JF Online, setembro 2024 Opinião
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Sobre a primeira edição do programa FCT-Tenure

30 de setembro, 2024

O programa FCT-Tenure foi desenhado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) do XXIII Governo Constitucional de Portugal (governo do Partido Socialista) e lançado em novembro de 2023 com os  objetivos de i) cofinanciar durante seis anos as despesas congéneres de novos contratos de trabalho para posições permanentes (de carreira) de investigadores ou ii) cofinanciar durante três anos as despesas com salários decorrentes de novos contratos de trabalho para posições permanentes (de carreira) de docentes do ensino superior. Trata-se de um instrumento financiado através do programa “Ciência Mais Capacitação” do Plano de Recuperação e Resiliência de Portugal (PRR, Outubro 2023) e por verbas de receitas de impostos do orçamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT)(1).

Os subsídios serão entregues às instituições do Sistema Científico e Tecnológico Nacional (SCTN) que, por sua vez, aplicarão as verbas recebidas para copagar os salários e as contribuições sociais dos docentes e dos investigadores que contratarem ao abrigo deste programa durante três ou seis anos, respetivamente. As instituições empregadoras podem ser tanto instituições públicas como entidades privadas. Durante os primeiros três anos os subsídios são iguais a 2/3 dos salários. Durante os últimos três anos (apenas aplicável aos contratos de investigadores) os subsídios equivalem a 1/3 dos salários.

A operacionalização do FCT-Tenure foi confiada à FCT com o compromisso de ser feita uma chamada para concurso de atribuição dos subsídios de cofinanciamento a cada dois anos. A primeira chamada contemplou, inicialmente, verbas para cofinanciar 1000 contratos de trabalho enquanto a segunda prevê verbas para outros 400. Entretanto, o XXIV Governo Constitucional de Portugal (governo dos Partido Social Democrata, CDS–Partido Popular e Partido Popular Monárquico) entrou em funções no dia 2 de abril de 2024 e o titular da pasta do novo Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) decidiu alargar a primeira chamada do FCT-Tenure para 1100 contratos.

A chamada do primeiro concurso FCT-Tenure esteve aberta de 18 de dezembro de 2023 a 1 de março de 2024. A lista provisória das entidades beneficiárias foi divulgada a 14 de agosto tendo as entidades que se apresentaram a concurso podido pronunciar-se em sede de audiência prévia até 12 de setembro.

Os resultados recentemente publicados do primeiro concurso FCT-Tenure contrariam os argumentos da campanha laudatória dos MCTES/MECI e corroboram a posição da FENPROF sobre a utilidade do programa. Às 1100 posições disponibilizadas para financiamento concorreram 115 entidades do SCTN que pretendiam o cofinanciamento de 2211 posições. Note-se que, atualmente, há cerca de 3000 investigadores doutorados com contratos precários e, no prazo de um ano, cessarão mais de um milhar desses contratos. Um terço das posições financiadas pelo FCT-Tenure foi atribuído para contratações para posições das carreiras docentes, o que expõe as necessidades docentes das instituições de ensino superior e o seu interesse em forçar uma mudança de carreira para os investigadores. Exemplos relevantes são as universidades dos Açores, Lisboa e Coimbra que ficaram com mais lugares para docentes do que investigadores. Coimbra é um caso extremo, em que menos de 40% das vagas são para investigadores. Outro aspeto crítico é a concentração do financiamento em cinco instituições: as universidades de Coimbra, do Minho, do Porto, de Lisboa e Nova de Lisboa conseguiram cerca de 70% das posições financiadas. Por outro lado, as instituições do interior do país conseguiram apenas 3,5% das vagas.

Perante estes resultados, a FENPROF reafirma:

1 - Que o instrumento de cofinanciamento FCT-Tenure, tendo sido uma resposta do governo anterior perante a luta dos investigadores, constitui um mecanismo que acaba, nos moldes atuais, por ficar muito aquém das necessidades e que irá apenas mitigar e não resolver o flagelo da precariedade laboral que assola os mais de 3500 trabalhadores doutorados que têm vínculos laborais precários e que realizam uma grande parte do trabalho de investigação científica no SCTN à presente data, a que se somam, anualmente, parte dos cerca de 2000 novos doutorados;

2 - Que a incapacidade do FCT-Tenure para erradicar a precariedade advém de ter uma dimensão insuficiente tanto em termos do número de contratos a subsidiar, como do valor de cada subsídio atribuído;

3 - Que as insuficiências do FCT-Tenure advêm deste não ter sido desenhado de forma a garantir a integração de todos os trabalhadores com contratos precários que há muitos anos vêm trazendo, com o seu trabalho, o SCTN até à condição presente e que permanecem no ativo;

4 - Que o FCT-Tenure foi desenhado de modo a permitir o desvirtuar dos anunciados objetivos originais e o seu uso, na prática, como esquema de co-financiamento das despesas correntes com a contratação do pessoal docente de que necessitam as Universidades e os Politécnicos, em detrimento da regularização dos investigadores precários que lá trabalham e em detrimento da contratação de novos investigadores para contratos não-precários;

5 - A sua esperança que a segunda edição do instrumento seja amplamente alargada em número de subsídios a conceder e em valor dos mesmos;

6 - Que faz votos para que as duas edições já agendadas deste instrumento (2023/4 e 2025/6) decorram bem e depressa, ou seja, que os subsídios sejam rapidamente entregues e aplicados em contratos de trabalho permanentes;

7 - A reivindicação inexorável de que seja criado um mecanismo que capacite, em permanência e em contínuo, as instituições públicas do SCTN para contratar investigadores ao abrigo do ECIC e docentes ao abrigo dos ECDU e ECPDESP em número suficiente para assegurar os seus funcionamentos correntes saudáveis, seguros e produtivos, sem recorrer a artimanhas laborais ou financeiras;

8 - A extrema pertinência de que o MECI relembre às instituições do SCTN sujeitas ao regime de direito público de que a obediência à legislação plasmada no DL57 no que concerne à abertura de concursos de recrutamento no sexto ano de contrato não é facultativa; importa lembrar que a FENPROF sempre defendeu que este direito deveria ser alargado a qualquer tipo de vínculos, abrangendo tambŕm os investigadores das instituições de ensino superior de natureza fundacional e IPSFL;

9 - A exigência irrevogável de que, independentemente do rumo futuro do  FCT-Tenure ou suas sequelas, seja implementado pelo MECI em 2024-25 um mecanismo de regime transitório que garanta, aos investigadores doutorados com longas carreiras de vínculos laborais precários no SCTN, a transição imediata para contratos de trabalho ao abrigo do ECIC nas instituições onde laboram.

10 – A sua disponibilidade para colaborar com as entidades às quais incumbe o desenho e a implementação dos mecanismos indicados nos n.ºs 7 e 9.

O Departamento do Ensino Superior e Investigação da FENPROF

 

Notas:

(1) In página 2 do "FCT Tenure – 1.ª Edição Aviso de Abertura de Concurso para Apresentação de Candidaturas Investimento C06-i06 - Ciência Mais Capacitação AVISO N.º 02/C06-i06/2024, Publicação de 27 de fevereiro de 2024 em: https://recuperarportugal.gov.pt/candidaturas-prr/ e em https://www.fct.pt/ "

(2) https://www.fct.pt/concursos/fct-tenure-1-edicao