JF Online, março 2024
Atualidade

O que a direita, se puder, fará ao sistema educativo

26 de março, 2024

Face à existência de uma enorme carência de docentes dos diversos níveis de ensino (já com incidência em quase todos os grupos disciplinares) e à falta de atratividade da profissão impunha-se saber o que cada partido ou coligação se prepara para fazer no parlamento.

Os partidos da direita e do centro-direita parlamentar, com as suas propostas, em muitos casos, criam novas situações problemáticas. Porém, os portugueses votaram nesses partidos, mais influenciados pela necessidade de “castigar” PS e/ou PSD pelas responsabilidades tidas na governação nos últimos 20 anos, do que por verdadeira concordância com as intenções que acabaram por validar.

Dessa forma, deram força às agendas liberais promovidas principalmente por PSD e IL e anti constitucional do CH. Em destaque a redução do Estado a um papel progressivamente regulador, competindo-lhe, no fundamental, passar o “cheque”, ao mesmo tempo que público e privado, em termos de oferta, seriam colocados no mesmo plano.

Escola Pública, eis a questão

A direita quer “menos Estado” na Educação. Para isso, (CH/IL/PSD/CDS/PPM) visa transferir o financiamento das escolas para os alunos, para promover o que designa por “liberdade de escolha” das escolas por parte das famílias; escolas públicas, privadas ou sociais passariam a ser todas suportadas financeiramente pelo Estado, sem ter em conta a sua natureza e a necessidade de resposta, o que sugere um duvidoso enquadramento constitucional. À direita defende-se, também, o regresso da política de contratos de associação, financiamento em concorrência com a resposta pública de educação e ensino. PSD/CDS, alinhados com o discurso dos patrões dos colégios, admitem ainda o recurso ao cheque-ensino.

A universalização da frequência de creches e Educação Pré-Escolar com novo modelo de financiamento, não especificado, aponta, tendencialmente, o setor social privado e particular e cooperativo. O aumento de vagas em creches através da criação de uma via verde para licenciamento de estabelecimentos e a criação de cheque-creche (setor privado ou social) são propostas do IL.

Admitindo a existência de acordos parlamentares e/ou mesmo de governo entre partidos da direita, é muito provável que venha a aprofundar-se a propaganda dos rankings de escolas, mesmo que tenham em conta o desempenho esperado/obtido e os contextos socioeconómicos. A difusão de rankings está associada à ideia de que, alegadamente, competirá aos pais escolher a escola para os seus filhos (proposta também assumida pelo IL). São soluções que apontam para um Estado que paga, que financia negócios, mas que perde a função social da Educação garantida para todos, em igualdade de oportunidades; um Estado meramente regulador e não prestador.

Os partidos da AD não escondem a intenção de retomar o sistema de contratos de associação (as PPP na Educação) em todos os níveis de educação e ensino, desde a creche ao ensino secundário. Negativa, também, é a pretensão de implementar provas de aferição nos 4.º e 6.º anos com a publicação dos “resultados das provas de aferição, a nível nacional e de agrupamento, para fins de prestação de contas e valorização das provas”. Ao mesmo tempo, a política de exames em todos os finais de ciclo volta a ganhar terreno com a maioria de direita na Assembleia da República, sendo que o CH o declara sem equívocos, nos 4.º, 6.º, 9.º, 11.º e 12.º anos de escolaridade - um caminho ao serviço do fomento de mercados para pôr em prática a alegada “liberdade de escolha”, com base em verbas suportadas pelo Estado.

Ainda no que ao financiamento diz respeito, o CH refere a necessidade de atualização dos “montantes dos protocolos de financiamento de escolas particulares e cooperativas de acordo com o índice de preços no consumidor, desta forma garantindo que todos os alunos têm acesso ao ensino gratuito independentemente da zona territorial em que residam”; não diferencia se tal teria em conta a existência de escolas públicas e, neste contexto, defende também a extensão das medidas de ação social escolar a quem frequenta o ensino particular e cooperativo. Estas propostas enquadram-se na defesa que aquele partido faz de que não haja uma rede pública que cubra todo o território nacional, mas sim uma rede escolar complementar público-privada.

O CH, como considera que o Estado tem tido uma intervenção doutrinária e ideológica na Educação, quer retirar ao Estado qualquer responsabilidade, dizendo atribuir apenas à família a intervenção em tais domínios da educação e formação das crianças e jovens. Propõe que a Educação seja responsabilidade da família; à Escola caberia, apenas, ensinar.

Carreira e tempo de serviço

A coligação PSD/CDS/PPM promete que será feita a recuperação integral do tempo de serviço ainda congelado à razão de 20% ao ano, até ao final da legislatura. O prolongamento da resolução do problema, ainda em 5 anos, ou seja, até 2029, deixará perto de 40% dos professores fora da possibilidade de ver a solução viabilizada, de facto, tendo em conta o prazo tão dilatado no tempo.

Por outro lado, ainda nada foi dito quanto aos docentes que, já estando no topo da carreira, não obterão qualquer benefício desta recuperação, apesar dos prejuízos que sofreram.

Não são de desprezar as intenções manifestadas pelo IL de querer reestruturar a carreira numa muito perigosa perspetiva meritocrática da avaliação dos docentes que seria baseada no desempenho e na eficácia! Tal, a acontecer, poderia incluir feedback dos alunos e resultados escolares. Ao mesmo tempo defende a recompensa do desempenho excecional, sem qualquer referência à eliminação de quotas da avaliação, nem de extinção de vagas para a progressão.

E quanto a horários e condições de trabalho?!

Os partidos que compõem a direita parlamentar não assumiram qualquer proposta para regularizar os horários de trabalho, para clarificar o conceito de componentes letiva e não letiva, nem para reduzir o número de alunos por turma, entre outros problemas por resolver.

É referida “a possibilidade de horas extra dos professores, de forma temporária e facultativa” como forma de colmatar a falta de professores e a flexibilização das cargas letivas obrigatórias nos vários níveis de escolaridade, até à resolução do problema. O único ponto positivo é a intenção de desburocratizar a profissão, sem que, contudo, tenham sido concretizadas formas de o fazer. 

Voltando à municipalização

Durante a campanha, a AD disse querer melhorar “o sistema de transferência de competências para as Autarquias”, o que aparece aliado à pretensão de “redefinir o papel do Ministério da Educação, atribuindo responsabilidades de regulador e não de decisor sobre o funcionamento de todas as escolas públicas”.

Para a direita, conferir maior autonomia financeira, pedagógica e de gestão de recursos humanos das escolas passa por “alterar o modelo de colocação de docentes, de modo a ter em consideração outros fatores, como a residência e avaliação” que passariam a condicionar o processo de concurso e colocação de professores. Com esta manifestação de intenção, abre a possibilidade de que um futuro modelo de gestão de recursos humanos se baseie, fortemente, em critérios subjetivos totalmente permeáveis a jogos de influências.

A concluir: A reconfiguração prevista da Educação levaria à progressiva falência da Escola Pública, ao despedimento de milhares de docentes e funcionários não docentes, ao favorecimento dos interesses dos grandes empresários da área da Educação que juraram, em 2015, vingarem-se do fim de dezenas de contratos de associação que não se justificavam e que desviavam avultadíssimas verbas dos cofres do Estado para os bolsos dos proprietários. É a direita a fazer o ajuste de contas com o passado e a pôr em causa o papel do Estado quanto ao direito à Educação.