Intervenções / Saudações
Anabela Sotaia, membro do Secretariado Nacional da FENPROF

Valorizar e dignificar o ensino vocacional e profissional

04 de maio, 2013

Anabela Sotaia, membro do Secretariado Nacional da FENPROF

A discussão em torno das vias vocacionais e profissionais regressou às luzes da ribalta pelas piores razões , nomeadamente porque o Governo pretende desenvolver um ensino vocacional precoce para alunos que tenham insucesso escolar até ao 6.º ano de escolaridade (que chumbem duas vezes no mesmo ano ou três vezes intercaladas), apresentando-o como uma forma de “garantir uma igualdade efetiva de oportunidades” e de garantir o sucesso escolar para todos. Mas a realidade está longe de ser essa!

A verdade é que estamos perante uma conceção ideológica profundamente retrógrada e elitista, contrária à Constituição da República e à Lei de Bases do Sistema Educativo, que apresenta o ensino vocacional e profissional como uma punição para os alunos com resultados escolares mais fracos, que assume a escola como promotora de desigualdade e estratificação, através da diferenciação de vias, separando precocemente os “aptos” dos “inaptos”, os que têm capacidades para aceder a um ensino mais geral que lhes permita prosseguir estudos para o ensino superior e os que deverão aprender desde cedo um ofício para irem para o mercado de trabalho. O que se está a perfilar é um sistema educativo classista.

Do ponto de vista pedagógico e técnico é profundamente errado e inadequado introduzir vias diferenciadas numa idade tão precoce, como o demonstram alguns estudos do PISA e as boas práticas internacionais. Tanto a OCDE como a União Europeia recomendam, justamente, o contrário daquilo que o Ministério da Educação e Ciência pretende fazer. Insistem na necessidade de garantir a todos os jovens até aos 15 anos uma escolaridade básica com as matérias e as componentes de formação necessárias para a cultura integral do indivíduo e para uma cidadania plena. Insistem, igualmente, que as escolhas vocacionais exigem uma maturidade que os alunos não têm antes dessa idade.

Na opinião da FENPROF, a diferenciação de percursos e de ofertas educativas e formativas deve existir e é desejável mas deverá surgir apenas após um ensino básico sólido, inclusivo e de qualidade e com os recursos adequados, onde todos devem aprender o máximo possível. Deverá apostar-se em estratégias pedagógicas diferenciadas e em várias medidas de flexibilização e diferenciação curricular em função das dificuldades de aprendizagem detectadas, bem como no apoio especializado a alunos com necessidades educativas especiais, conferindo-lhes as bases de uma literacia que lhes permita atingir, com sucesso, os objectivos do nível de ensino que frequentam. Para atingir o sucesso escolar é imprescindível centrar a intervenção escolar nas dificuldades que afectam a aprendizagem e agir sobre elas atempadamente, o que exige necessariamente mais recursos humanos, materiais e financeiros, uma aposta forte numa adequada formação de professores, bem como em melhores condições de trabalho, como por exemplo a diminuição do número de alunos por turma e do número de turmas por professor, o reforço das horas de crédito em todas as escolas para os vários projectos a desenvolver e uma maior autonomia das escolas para organização dos recursos a disponibilizar, não esquecendo, igualmente, o reforço do apoio social escolar aos alunos de famílias com mais carências económicas. É neste contexto e com este enquadramento que deveria residir a verdadeira aposta por parte do MEC no combate ao insucesso escolar e em defesa da escola pública de qualidade, promotora de uma efectiva igualdade de oportunidades, a pensar no futuro de todos os cidadãos e num novo modelo de desenvolvimento do país.

As vias profissionalizantes devem ser pensadas em si mesmas e não em função da sua instrumentalização no combate ao abandono e insucesso escolar, porque isso afasta irremediavelmente dessas vias quem até poderia ter interesse no Ensino Profissional mas receia o estigma que sobre este tipo de ensino recaiu, muito por força das políticas e medidas dos últimos governos, que têm transformado a formação profissional numa espécie de currículo B alternativo em relação ao ensino regular.

Desde há muitos anos que a FENPROF tem vindo a apontar o ensino profissional como um "vector estratégico e decisivo do desenvolvimento dos cidadãos e da sociedade", sublinhando o papel relevante que o ensino profissional e as escolas profissionais têm vindo a desem­penhar na melhoria da qualificação dos recursos humanos e nas políticas de desen­volvimento económico. Paralela­mente, tem vindo a exigir do Estado medidas concretas de valorização, consolidação e dignificação destes cursos, através do aumento da sua oferta pública, bem como da promoção da sua democraticidade, qualidade e dignidade.

Há muito que a FENPROF defende que no ensino secundário haja uma diversificação de vias e de consolidação de percursos formativos (gerais, técnicos, profissionais e artísticos) que se concretizem em respostas adequadas às diferentes motivações, vocações e expectativas dos jovens, assegurada que esteja a articulação e a permeabilidade que permita a transferência de uns para outros, assim como o prosseguimento de estudos. Isto significa que todos estes percursos deverão ter a mesma qualidade e dignidade e ser valorizados de igual modo por toda a sociedade. Deverão ser percursos escolhidos de forma séria e consciente pelos alunos e suas famílias, no final do ensino básico, com o apoio dos psicólogos e técnicos dos serviços de orientação escolar e profissional que deverão existir em todas as escolas, que os ajudem a tomar, livremente, decisões que lhes pertencem e de que o MEC não pode nem deve apropriar-se.

Mas infelizmente, também a nível do ensino secundário, num contexto de alargamento da escolaridade obrigatória para 12 anos, o governo insiste em considerar a formação profissional como a solução mais fácil, adequada e correta para os jovens com um historial de insucesso no ensino básico. Isto está claramente visível no documento sobre Formação e Ensino Profissional apresentado há uns meses atrás pelo governo, para discussão, em sede de Concertação Social, em que num dos princípios orientadores propostos, se refere a “sinalização precoce dos jovens com dificuldades de aprendizagem no ensino básico, de forma concertada com os encarregados de educação, tendo em vista a possibilidade de orientação profissional de modo a prevenir as trajetórias de insucesso ou repetência que provocam frequentes danos estruturais na sua motivação, bem-estar e integração socioprofissional”. É a própria formação vocacional e profissional que sai desvalorizada e nada dignificada perante este tipo de enquadramento, ao pretender-se que seja em grande parte alimentada por segundas opções e, pior ainda, por opções forçadas, resultantes de discriminações negativas introduzidas pelo próprio sistema. Com esta opção do governo mantêm-se as portas abertas para a continuidade das baixas qualificações académicas e profissionalizantes, para o agravamento das discriminações sociais, para a exclusão escolar e para uma ainda maior elitização do ensino, significando um retrocesso de quase meio século em termos sociais, políticos e ideológicos.

A nossa grande prioridade nos tempos difíceis que vivemos, tal como refere o Conselho Nacional de Educação, nas Recomendações que fez a propósito do relatório sobre o Estado da Educação 2012, é “exigir que o governo invista mais e melhor na educação e qualificação dos jovens, com qualidade, equidade e justiça social, para nos aproximarmos mais dos nossos parceiros europeus e para criarmos as condições para que Portugal possa sair desta crise com uma população mais qualificada e com mais confiança e determinação”.

O nosso compromisso passa por afirmar que, por muitas que sejam as dificuldades, não desistimos e juntos, temos o dever de prosseguir a luta por uma Escola Pública de matriz Democrática, garante de igualdade no acesso ao conhecimento e da eliminação das assimetrias sociais!

Viva a luta dos Professores portugueses!

Viva a FENPROF!

 

Lisboa, 4 de maio de 2013

 

Anabela Sotaia

Membro do Secretariado Nacional da FENPROF