JF Online, abril 2025
José Feliciano Costa, Secretário-Geral Adjunto

Defender a Escola Pública, sim, porque é a Escola de Abril

28 de abril, 2025

José Feliciano Costa
Secretário-Geral Adjunto

Rever a Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) é uma das principais intenções do programa do governo PSD/CDS para a Educação.

A Assembleia da República aprovou em julho de 1986 a LBSE, promulgada e publicada mais tarde como a Lei 46/ 86 de 15 de outubro. O documento aprovado foi o resultado de um amplo debate público e de um amplo consenso social e político e permitiu a criação de uma Lei de Bases que impulsionou as inadiáveis reformas que o sistema educativo português urgentemente precisava.

O nosso Sistema Educativo beneficiou, com a Revolução de Abril, de uma profunda transformação que permitiu consagrar a Escola Pública, possibilitando o direito ao acesso e ao sucesso educativo a todos, sem restrições.

Este preceito, este grande feito da Revolução, ficou, depois, um ano mais tarde, inscrito e consagrado no texto que a sessão plenária da Assembleia Constituinte aprovou e decretou em 2 de abril de 1976, a Constituição da República Portuguesa.

Porquê rever e alterar a LBSE?  

Porque faz parte de um projeto cujo objetivo central é colocar em pé de igualdade o ensino público e o ensino privado no que diz respeito ao financiamento e isto implica a concretização de vários passos.

O primeiro passo é transformar o ministério que tutela a Educação e a Ciência em mero regulador. Esta é, aliás, a primeira medida que volta a estar plasmada no texto do programa com que a AD se apresenta às eleições de 18 de maio próximo. “Redefinir o papel do Ministério da Educação, Ciência e Inovação, reforçando as responsabilidades de regulador sobre o funcionamento das escolas públicas”.

Depois, vai-se mudando também a linguagem utilizada com a introdução de uma nova semântica como, por exemplo, o serviço público de educação, os contratos de autonomia que possibilitam a diversidade e a escolha de projetos educativos, as escolas independentes geridas por comunidade dos professores e ainda o “cheque ensino” como suposto instrumento de reforço da liberdade de escolha das famílias sobre a escola que querem para os seus filhos.

Coloca-se, também, em evidência um discurso sobre a importância do desenvolvimento do ensino profissionalizante e da sua vertente dual com quotas previamente definidas, afastando a maioria das crianças e jovens de uma oferta educativa de qualidade, empurrando precocemente jovens (os mais desfavorecidos) para vias desvalorizadas e de segundo nível.

Introduzem-se os exames logo no final do primeiro ciclo, reforçando-se a importância das “disciplinas nucleares” da aprendizagem, o Português e a Matemática.

Os rankings assumem grande destaque e promoção nalguma comunicação social que divulga anualmente os resultados dos exames, com a cumplicidade de sucessivos ministros do setor que ao longo dos últimos anos, displicentemente, promovem ou, fingindo que criticam, vão deixando andar esta “experiência”, já proibida em alguns países.

Os rankings comparam e avaliam o incomparável e a esta incomparável comparação associam-se os conceitos de qualidade, competitividade, excelência e outros que vão consolidando um discurso, supostamente neutral, mas que ignora a desigualdade de oportunidades que, como é sabido, está intimamente relacionada com o sucesso e fracasso escolares.

No entanto, é a partir destes exames que se constroem tabelas comparativas entre escolas, regiões e concelhos, confrontando sempre os resultados do público e do privado. Aliás, é a própria LBSE que desmonta esta retórica ao atribuir às escolas um conjunto de finalidades que passam pela formação integral dos alunos, o que implica a aprendizagem de conteúdos, a aquisição de competências, capacidades e comportamentos que não são avaliáveis em exames, mas sim ao longo da vida.

A intenção do reforço das competências das autarquias locais (descentralização de competências) é uma das peças-chave neste processo de descartar responsabilidades. Este processo abre espaço à contratualização e privatização de vários serviços da Escola Pública dado o volume de responsabilidades que as autarquias assumem. Também aqui são criadas enormes assimetrias que resultam do poder e da dimensão financeira de cada município.

Nesse sentido, alterar a LBSE, desnatando-a e expurgando-a de todos os “travões” que são os preceitos constitucionais que impedem todos estes propósitos, é uma peça fundamental no processo.

Este é um projeto que tem de ser combatido e que implica uma transformação do sistema educativo português numa lógica educativa neoliberal, que aliás nunca foi camuflada; basta relembrar a forma insistente com que o atual ministro Fernando Alexandre proclamava o seu despreconceito para com qualquer “canga” ideológica, discurso, aliás, recentemente repetido pelo atual primeiro ministro na sua primeira intervenção já em campanha eleitoral.

Dizia o chefe do governo que é necessário “Gerir sem preconceitos ideológicos nem arrogância, mas com sentido de compromisso e espírito agregador”. Claro que nós percebemos que essa é a intenção de percorrer um caminho que os apenas onze meses de governação não permitiram avançar em marcha acelerada.

Este é o “modus operandi”, aliás, muito idêntico em todos os países onde estas transformações se fizeram sentir diretamente nos sistemas educativos.

O discurso vai-se repetindo e sempre no mesmo sentido- a escola privada, porque presta um bem comum à sociedade, deve passar a ser financiada pelos dinheiros públicos.

A lógica é a de submeter a educação às leis da oferta e da procura, a mercantilização da educação, onde as escolas “melhores dotadas” que têm os alunos socialmente mais favorecidos acabam por acumular ainda mais recursos, uma vez que os resultados da sua avaliação (expressos nos rankings) as tornam merecedoras dessas “recompensas”. Depois, noutro patamar, estão as escolas da rede pública, na sua maioria estigmatizadas (mal posicionadas nos rankings), minguando ainda mais os seus recursos e onde estão colocados os alunos socialmente mais desfavorecidos.

Assim, o Estado retira à Escola Pública a possibilidade de reequilibrar estas diferenças sociais, o que concomitantemente reforça as condições de pobreza e abre a porta ao surgimento de novos pobres.

É tudo isto que se joga no dia 18 de maio, a escolha de quem defende a construção de uma Escola Pública que responda ao desenvolvimento integral das crianças e de jovens, o que implica investir e quebrar este ciclo de subfinanciamento ou de quem defende o contínuo desinvestimento e subfinanciamento na educação como opção política de fundo.

O 15.º Congresso Nacional dos Professores vai definir os caminhos de ação e luta pela defesa da profissão docente e da Escola Pública. Os caminhos da luta contra o avanço das políticas neoliberais de mercantilização e privatização da educação.

Esta é uma opção ideológica que a FENPROF assume.

Por uma Profissão com futuro e uma Educação Pública de Qualidade.