JF Online julho 2023

Impressões

02 de julho, 2023

Segundo notícias recentes, o Governo prepara requisitos mínimos para que licenciados de diferentes áreas possam poder aceder aos mestrados que dão habilitação para a docência.

A FENPROF sempre considerou que a Formação Inicial de Professores não pode ser encarada de ânimo leve uma vez que é uma função muito complexa, pois o que se pretende é que esta habilite profissionais que nas escolas, junto dos seus alunos, contribuam para a afirmação de valores e que desempenhem a sua profissão com autonomia.

Isto implica que a Formação de Professores tem de abarcar, obrigatoriamente, um conjunto de dimensões tais como: a dimensão profissional social e ética, as questões do desenvolvimento do ensino e da aprendizagem, da participação na escola a relação com a comunidade envolvente, o desenvolvimento profissional e outras.

Assim, é fundamental olhar de forma muito séria para a Formação Inicial o que, no entender da FENPROF, não tem acontecido e essa falta de visão estratégica pode ser assacada tanto ao atual governo como aos anteriores.

Desvalorizar esta formação, para dar resposta a um problema que já se está a tornar estrutural, que é a falta de professores, enveredando por medidas avulsas e pelo facilitismo da formação acelerada é um erro que a Escola Pública e o país pagarão a curto prazo.

O diagnóstico já foi feito há muito tempo: Portugal é o país da Europa com o corpo docente mais envelhecido e também é público que até 2030, cerca de 60 % destes profissionais se vão aposentar por limite de idade.

Estudos recentes referem, também, que para colmatar esta saída de docentes será necessário recrutar mais de 34 mil professores nos próximos 7 anos. Também é sabido que na última década, o número de alunos inscritos em licenciaturas na área da formação de professores diminuiu significativamente, apontando os dados para uma quebra de 18% na última década.

O Ministério da Educação criou em 2022 um grupo de trabalho cujo objetivo era apresentar propostas de alteração ao Decreto-Lei n.º 79/2014, de 14 de maio, o qual regulamenta o regime jurídico da habilitação profissional para a docência na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário. A ideia é que surgissem propostas que permitissem um acesso mais flexível e eficaz aos mestrados de ensino.

É importante recordar que o Ministro João Costa afastou, deliberadamente, as estruturas sindicais deste grupo de trabalho, não permitindo, sequer, que fossem ouvidas. É público que este grupo já terminou a tarefa para a qual tinha sido incumbido, com conclusões já enviadas ao ME. No entanto, que se saiba, estas ainda não foram divulgadas publicamente o que tem criado algum desconforto em elementos deste grupo de trabalho e também nas Instituições de Ensino Superior que formam professores e que precisam de, atempadamente, programar as suas atividades.

Deve recordar-se, ainda, que foi o próprio Ministério da Educação a propor, em abril de 2021, numa reunião com a FENPROF, à margem da ordem de trabalhos, a elaboração de um parecer sobre a Formação Inicial de Professores. A FENPROF enviou o parecer, mas nunca obteve resposta. É de salientar que, por essa altura, era o atual ministro ainda secretário de Estado e esteve presente na mesma reunião.

Em todas as reuniões realizadas com o ME, este assunto foi sempre colocado em cima da mesa, mas João Costa manteve a mesma postura, a de excluir a FENPROF da discussão, impedindo, assim, qualquer possibilidade de podermos apresentar soluções para o que consideramos uma questão nuclear e dos um dos vetores fundamentais para a construção da profissionalidade docente e da qualidade do serviço educativo que é a Formação Inicial de Professores.

Também na área da Formação Inicial de Professores, o diagnóstico está feito há muito tempo, em resultado da avaliação externa já realizada às Instituições de Ensino Superior que ministram estes cursos. Em relatório, refere-se um conjunto de constrangimentos dos quais se podem destacar os seguintes: o quadro legal que enquadra esta formação, nomeadamente nas suas condições estruturais, é limitante e com isso retira autonomia às IES; a ausência da definição institucional de um  modelo de Formação, o que implica uma desarticulação entre as ofertas que as várias IES oferecem nesta área; a insuficiente incorporação das TIC junto destes alunos;  a falta de especialização de muitos formadores; a insuficiente investigação nesta área; e ainda o reduzido tempo destes formandos em sala de aula, em contexto real.

Estas questões poderiam ser resolvidas, o que implicaria a reconfiguração e a articulação dos currículos de formação inicial, a intensificação do investimento nos docentes do ensino superior que formam professores, o investimento nos orientadores cooperantes que, nas escolas, recebem estes estagiários, com a consequente redução da sua carga letiva. Implicaria, também, o retorno da remuneração do período de estágio como já o foi noutros tempos, tendo sido extinto no “consulado” de Maria de Lurdes Rodrigues.

Mas tudo isto desagua numa questão que é central, ou seja, uma carreira e uma profissão extraordinariamente desvalorizadas, um corpo docente exausto e envelhecido, que se sente profundamente desrespeitado, desvalorizado e injustiçado, com níveis já muito elevados de exaustão emocional e de stress profissional.

Este é o desafio central, como atrair jovens para a profissão e como evitar que milhares a abandonem.

A isto o ministro João Costa não responde, não quer responder e quando o faz, é sempre de forma leviana, irresponsável e acusatória.

Foi assim que conduziu neste último ano todos os processos da suposta negociação com as estruturas sindicais.

Um ministro que consciente ou inconscientemente vira as costas à Escola Pública.

 

José Feliciano Costa

Secretário-geral adjunto da FENPROF