JF Online, abril 2023 Ação Reivindicativa
Ensino Superior

Que mil concentrações de investigadores e docentes floresçam!

25 de abril, 2023

No passado dia 22 de março, na sequência de um pedido de reunião com a Ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Elvira Fortunato, que permaneceu sem resposta, a FENPROF promoveu uma concentração de investigadores e docentes junto ao MCTES. Cerca de uma centena de colegas marcou presença no local, tendo havido uma dezena de intervenções, inclusive da Associação de Bolseiros de Investigação Científica, de pessoas ligadas a núcleos de investigadores e dos partidos políticos que têm estado ao lado das lutas promovidas pela FENPROF (PCP e BE).

Começa a tornar-se um hábito termos de promover concentrações ou protestos para as imediações do MCTES para sermos ouvidos. Diz muito do entendimento prevalecente sobre o que deve ser o diálogo com os parceiros sociais e a democracia representativa. Mas os desafios com que estamos confrontados, destacando-se o combate à precariedade, a valorização das carreiras e a democratização das instituições de ensino superior, exigem soluções partilhadas. Doutro modo, as instituições dificilmente serão capazes de promover as mudanças que verdadeiramente interessam e continuaremos, docentes e investigadores, a deslizar pelo plano inclinado de um futuro insustentável.

Formas de governação que desconsideram ou desvalorizam o papel insubstituível dos trabalhadores na construção de uma sociedade decente, em particular de uma organização sindical como a FENPROF, revelam, sobretudo, a sua ténue ligação ao mundo do trabalho, à sociedade e à economia real. Como se fosse possível a existência de Instituições de Ensino Superior e Ciência sem que o trabalho desenvolvido por todas as pessoas que nelas trabalham seja devidamente valorizado, acarinhado e dignificado.

A verdade é que a desvalorização do trabalho, a sua precarização e a erosão democrática das instituições são a regra no ensino superior e na investigação. E se é verdade também que a degradação sócio-institucional ocorrida nas últimas décadas se deve ao sub-financiamento crónico que atormenta quem tem responsabilidades ao nível da gestão e da administração das instituições, a concentração de poderes que conduz ao autoritarismo e a abusos de vária ordem não tem parado de aumentar. Não será isto a sul-americanização do ensino superior a que se referia há tempos o presidente do CRUP?

Nas universidades e politécnicos, embora pareça, não são deuses que passeiam pela brisa da tarde.

Neste contexto, do que é que precisamos? Mais unidade e solidariedade. Mais resistência e luta. Hoje, como no passado, são elas que dão sentido, criam comunidade e abrem caminhos. A FENPROF sabe que é assim e tem-no mostrado ao longo de quase 40 anos de permanente atividade. Fê-lo no passado dia 22 e voltará a fazê-lo num futuro próximo.

É tempo de lutar, abrir caminhos e construir soluções. O protocolo negocial firmado entre a FENPROF e o MCTES abrange matérias decisivas para o futuro do ensino superior e da investigação. Da revisão do ECIC à avaliação do RJIES, passando pela revisão do ECDU e do ECPDESP, mas também pela criação de um regime para os docentes e investigadores do Ensino Particular e Cooperativo, é crucial que toda a academia se mobilize e obrigue o governo a dar respostas em tempo útil. Porque a longo prazo, já dizia um velho economista, estamos todos mortos.

Por isso é particularmente urgente que, no âmbito do DL57, o MCTES crie um mecanismo de apoio à abertura dos concursos a que as instituições públicas se encontram obrigadas no final do período previsto de contratação a termo, e estenda o âmbito de aplicação da lei às instituições privadas. A começar já este ano, são milhares os colegas contratados que enfrentam a ameaça do desemprego. Com a FENPROF ao seu lado, estes trabalhadores precarizados têm mostrado a fibra de que são feitos. Foi assim no passado, estou certo que será assim no futuro. Bom seria que outros colegas, docentes e investigadores, que enfrentam muitos e variados problemas excepto o de verem o seu contrato de trabalho cessar, se juntassem a nós numa luta que é de todos.

Afinal de contas, mesmo em tempos de fervor bibliométrico exacerbado, e parafraseando um antigo Presidente da República, há vida para além do artigo científico.

 

André Carmo
Secretariado Nacional/Departamente de Ensino Superior e Investigação