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Em resposta às propostas de lei do novo governo, confederações sindicais apresentam queixa à OIT e convocam greve geral para 24 de janeiro

29 de dezembro, 2023

Manuela Mendonça, presidente do Conselho Nacional e membro do Secretariado Nacional da FENPROF

Perante a gravidade das reformas propostas por Javier Milei, a Confederação Geral do Trabalho da República Argentina (CGT-RA), a Central Autónoma de Trabalhadores e Trabalhadoras da Argentina (CTA-T) e a Central de Trabalhadores da Argentina Autónoma (CTA-A) solicitaram, a 18 de dezembro, a intervenção urgente do Diretor-Geral da OIT e o encaminhamento de uma queixa por violações da Convenção sobre a Liberdade Sindical e a Proteção do Direito de Organização, ao Comité de Peritos para a Aplicação das Convenções e Recomendações, para apreciação urgente.

Nesse documento, as organizações sindicais expressam preocupação com o contexto social e económico do país, considerando que o plano de ajustamento fiscal e cambial anunciado pelo governo, que tomou posse em 10 de dezembro, gerará uma forte aceleração do processo inflacionário que a Argentina vinha sofrendo e dinamitará o poder de compra dos trabalhadores, formais e informais, trabalhadores da economia social e solidária, trabalhadores independentes e autónomos, assim como de reformados e pensionistas.

De acordo com as previsões das próprias autoridades económicas do novo governo, as medidas anunciadas colocarão a taxa de inflação mensal entre os 20 e os 30%, pelo menos durante os próximos quatro meses, situação que, se não for acompanhada por uma política de rendimentos exercida através do livre exercício das negociações coletivas e de políticas compensatórias ativas, colocará milhões de argentinos numa situação socioeconómica desesperante, sem garantias de poder dar resposta às suas necessidades básicas. Sublinham ainda que as medidas anunciadas implicam uma forte paralisação da atividade económica, pondo consequentemente em risco centenas de milhares de postos de trabalho, para além de configurarem o que designam como “um disciplinador social”.

Com efeito, 48 horas depois de anunciar o maior plano de ajustamento económico da história do país, o Ministério da Segurança da Nação, através de uma Resolução, adotou o denominado "Protocolo para a Manutenção da Ordem Pública perante o Corte de Vias de circulação", visando criminalizar o protesto, retirando-o da sua esfera jurisdicional, que é a esfera sócio laboral, para o transferir para o foro penal. Entre outros aspetos, o protocolo autoriza a intervenção das forças policiais sem ordem judicial, a criação de um registo das organizações que reclamem em espaços públicos, a identificação dos veículos que transportem pessoas para manifestações (prevendo inclusivamente a possibilidade de apreender esses veículos e efetuar investigações aos respetivos motoristas), assim como processar judicialmente organizações e indivíduos pelo custo das operações que tenham sido efetuadas pelas autoridades. Determina ainda que, quando entre os manifestantes houver estrangeiros com residência temporária no território argentino, os seus dados serão enviados à Direção Nacional de Migrações.

Para as organizações sindicais, o protocolo pretende condicionar a priori o mero exercício do protesto social, ao autorizar o uso indiscriminado da força pública policial e da responsabilidade civil por danos, como fator dissuasor para semear o medo nos trabalhadores e nas organizações que decidam convocar um protesto social legítimo. Esta estratégia de criminalização do protesto, à luz dos recentes anúncios económicos e dos consequentes impactos na qualidade de vida do povo argentino, resulta na limitação da liberdade de expressão dos argentinos que, por força das medidas implementadas, serão mergulhados na pobreza e na miséria.

Consideram, por isso, que se trata de uma regulamentação abusiva, que tende a desnaturalizar direitos constitucionais reconhecidos por normas internacionais fundamentais que a Argentina ratificou. Para além disso, contradiz as recomendações dos órgãos de supervisão da OIT, bem como pronunciamentos jurisdicionais internacionais em matéria de liberdade sindical e direito à greve, incluído o direito de protesto e de manifestação, como comprovam pela referência exaustiva a um conjunto de direitos sindicais consagrados em importantes documentos internacionais (convenções, tratados e pactos internacionais conexos e recomendações dos órgãos de supervisão da OIT).

Referem-se, a título de exemplo, advertências do Comité de Liberdade Sindical:"...As autoridades só devem recorrer à força pública quando a ordem pública esteja efetivamente ameaçada.(...) O recurso às forças policiais em manifestações sindicais deve ser limitado aos casos realmente necessários (...) só devem ser impostas sanções penais se, no contexto de uma greve, forem cometidos atos de violência contra pessoas e bens ou qualquer outra violação grave do direito penal ordinário, e tudo isto em conformidade com as leis e regulamentos que sancionam tais atos....", e do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos: "... qualquer manifestação num local público causa inevitavelmente um certo grau de perturbação da vida quotidiana, incluindo a perturbação do trânsito, e é importante que as autoridades públicas mostrem um certo grau de tolerância em relação às reuniões pacíficas, a fim de não esvaziar de conteúdo o direito à liberdade de reunião, garantido pelo artigo 11.º da Convenção ". No mesmo sentido, o Relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos sublinha que a proteção dos direitos e liberdades dos outros não deve ser utilizada como mero pretexto para restringir os protestos pacíficos. 

Sustentando-se quer no ordenamento jurídico argentino, baseado na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça da Nação e nos pronunciamentos dos órgãos de supervisão da OIT, as organizações sindicais afirmam que as manifestações ligadas a reivindicações laborais, desde que não apelem à violência no âmbito da reivindicação, não podem ser consideradas como atividade criminosa nos termos do artigo 194.º do Código Penal, tal como referido no protocolo em causa, pelo simples facto de impedir ou dificultar o trânsito na via pública sem violência contra pessoas e bens de terceiros.

Por isso concluem que, se o protocolo se tornasse efetivo, se instauraria um mecanismo repressivo que atenta contra os direitos consagrados na Constituição Nacional Argentina, na Convenção sobre a Liberdade Sindical e a Proteção do Direito de Organização, 1948 (n.º 87), assim como em tratados internacionais e pactos conexos.

É neste contexto que acaba de ser anunciada a convocatória conjunta de uma greve geral com manifestação junto ao Congresso legislativo no dia 24 de janeiro, dia em que vão ser debatidos os projetos de lei do governo. Uma decisão unânime do movimento sindical argentino, que conta com um amplo apoio social, do movimento associativo, pequenos e médios empresários, movimento camponês e outras organizações sociais. 

A FENPROF associa-se à luta dos trabalhadores argentinos contra políticas regressivas, e expressa às suas organizações representativas forte apoio e solidariedade.