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A propósito da avaliação do impacto legislativo da Lei do Financiamento do Ensino Superior Público de 1997

19 de dezembro, 2012

Publicou a Fundação Manuel dos Santos um estudo(*) da Universidade Católica sobre a avaliação do impacto legislativo da chamada Lei do Financiamento do Ensino Superior Público, a Lei nº 113/97 de 16 de Setembro, que também fixou o valor das propinas.

O estudo sustenta que o impacto da lei foi positivo, pois a introdução das propinas terá tido como consequência o alargamento do número de vagas e, como foi afirmado pelo primeiro autor do estudo, Ricardo Gonçalves, aquando da apresentação do estudo, tal traduziu-se numa maior equidade no acesso.

É sempre surpreendente observar como quando o modelo não se ajusta à realidade, uma certa corrente de economistas, na qual se inclui o Ministro das Finanças, em vez de descartar o modelo, descarta a realidade, pois as suas convicções ideológicas estão, justamente, acima e por cima dessa realidade.

Se contestam que o ensino superior seja um quase mercado, dado que a oferta é na sua maioria providenciada por instituições sem fins lucrativos, é aqui defendido que em Portugal há um mercado de ensino superior, pela existência de propinas que transformam os alunos em consumidores, pela transformação de algumas universidades em fundações, e por ser um sistema sujeito à supervisão da A3ES. Com base numa análise econométrica, na sua óptica, as propinas alteraram a procura e a oferta de ensino superior, aumentando o número de vagas, pois tal resultaria num aumento das receitas das instituições públicas. Paradoxalmente, assumem que “um baixo nível de propinas é o principal responsável pela existência de um excesso de procura”. 

Afinal, em que ficamos, o aumento das propinas induz uma maior a oferta e, ao mesmo tempo, diminui a procura? Se sim, como? Igualmente em todos os estratos sociais?

A determinação ideológica dos autores estende-se à noção de que o ensino superior não é um bem público porque, dada a limitação de lugares devido aos numerus clausus e a existência de propinas, este bem não é acessível a todos que o desejem.

Os autores afirmam que a sua preocupação constante foi a “identificação de nexos causais que pudessem ajudar a explicar” a evolução da frequência no ensino superior. E como são construídos esses nexos causais? Assim, a páginas 89, é afirmado que parece “razoável concluir que a curva da oferta […] tem uma inclinação positiva e que o aumento do número de vagas pode ter sido causado pela reintrodução de propinas” (sublinhado nosso). Mais adiante, os autores referem uma redução na procura ao ponto em que a oferta suplanta a procura em determinados anos. Os autores aventam como explicação a redução da natalidade mas, em momento algum, lhes ocorre que a diminuição da procura possa ser ditada pelo aumento do valor das propinas e por dificuldades económicas das famílias.

A páginas 105, os autores referem que há uma tendência para “uma menor desigualdade na frequência do ensino superior em função do nível de escolaridade dos pais”. E mesmo reconhecendo que não podem, “conclusivamente, associar este resultado à lei nº 113/97”, não lhes “parece descabido fazê-lo” (sublinhado nosso).

Em conclusão, este estudo sofre de uma contradição insanável, já que pretende explicar o modo como uma barreira de natureza económica pode favorecer o acesso e a equidade. Acresce ainda que não se podem discutir os impactos de uma lei desta natureza sem estudar, em profundidade, os seus impactos nos diversos estratos sociais. O estudo, partindo de uma observação muito geral da realidade, baseada em dados agregados, não demonstra qualquer nexo de causalidade, o que requereria uma outra abordagem. E estabelecer nexos de causalidade a partir de estudo observacionais é sempre muito discutível. Aliás, a única causalidade subjacente ao estudo é a que resulta das convicções ideológicas dos autores. E, acima de tudo, o que está em causa é o ataque ao Ensino Superior Público. O Ensino Superior Público não é unicamente um benefício para o indivíduo que o frequenta, mas para toda a sociedade, ao promover a mobilidade social, ao defender a propriedade pública do conhecimento gerado, ao contribuir para o desenvolvimento das regiões onde se insere, ao debater questões de interesse nacional, ao ser, uma escola de todos para todos, sem barreiras de cariz socioeconómico.

(*) R. Gonçalves (coord.), A.I. Lourenço, A. Nascimento, V. Rodrigues, S.N. Silva, Droga e Propinas: Avaliações de impacto legislativo, Fundação Francisco Manuel dos Santos, Novembro de 2012.

Pedro Oliveira
Coordenador do Departamento do Ensino Superior do SPN