JF Online, março 2024 Opinião
Uma (oportuna) reflexão de Aníbal Pires (*)

A propósito de envelhecimento...

26 de março, 2024

Não me sinto – ainda - um velhinho, mas estou a envelhecer e considero que isso é bom.

Nem todos chegamos a envelhecer, mas quem tem esse privilégio deve aceitá-lo com a consciência de que com o prolongar da vida chegam algumas limitações de ordem fisiológica. Faz parte do processo, não vale a pena ignorá-lo, mas também não deve assumir a centralidade das nossas inquietações, sob pena de se tornar mais doloroso do que as dores nas costas e articulações que, mais tarde ou mais cedo, nos tentam a calçar os chinelos e a acomodarmo-nos no sofá.

Não pretendo, longe disso, deixar receitas nem conselhos sobre o que fazer e como fazer para envelhecer, sem que isso se torne num pesadelo. Mas aceitar as limitações, potenciar as faculdades de que ainda dispomos e usufruir do tempo que agora é, apenas, nosso será uma boa opção para continuar a percorrer a vida, apesar de naturais receios e inseguranças, sem nunca deixar de sonhar. O medo e a insegurança podem privar-nos de sonhar, mas sem sonhos não há caminho para andar. Sem sonhos deixamos que o tempo passe e se transforme, apenas, em espera. E esperar é desesperar.

Em outubro de 2013, publiquei, no meu blogue, um pequeno texto que dizia assim:

- O tempo só é importante porque a vida é finita e, por isso tão excitante. A eternidade seria entediante. Que fazer com tanto tempo se agora com o tempo contado e com fim à vista deixamos que ele, o tempo, passe por nós. Por vezes, até desejamos que passe depressa, o tempo, até inventamos passatempos, para iludir o tempo. O tempo não tem tempo, mas a vida tem um tempo. Usa o tempo que a vida te der. Não faças do tempo e da vida, um passatempo.

Se há nove anos era, para mim, um modo de pensar a vida e a sua relação com o tempo. Hoje continua a ser tão válido como quando o escrevi, penso da mesma forma. A diferença é que agora, com a aposentação, tenho todo o tempo para mim, mas continuo, como sempre fiz, a dar utilidade ao tempo. Ainda que o meu tempo, com o seu passar, seja menos do que era ontem.

As alterações sociais, económicas e políticas que se verificaram a partir da década de 70 do século passado, com o renascimento e expansão do velho liberalismo, travestido de modernidade, contribuíram para o crescimento e diversificação das atividades do “terceiro setor”. Esse incremento tem a sua origem na delegação de competências dos Estados em instituições privadas, de solidariedade social ou não, para atender a necessidades crescentes de apoio social às populações mais fragilizadas e vítimas da barbárie liberal. Este é um tema sobre o qual vale a pena refletir profundamente, mas ficará para uma outra oportunidade. Esta referência justifica-se porque o “terceiro setor” tem no envelhecimento da população um dos mais importantes segmentos da sua atividade no âmbito da economia social.

O crescimento dos “negócios” do “terceiro setor”

O envelhecimento da população portuguesa tem contribuído para o crescimento dos “negócios” do “terceiro setor”, os centros geriátricos abundam e ainda assim, ao que ouço dizer, são insuficientes para fazer face à enorme procura dos familiares que necessitam de um local, tal como de creches para as crianças, onde possam entregar os seus idosos para que sejam apoiados e cuidados.

A uniformidade das soluções para os cuidados geriátricos, tal como o pensamento único, inquieta-me, tal como me angustia a infantilização das atividades que são promovidas para ocupar o tempo dos cidadãos entregues ao cuidado destas organizações, durante o dia ou a tempo inteiro. Ora aqui está uma, ou mais variações sobre o tema e acerca das quais, também, importará refletir.

A padronização da oferta favorece os promotores, mas não responde às necessidades dos cidadãos mais idosos, que, naturalmente, são diversas, nem das famílias que querem participar e acompanhar o envelhecimento dos seus familiares, assim sejam libertadas da sobrecarga do seu horário de trabalho e disponham de apoios para estar e cuidar dos seus. Outras alternativas, sem aumentar o financiamento público, são possíveis, assim haja vontade e coragem para as instituir.

(*) Da intervenção de Aníbal Pires, delegado do Sindicato dos Professores da Região Açores (SPRA) na 3ª Conferência de Docentes Aposentados da FENPROF. Subtítulo da Redação do JF