José Manuel Costa
Secretariado Nacional da FENPROF
Uma legislação que já não é a mais adequada, a que se aliam, em muitos agrupamentos e escolas, constantes abusos e ilegalidades, têm feito com que, há mais de 15 anos, horários de trabalho abusivos e sobrecarregados constituam um dos principais motivos para uma crescente conflitualidade nas escolas e para acentuar o desgaste e a exaustão sentidos por cada vez mais professores e em idades cada vez mais precoces.
Recentes novidades legislativas com incidência sobre o horário de trabalho docente correm o risco de originar ainda maior sobrecarga de trabalho dos professores e introduzir novos abusos por parte de alguns diretores mais “criativos”, seja na aplicação de novas previsões legais, seja mesmo a aplicarem o que nenhuma lei prevê.
É o caso dos horários compostos (com serviço em dois agrupamentos ou escolas do mesmo QZP) previstos no Decreto-Lei n.º 32-A/2023, de 8 de maio, que estão a ser aplicados pela primeira vez no presente ano escolar, bem como das alterações que o Decreto-Lei n.º 51/2024, de 28 de agosto, permite na atribuição de serviço extraordinário.
Ora, no que toca aos horários compostos, estes só podem ser atribuídos a docentes que, em concurso, manifestaram disponibilidade para tal. Nesse caso, os diretores dos AE/EnA envolvidos devem efetuar a distribuição de serviço em dias alternados ou, pelo menos, em diferentes períodos do dia (turnos), tendo de garantir o tempo de deslocação e as pausas para refeições, bem como a conciliação do serviço não letivo de estabelecimento, designadamente o agendamento de reuniões.
Os dois AE/EnA, sempre do mesmo QZP, não podem distar entre si mais de 30 km, salvo com acordo expresso do docente, tendo os docentes de carreira com horário composto afetados 150 minutos da componente não letiva de estabelecimento para trabalho individual (75 minutos por cada AE/EnA), enquanto os docentes contratados na mesma situação verão aditadas duas horas de componente letiva aos respetivos contratos, uma por cada AE/EnA, a usar como redução da componente letiva.
De carreira ou contratados, todos os docentes têm ainda direito a abono de ajudas de custo e transporte, nos termos legalmente previstos para os trabalhadores em funções públicas, conforme regulado pelo Decreto-Lei n.º 106/98, e pelos valores fixados na Portaria n.º 1553-D/2008, de 31 de dezembro.
Quanto à atribuição de serviço extraordinário, o ECD considera-o de aceitação obrigatória, desde que este não ultrapasse “as cinco horas por semana, salvo casos excecionais devidamente fundamentados e autorizados” superiormente. Ainda assim, o mesmo ECD exceciona dessa obrigatoriedade de aceitação situações como as de docentes que se encontrem ao abrigo do Estatuto do Trabalhador-Estudante ou em apoio a filhos deficientes, e ainda àqueles que beneficiem de redução ou dispensa total da componente letiva nos termos do artigo 79.º.
O recém-publicado DL 51/2024 veio permitir que, nas escolas carenciadas e nos grupos de recrutamento deficitários, em alternativa ao máximo referido no parágrafo anterior, o serviço extraordinário possa chegar às seis horas semanais, ou mesmo até às dez, “desde que o mesmo seja imprescindível para garantir a satisfação de necessidades de serviço docente não asseguradas” pelos mecanismos de concurso e exista acordo expresso do docente.
O mesmo diploma permite ainda, também só nas escolas carenciadas e em grupos de recrutamento deficitários, a atribuição de serviço extraordinário aos professores que, ao abrigo do artigo 79.º do ECD, beneficiam de redução da componente letiva, podendo o mesmo ser desempenhado nas horas correspondentes a tal redução.
Ora, à Federação e aos seus sindicatos têm chegado relatos de diversos incumprimentos da legislação, seja prescindindo do acordo expresso dos docentes quando ele é necessário, seja aplicando em agrupamentos ou escolas e / ou grupos não carenciados aquilo que só mesmo nesses a legislação permite, seja ainda procurando impor o não pagamento das deslocações entre escolas ou o pagamento por valores inferiores aos legalmente previstos, situações com que, obviamente, ninguém deve pactuar.
Outro grave desrespeito pelo estabelecido na lei vem-se verificando nos casos em que as direções resolvem seguir um documento (des)orientador do MECI relativo à organização do ano letivo 2024/2025, concretamente decidindo implementar o sistema de atribuição de turmas em “suplência”, a atribuição de mais uma turma a cada docente, além da distribuição do seu serviço, sendo que o docente só lecionaria essa turma, caso o respetivo docente titular não estivesse colocado ou estivesse a faltar por período superior a uma semana, salvaguardando, assim, a sua disponibilidade horária para substituir o colega sempre que ele estivesse ausente, tendo direito a receber as correspondentes horas extraordinárias.
Ora, esta medida não tem qualquer cobertura legal, não só porque o DL 51/2024 não a prevê, mas também porque o ECD dispõe, no artigo 76.º n.º 3, que é obrigatório que a totalidade das horas da prestação semanal de trabalho docente estejam registadas no horário de trabalho, “com exceção da componente não letiva destinada a trabalho individual e da participação em reuniões de natureza pedagógica…”.
Ora, a forma como o citado documento do MECI sugere a aplicação destas turmas em “suplência” imporia uma espécie de estado de prevenção, de disponibilidade para o trabalho em tempos não expressamente assinalados no horário do docente como tempo de trabalho que, depois, se não efetivamente prestado, não seria remunerado, o que, repete-se, não tem qualquer cobertura legal e deve ser contestado e denunciado superiormente.