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O Ensino do Português no Estrangeiro

A âncora da política da diáspora

01 de abril, 2014

Incumbe, em particular, ao Estado Português assegurar aos filhos dos cidadãos portugueses que se encontrem ou residam no estrangeiro o ensino da língua e da cultura portuguesa. Para o efeito, o XIX Governo Constitucional delegou no Camões, Instituto da Cooperação e da Língua a concretização deste objetivo. (Decreto-Lei n.º 234/2012).

O ensino do português no estrangeiro é um subsistema de ensino orientado para a divulgação e estudo da língua e da cultura portuguesas, nas vertentes língua materna e língua estrangeira, nos curricula e sistemas de ensino, designadamente em países com comunidade de língua portuguesa. Abrange o ensino básico, secundário e superior bem como os leitorados.

O EPE abarca, ainda, diferentes contextos e diferentes modalidades de ensino, nomeadamente, o ensino integrado e o ensino paralelo, que variam de país para país, em função de acordos bilaterais pré-estabelecidos e da vontade política dos países de acolhimento.

Há países que comportam as duas modalidades de ensino: Alemanha, projeto de Berlim e Hamburgo, França e Luxemburgo; outros apenas o ensino paralelo e modalidade experimental de ensino integrado como é agora o caso da Bélgica e Inglaterra, Holanda e Suíça; e finalmente, a Espanha, que no presente ano letivo apenas comporta a modalidade de ensino integrado.

A ensombrar os cursos que funcionam em regime paralelo está a recente criação da propina, que tem levado ao afastamento de muitos alunos.

 Enquanto em todos os países se fixou o número de alunos por turma numa tentativa de atenuar os efeitos desta propina no ensino paralelo, no integrado há uma aposta clara na diluição, logo, eliminação das especificidades inerentes a cada nível de proficiência linguística. Tal aposta visa a eliminação de turmas e a consequente diminuição de horários.

Em Espanha bem com na França, o ensino está condensado, com turmas com elevado número de alunos, de nacionalidade diferenciada o que agrava e dificulta a resposta pedagógica em termos de ensino da língua portuguesa. Os professores têm entre 400 e 500 alunos atribuídos.

Outras situações dificultam e condicionam a prática docente do professor do EPE, como a falta de vontade de alguns autarcas em disponibilizar espaços para a docência de LP, a má qualidade das instalações disponibilizadas e ainda preconceitos “racistas” e mesmo “xenófobos”, preconizados por alguns pseudo-profissionais de ensino dos países de acolhimento.

Em Espanha, no presenta ano letivo, a realidade do 1º ciclo alterou-se profundamente, encontrando-se este nível de ensino assegurado por professores de português do sistema de educação espanhol. Há bem pouco tempo o ministro Crato cometeu a ingerência de propor ao seu homologo inglês formação a professores ingleses para lecionar português em detrimento dos professores portugueses que já se encontram a trabalhar no Reino Unido, defraudando as expectativas de muitos outros que se encontram no desemprego e vislumbravam a oportunidade de conseguir um posto de trabalho no EPE.

Há comunidades autónomas que encerraram por completo os horários de 1º ciclo, privando, de forma abrupta, muitos alunos da continuidade da aprendizagem do português, seja como língua materna, língua de herança ou língua estrangeira.

Para muitos alunos será, certamente, o corte definitivo com a língua em que pronunciaram as primeiras palavras, sem nunca as aprenderem a escrever. O tempo encarregar-se-á de as apagar da sua memória.

E, de pequenino é que se torce o pepino. Se, atualmente, existe um considerável número de alunos a optarem por português no 3º ciclo e ensino secundário, é graças ao trabalho e ao empenho dos professores da rede EPE que durante muitos anos se empenharam na sua tarefa de ensinar a língua e divulgar a cultura portuguesa, nem sempre nas condições mais apropriadas. Turmas heterogéneas, multiculturais, elevado número de alunos por grupo/turma e níveis de proficiência linguística muito díspares. Mas o professor de 1º ciclo não baixa os braços, não desarma e tem esta grande capacidade de se adaptar e de levar por diante os seus intentos, quiçá, por força dos fortes laços que se estabelecem entre professores e alunos desta faixa etária bem como com as comunidades educativas espalhadas por toda a Europa.

O EPE, sendo um sistema especial de educação, com regime jurídico específico, carece de uma revisão urgente, dado que o mesmo assenta em pressupostos vagos, os quais permitem à tutela uma gestão arbitrária.

Com uma componente letiva, variável entre as 22 e 25 horas, com a obrigatoriedade do trabalho administrativo, com as funções de coordenação e supervisão dos cursos atribuídos aliada à obrigatoriedade do cumprimento das orientações emanadas pelo organismo tutelar sem excluir a frequência de ações que visam o enriquecimento científico e pedagógico dos docentes, pouco tempo resta aos docentes para a elaboração de materiais de apoio à prática docente se tivermos em consideração que em diversos países englobados no EPE, já para não falar da sua totalidade, os docentes têm horários que abrangem uma multiplicidade de níveis e subníveis de proficiência linguística não esquecendo as longas deslocações para cursos e entre cursos que distam centenas de quilómetros mas que nunca fizeram parte da componente horária conforme está previsto no regime jurídico, que urge rever!

A formação contínua dos professores é um dos vetores fundamentais para a melhoria e enriquecimento dos professores neste subsistema de educação. Consideramos de primordial importância a prossecução dos princípios orientadores defendidos pela FENPROF, tendo sempre presente o princípio da formação contínua como um direito e um dever.

É escasso o tempo atribuído, no Regime Jurídico, à formação de professores. Propõe-se também aqui a revisão do diploma. Deve-se pugnar por condições que proporcionem a sua realização, seja na gratuidade, seja no tempo necessário para a sua frequência, seja na vertente presencial bem como na dispensa de atividade letiva para as deslocações que as formações assim o exijam.  Maria Agostinha Gomes / SPE   

 Intervençãio proferida na 4º Conferência Nacional do 1º Ciclo do Ensino Básico, iniciativa da FENPROF que decorreu nos dias 28 e 29 de março 2014