadas, estão a empobrecer, com a saída dos mais qualificados e experientes.
Diminuição do número de professores Associados e Catedráticos – mais de 100, entre 2009 e 2011. Em vez de estarem a aumentar, como devido, para cumprir o estatuto de carreira (art.º 84º), que exige que entre 50% e 70% dos professores estejam nestas categorias. O que se tem verificado é que este rácio não só está longe desta percentagem, como está a afastar-se. À data da publicação da revisão do ECDU (31.08.2009), era de cerca de 36%; em Dezembro de 2011, rondava os 34%; hoje será ainda inferior. A diminuição do número de colegas nas categorias de topo tem consequências nefastas na vida das Universidades, que deixam de ter um corpo qualificado, nomeadamente para a constituição de júris em várias áreas e para o estabelecimento de parcerias internacionais.
Os corpos docentes das Universidades são hoje constituídos maioritariamente por professores auxiliares, cientificamente muito activos, a exercer muitas das funções que deveriam caber às categorias de topo e sem perspectivas de desenvolvimento das suas carreiras. Acresce ainda que as Universidades não estão, desde de 2011, respaldadas nas Leis do Orçamento de Estado, a reconhecer salarialmente a obtenção do título académico de agregação.
A diminuição do número dos professores de carreira está a ser compensada pelo aumento do número de docentes convidados e colaboradores. Em 2 anos (de Dezembro de 2009 a Dezembro de 2011), o número de convidados cresceu de 4034 para 4674 (um aumento de 16%) e o número de colaboradores passou de 595 para 1013 (+70%). Uma primeira conclusão é que aumentou a precariedade dos vínculos laborais dos docentes universitários. Esta situação está em contradição com o ECDU.
Os dados indicam uma diminuição de ETIs (Equivalentes de Tempo Integral) e o aumento do número de docentes convidados a tempo parcial, nomeadamente a menos de 50%, e também o número de colaboradores contratados à hora. Não só aumenta a precariedade, como aumenta o subemprego e o trabalho docente muito mal pago, desde logo porque estes docentes não têm o direito à dedicação exclusiva.
A diminuição de ETIs, acompanhada por um ligeiro aumento do número de estudantes, tem implicado o aumento do rácio alunos/docentes, ou seja, está a diminuir a qualidade do serviço público de ensino universitário.
A figura de colaborador engloba um conjunto de relações que vão desde o pagamento à hora, sob a forma de prestação de serviço a recibos verdes ou actos únicos, até à utilização de bolseiros de investigação, mal ou não remunerados, em actividades docentes continuadas, passando pela contratação de monitores (estudantes de licenciatura).
Assim, e em desrespeito dos objectivos inscritos na revisão do ECDU, de 2009, tem-se assistido:
- À diminuição do número total de professores na carreira docente universitária;
- Ao aumento da percentagem de docentes convidados, a maioria a tempo parcial de menos de 50%;
- À diminuição do peso relativo dos professores nas duas categorias de topo (associado e catedrático);
- Ao aumento do rácio alunos/docentes.
A Universidade portuguesa está a ser decapitada. Reformam-se os mais graduados, e o seu corpo docente está a envelhecer, sem capacidade de recrutar e fixar jovens altamente qualificados.
2. Ensino Superior Politécnico
O regime transitório definido na revisão do estatuto de carreira definiu as condições para a passagem de alguns colegas equiparados à carreira, induzindo um aumento do número de docentes de carreira de 3172 para 3717, entre 2009 e 2011. No entanto, este aumento está muito aquém dos objectivos de qualificação definidos na revisão do ECPDESP. Assim, o número de professores de carreira está, na generalidade das instituições, muito abaixo dos 70% estipulados na lei: no final de 2011, a percentagem global não ultrapassava os 37%.
Com a extinção precoce do programa PROTEC, deixaram de existir programas nacionais de apoio à formação dos docentes, muitos deles equiparados. Adicionalmente, muitos docentes têm, ano após ano, cargas lectivas elevadas, o que lhes impossibilita reunir as condições necessárias para desenvolver e concluir os seus doutoramentos.
Por outro lado, há colegas que estão actualmente em condições de transitar para a carreira (qualificação e anos de serviço), mas a interpretação da lei pelas instituições está a impedir o seu ingresso.
A precariedade mantém-se muito elevada e continua a assistir-se à contratação de muitos docentes convidados a tempo parcial, sem exclusividade, e até por períodos inferiores a um semestre, aumentando o subemprego e o trabalho docente mal pago.
Muitos colegas, mesmo com doutoramento, têm sido contratados como equiparados a assistentes do 1º triénio, estando a ser pagos pelo índice 100.
Diminui o número de professores nas categorias de topo (coordenadores e coordenadores principais), com as aposentações a não serem compensadas pelas novas entradas, não estando a existir concursos em número suficiente. O número de professores coordenadores e coordenadores principais é inferior a 20% do total dos professores de carreira.
Os corpos docentes dos Institutos Politécnicos são hoje constituídos maioritariamente por assistentes e professores adjuntos, técnica e cientificamente muito activos, a exercer muitas das funções que deveriam caber às categorias de topo, muitos sem terem um vínculo estável e sem perspectivas de desenvolvimento das suas carreiras.
Esta gravíssima situação a que se está a chegar tem de ser contrariada.
O Departamento de Ensino Superior da FENPROF decide:
- Reiterar a exigência da reunião da FENPROF com o Ministro, cuja agenda incluirá a grave situação do Ensino Superior Público;
- Renovar o pedido de reunião com o Secretário de Estado do Ensino Superior, com carácter de urgência;
- Solicitar uma reunião com o Secretária de Estado da Ciência, com carácter de urgência;
- Solicitar à Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES) que no âmbito das suas atribuições intervenha junto das Universidades e dos Institutos Politécnicos, no sentido e forçar o cumprimento do RJIES e dos estatutos, no que diz respeito à criação de condições para a qualificação dos docentes e à abertura de concursos;
- Denunciar ao Provedor de Justiça o facto de o MEC não ter criado ou mantido os programas nacionais que sustentassem dispensas de serviço docente aos docentes integrados em programas de doutoramento;
- Solicitar reuniões ao Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP) e aos Institutos Politécnicos, com carácter de urgência, com o objectivo de analisar o grau de concretização das disposições transitórias do ECPDESP;
- Apelar a todos os colegas do Ensino Superior que participem nas acções de luta promovidas pela FENPROF e pelo movimento sindical com vista à alteração da política e de defesa da escola pública. Os problemas essenciais com que nos defrontamos no Ensino Superior decorrem de uma política que ataca as funções sociais do estado, pelo que só a derrotando poderemos ter alguma paz nas nossas instituições. Entre outras acções apela-se à participação:
- Na Semana de Luto em Luta que hoje se inicia, quer através da participação em acções gerais, quer na dinamização de acções específicas, nomeadamente de contacto com funcionários não docentes, bolseiros e estudantes, no sentido de alargar a frente social de apoio à Escola Pública de que o Ensino Superior é componente;
- Na manifestação nacional da administração pública a 15 de Março em Lisboa.
Porto, 18 de Fevereiro de 2013