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Fátima Garcia - Comissão Permanente e Comissão Coordenadora do Departamento de Aposentados da FENPROF

Memórias e Testemunhos da Ação Sindical

21 de junho, 2019

A FENPROF elegeu, como tema de fundo, para este Congresso uma reflexão sobre a “Carreira Docente”, sobre o que foi a criação e evolução do seu Estatuto e do que se torna indispensável continuar a trabalhar em prol da  sua manutenção e melhoramento.

Foi um longo e espinhoso caminho para aqui chegarmos e não podemos desfalecer nem tão pouco esmorecer!

Integro a Comissão Permanente e a Comissão Coordenadora do Departamento de Aposentados da FENPROF, em representação do SPRA. Nesse contexto e na sequência do trabalho que temos vindo a desenvolver, fiquei incumbida de vos falar de uma época mais recuada da nossa vida profissional – a partir dos anos 60 do século passado - o que faço tendo por base a minha própria experiência numa época em que nem carreira específica para os professores existia.

Iniciei a minha vida profissional em 1966, como professora do Ensino Primário, prosseguindo, mais tarde, como professora de História do, então, 10.ºA. Aprendi e ensinei que a nossa vida, em cada dia que passa, é feita de memórias de um passado, mais ou menos longínquo, das vivências do presente e dos objetivos/perspetivas do futuro. É nesse pressuposto que assenta a minha reflexão.

Éramos, à época, apenas umas “letras” nas categorias definidas por letras do alfabeto, onde se enquadrava toda a função pública e, por sinal, bem colocados lá no fim do alfabeto. Situávamo-nos entre a letra S - o mínimo (professor agregado do ensino primário com um vencimento de 1300$00) e o equivalente à letra F – o máximo (professo efetivo de todos os grupos e disciplinas com duas diuturnidades â exceção do de Trabalhos Manuais - com um vencimento de 6500$ 00). Para o ensino superior, o topo de Carreira era a letra B, onde se integravam os professores catedráticos com 2 diuturnidades, e o início a letra M, referente à categoria de segundo assistente. Isto segundo dados que oscilam entre 1966 e 1969 e que, por sua vez, já refletem, alguns reajustamentos de letra e melhoria salarial, mas ainda muito longe do justo e necessário.

Finalmente, em Junho de 1975, o Governo, cujo Primeiro Ministro era Vítor Gonçalves e Ministro de Educação, José Emílio da Silva, de quem mal me lembro, não por qualquer desrespeito ou desprestígio, mas dada a fortíssima instabilidade política da época, fez publicar um Decreto-Lei onde, reconhecendo que (e cito) “diversas categorias de agentes de ensino, recebem atualmente, vencimentos inferiores aos dos outros trabalhadores da Função pública com habilitações idênticas ou equivalentes” pelo que se tornava imperioso proceder a um reajustamento de categorias de vencimento” (cf. Decreto–lei  n.0 290/75). Também aí foi abolido o sistema de diuturnidades e criado o de fases, 3 ou 4, consoante o sector, ao qual se aplicava, transitoriamente, o equivalente ao das diuturnidades, mas com um significativo reajustamento das Letras

Curioso notar que, no preambulo desse mesmo diploma, se refere (e cito) “ que a elaboração do presente diploma beneficiou em larga medida do facto de o seu projeto ter sido discutido com elementos representativos das estruturas sindicais do pessoal docente”.

Já aí se fazia sentir a importância dos Sindicatos e a valorização de tantas lutas até então desenvolvidas.

Convém lembrar a importância do papel dos Grupos de Estudo - associações pró-sindicais de classe que constituíram os embriões dos Sindicatos criados após o 25 de Abril. Constituídos, formalmente, em1970 tiveram uma intensa e importante ação no debate público do projeto de Reforma do Sistema Escolar – a reforma de Veiga Simão. Já na época se promoveram várias lutas, as possíveis no regime em que se vivia: abaixo-assinados; protestos contra despedimentos e contra descriminação de género no acesso ao estágio e aos concursos; debates e mesas redondas para debater o projeto; grandes reuniões gerais de Professores e tantas outras mais. Foi de tal ordem que o Ministro Veiga Simão proibiu as reuniões dos Grupos de Estudo, a que os professores reagiram através de um abaixo-assinado que reuniu 676 assinaturas. Mais tarde, em Fevereiro de 1974, foi publicado um Despacho que declarava os Grupos de Estudo como organizações ilegais e sujeitas às sanções que a lei previa para membros de associações secretas, a que os professores, também, reagiram com uma exposição de protesto assinada por 1517 docentes (números muito significativos para a época).

Dá-se então a Revolução de Abril e tudo muda! Constituem-se os Sindicatos e a luta em prol da criação de um Estatuto de Carreira intensifica-se.

Volvidos 4 anos, em 1979, fala-se pela 1.ª vez, em termos legais, em Carreira Docente, reconhecendo a sua especificidade e explicitando que a Carreira Docente dos Professores da educação pré-escolar e dos ensinos preparatório e secundário se desenvolveria em 4 fases e quais as condições de ingresso/acesso a cada uma delas. Novo reajustamento de Letras voltou a suceder em 1986, acrescido da criação de 2 novas fases - a 5.ª e a 6.º, esta última à qual só acederiam os detentores de Licenciatura. Referimo-nos aqui ao célebre “100 de 86” que viria a regular, durante muito tempo, a nossa vida profissional, uma vez que até a transição das fases para os escalões se faria através dele.

Sendo um Estatuto de Carreira uma antiga aspiração dos professores, que desde há muito se batiam por ele, não admira que a FENPROF logo no seu 1.º Congresso, em Abril de 1983 – O Congresso Constituinte – fizesse aprovar as linhas mestras que deveriam nortear toda a nossa ação em torno da constituição de um Estatuto que fosse a construção de uma identidade profissional e de valorização social da profissão docente. Defendíamos então, tal como agora:

  • uma formação de grau superior;
  • uma Carreira única, sem níveis e sem barreiras artificiais de progressão;
  • uma verdadeira revalorização material ;
  • uma formação contínua como fator de valorização profissional
  • a equiparação às carreiras técnica e técnica superior da Função Pública, (entretanto perdida e, mais tarde, recuperada )
  • uma gestão democrática (que demorou em chegar e foi, de novo, perdida)

            Estávamos ainda longe da criação de um real ESTATUTO da Carreira Docente, o que só viria a ocorrer em 1989 e 1990. Primeiro só a Estrutura e depois o Estatuto propriamente dito. Foi um longo processo negocial de mais de 15 meses, com avanços e recuos e fortíssimas lutas, com o governo a fazer o que ainda hoje faz - assume compromissos que posteriormente viola, subverte princípios firmados em atas negociais, faz que negoceia mas não respeita a negociação.

Graças à pressão contínua dos professores e educadores, organizados nas suas estruturas sindicais, resultou um ECD que, no dizer da FENPROF,” não sendo o Estatuto que os professores desejaram também não foi o aquele que o ME e o Governo lhes queria impor.”

Fechou-se um ciclo mas reabriu-se logo outro e outro e mais outro...!

Escusado será dizer que tudo isto foi sendo obtido à custa de muitas lutas, de uma forte e firme intervenção sindical e de um empenhamento participativo dos professores. Nesta fase, como em tantas outras, a luta não teve efeitos imediatos, mas foi ela que obrigou os governos seguintes a reverter alguns dos aspetos mais negativos. Contudo, mantiveram-se até hoje bloqueios à progressão, perdas de tempo de serviço, condições gravosas para acesso à aposentação, degradação das pensões, perda da gestão democrática... e tantas mais.

Fica-nos a certeza de que nada se consegue sem esforço e que é a união dos professores nas suas estruturas sindicais e o seu empenhamento em todas as ações por estas organizadas que nos leva ao sucesso.

Dinamismo, ausência de desânimo, expectativas positivas e participação ativa dos docentes nas ações a desenvolver são elementos indispensáveis ao sucesso. Este pode demorar mas acaba por chegar!

 

Felicito a FENPROF por mais um grande Congresso e a todos vós caros colegas pois, afinal, a FENPROF somos todos nós.

 

Fátima Garcia

Departamento de Aposentados da FENPROF