JF Online, abril 2025
Francisco Gonçalves, Secretário-Geral Adjunto

Valorizar a carreira docente, hoje, é mesmo prioridade para quem a desvalorizou ontem?

28 de abril, 2025

Francisco Gonçalves
Secretário-Geral Adjunto

A falta de professores é o grande problema da Educação em Portugal. É um problema resultante das opções políticas dos governos portugueses nas duas últimas décadas. Opções como o ECD de Maria de Lurdes Rodrigues, no negro dia 19 de janeiro de 2007, as dezenas de milhar de despedimentos de professores contratados provocados pela revisão curricular de Nuno Crato, em 2012, e a teimosia de António Costa em não recuperar o tempo de serviço dos professores, atitude que manteve, desde a ameaça de demissão, em maio de 2019, no caso de a Assembleia da República o aprovar, até ao último dia enquanto primeiro-ministro.

Se hoje faltam professores, é porque a carreira foi desvalorizada por ação de sucessivos governos do PS e do PSD/CDS. Relativamente à recuperação do tempo de serviço, não houve, ainda, uma recuperação integral: seja dos 9 anos, 4 meses e 2 dias de tempo congelado; seja do tempo perdido nas vagas de acesso ao 5.º e 7.º escalões; seja dos 3 a 5 anos resultantes das transições de carreira de 2007 e 2009 (as designadas ultrapassagens). Contudo, por força da luta dos professores – e apenas por isso –, houve melhorias:

- o decreto-lei 36/2019, de 15 de março, permitiu a recuperação de 1018 dias;

- o decreto-lei n.º 74/2023, de 25 de agosto, dispensou de vaga de acesso ao 5.º e 7.º escalões os docentes em escalão inferior a este último e concedeu uma bonificação de 365 dias a quem, estando além do 7.º escalão, tivesse tido todo o tempo congelado entre 1 de janeiro de 2011 e 31 de dezembro de 2017;

- o decreto-lei e 48-B/2024, de 25 de julho, recuperou os 6 anos, 6 meses e 23 dias, embora sem efeitos para todos.

Apesar dessas melhorias, o Estatuto da Carreira Docente (ECD) não foi revisto: o governo do PSD/CDS apenas iniciou um infeliz projeto de revisão, cujo saldo, com a queda do governo, é zero. Assim sendo, importa, agora, em vésperas de eleições, averiguar o que os programas eleitorais do PS e da coligação PSD/CDS referem sobre (a revisão d)o ECD:

- a AD – Coligação PSD/CDS compromete-se a rever a partir de 2027, quando terminada a recuperação do tempo de serviço, o Estatuto da Carreira Docente, tornando a carreira mais atrativa, transparente e equitativa, acabando com as quotas no acesso aos 5.º e 7.º escalões, e atualizando em alta os primeiros escalões remuneratórios”. In: www.ad2025.pt

- o Partido Socialista compromete-se a aumentar a atratividade no início da carreira docente, reduzindo de forma progressiva o hiato entre os índices remuneratórios da base e os índices mais altos; rever os critérios de reposicionamento na carreira docente de forma a garantir a correção das ultrapassagens na progressão, assegurando a contabilização de todo o tempo de serviço, independentemente da data de ingresso. In: www.ps.pt/programa-eleitoral-do-ps

Como o serviço público de comentário político está muito em voga, ensaiemos um por aqui, em torno de três questões centrais sobre a revisão do ECD: quando? o quê? para quem?

QUANDO?

Para o PSD/CDS, a partir de 2027. É caso para dizer que razão teve a FENPROF ao não subscrever o protocolo negocial de revisão do ECD que apontava uma entrada em vigor em 2027: protocolo negocial, em 2024; revisão do ECD e aprovação em Conselho de Ministros, em 2025; remissão para a Assembleia da República, em 2026; entrada em vigor só com o Orçamento do Estado de 2027.

Para o PS, não há data. Não sabemos se é de facto para avançar ou se é para ir empatando até 2029.

O QUÊ?

Para o PSD/CDS, acabam as quotas de acesso ao 5.º e 7.º escalões e são valorizados os primeiros escalões. No entanto, subsiste uma dúvida fundamental: a ser concretizado no quadro da atual carreira é uma coisa; outro quadro se coloca se considerado o protocolo negocial celebrado para a revisão do ECD, designadamente a referência à revisão da carreira não revista, leia-se aplicação da Tabela Remuneratória Única, com oito pontos / oito anos para mudar de escalão para dois terços dos professores e aplicação do SIADAP. Em vez de vagas para dois escalões, os professores teriam quotas anuais para as menções de mérito e só um terço poderia mudar de escalão em 3 ou 4 anos.

Para o PS, haverá um aumento da atratividade no início da carreira, uma redução do hiato entre os índices remuneratórios e a correção das ultrapassagens nas progressões, sem, contudo, concretizar o modo como tais medidas serão feitas.

PARA QUEM?

Se dividirmos os professores por tempo de serviço entre i) os que estão no primeiro terço da carreira, ii) os que estão no segundo e iii) os que estão no terceiro, constatamos o seguinte:

No caso do PSD/CDS, os primeiros (i) poderão ver os índices remuneratórios valorizados, as vagas de acesso ao 5.º e 7.º escalões extintas, mas com  escalões  com o dobro da duração atual; os segundos (ii), poderão ver as vagas de acesso ao 5.º 7.º escalões extintas, mas os escalões a passarem a ter o dobro da duração atual e a manterem-se as ultrapassagens; de entre os terceiros (iii), dois terços dos que ainda não tenham chegado ao topo demorarão o dobro do tempo a lá chegar, manter-se-ão as ultrapassagens para uns quantos e os dos escalões de topo e aposentados continuarão sem qualquer compensação por não terem recuperado (todo ou parte d)o tempo de serviço congelado.

No caso do PS, os primeiros (i) poderão ver a escala indiciária melhorada e o hiato entre escalões diminuído, mas continuarão a ter vagas de acesso ao 5.º e 7.º escalões; os segundos (ii) poderão beneficiar da correção das ultrapassagens e da diminuição do hiato dos índices remuneratórios, mas permanecerão com as vagas de acesso ao 5.º e 7.º escalões; os terceiros (iii), poderão ver a correção das ultrapassagens apenas para uns quantos, enquanto os dos escalões de topo e aposentados continuarão sem qualquer compensação por não terem recuperado o todo ou parte do tempo de serviço congelado.

É com estes compromissos eleitorais, acrescidos das habituais promessas de desburocratização, simplificação e valorização da profissão, que os responsáveis pela desvalorização havida nas duas últimas décadas, se propõem corrigir a situação. Temos, portanto, muito trabalho sindical pela frente, desde logo no 15.º Congresso Nacional dos Professores de 16 e 17 de maio, que fechará o caderno reivindicativo para a próxima legislatura.

No dia 18 de maio, vamos eleger 230 deputados à Assembleia da República (AR), da qual sairá o novo Governo, questão que não é de somenos. É tempo de apontar problemas e exigir soluções! É tempo de analisar as propostas das forças candidatas: as duas aqui consideradas, mas também as outras que virão a compor a AR. Uma leitura atenta, de linhas e entrelinhas, são provas para avaliar agora e classificar, com o voto, em 18 de maio.