Intervenções
15.º Congresso

Tiago Dias (Secretariado Nacional): Ensino Superior e Investigação

17 de maio, 2025

Tiago Dias
Secretariado Nacional da FENPROF

 

Hoje, Dia Nacional dos Cientistas, permitam-me começar com uma saudação especial a todos os trabalhadores científicos em Portugal! Com talento, esforço e resistência, continuam a fazer da ciência um motor de progresso, de justiça social e de futuro para o nosso país.

Também uma saudação a todos vós pela participação neste 15.º Congresso Nacional dos Professores, num momento em que importa reafirmar os princípios que nos unem: a defesa da Escola Pública, da Ciência livre e da valorização do nosso trabalho.

A minha intervenção é sobre o ensino superior e a investigação científica, um setor que nos últimos anos ganhou ainda maior visibilidade na luta sindical, face à gravidade dos problemas que enfrenta e que, em grande medida, não diferem muito dos que afetam os vossos níveis de ensino. É exatamente isso que quero sublinhar: mais do que diferenças, é uma realidade comum que nos liga, ainda que por vezes a vejamos a partir de ângulos diferentes. E é por isso que a nossa luta é uma só!

Para se compreender melhor, vou desenvolver a minha intervenção em torno de três pontos centrais: a valorização das carreiras docentes e de investigação, a necessidade de uma gestão democrática nas instituições de ensino superior e de ciência, e o financiamento do sistema científico e tecnológico nacional.

  1. Valorizar as carreiras: respeitar o trabalho, garantir o futuro

Começando pelo mote do nosso congresso, Valorização Já!, pois o problema de fundo no ensino superior e na investigação científica é a desvalorização das carreiras. Essa desvalorização manifesta-se no desrespeito pelo trabalho académico (docência e investigação) e pela dedicação às instituições. E tem consequências concretas: precariedade generalizada, bloqueio de progressões, estagnação salarial, sobrecarga de trabalho e impactos graves na saúde mental.

O quadro é claro: uma grande parte dos docentes do ensino superior público são contratados como “convidados”, geralmente a tempo parcial, semestre após semestre. No setor privado, essa percentagem ultrapassa os 75%. E na investigação, 90% dos profissionais estão fora de carreira, com vínculos instáveis, sem perspetiva de integração.

Mesmo quem está nas carreiras enfrenta bloqueios inaceitáveis. Ao contrário do que aconteceu noutros setores, no ensino superior e na ciência as progressões continuam a ser uma miragem. A sua aplicação depende, desde 2009, de um despacho conjunto dos ministérios da tutela e das Finanças. Esse despacho foi publicado pela primeira vez este ano e sem reforço dos orçamentos das instituições, o que faz com que milhares de docentes continuem bloqueados na carreira, apesar de terem cumprido todos os requisitos. A isto soma-se a degradação salarial. Em 20 anos, as perdas de poder de compra ultrapassam os 30%!

A sobrecarga de trabalho é real e sistemática. As instituições beneficiam de trabalho gratuito ou mal pago, exigindo produtividade sem garantir direitos. E isto tem custos humanos sérios: os níveis de ansiedade, exaustão e burnout são dos mais elevados, especialmente entre os precarizados.

Valorizar as carreiras significa romper com esta cultura de desprezo. Significa estabilidade no emprego, progressão justa, salários dignos e respeito pelos limites do trabalho. Mas significa também reconhecer o valor social, científico e pedagógico do que fazemos. Porque sem docentes e investigadores valorizados, não há ensino superior digno, nem ciência com futuro.

  1. Reforçar a democracia nas instituições

A democracia nas instituições de ensino superior e ciência está hoje fortemente fragilizada. Desde a entrada em vigor do Regime Jurídico das instituições de Ensino Superior (RJIES), em 2007, assistimos à concentração excessiva de poder nos reitores e presidentes, ao enfraquecimento dos órgãos colegiais e à exclusão progressiva da comunidade académica dos processos de decisão.

Este modelo foi agravado pelo regime fundacional, adotado por várias universidades e politécnicos, que passaram a reger-se por normas de direito privado, fora do quadro da administração pública, com débil escrutínio público e participação democrática limitada.

Junta-se a isto o crescimento das Instituições Privadas Sem Fins Lucrativos (IPSFL), formalmente privadas mas quase todas dependentes de instituições públicas que as controlam total ou parcialmente. Estas entidades recebem financiamento público mas operam sem garantias de transparência na gestão, sem assegurar os direitos laborais de quem nelas trabalha e pouco equiparáveis aos do setor público.

Desde 2012 que a lei exige uma revisão do RJIES. Nenhum governo o fez. A proposta mais recente, apresentada pelo governo ainda em funções, não enfrentava os problemas fundamentais: mantinha o regime fundacional, ignorava o problema das IPSFL, deixava praticamente intocada a lógica de concentração de poder e exclusão da comunidade académica e não enfrentava a divisão estrutural entre universidades e politécnicos, imposta por um sistema binário ultrapassado.

Reforçar a democracia nas instituições é rever o RJIES e é restaurar a voz e o poder deliberativo de docentes, investigadores, demais funcionários e estudantes. É garantir eleições diretas e órgãos representativos. E é assumir que as instituições de ensino superior não são empresas, mas  estruturas públicas com uma missão educativa e científica e responsabilidades sociais e culturais.

  1. Reforçar o financiamento: condição necessária, mas não suficiente

Nenhum dos problemas que referi pode ser compreendido ou enfrentado sem considerar a realidade do subfinanciamento crónico do ensino superior e da investigação científica. Sabemos que o reforço do financiamento não resolve tudo, mas também sabemos que tudo é afetado por ele: a precariedade, o bloqueio das carreiras, a sobrecarga de trabalho, a falta de condições para ensinar e investigar.

Desde há décadas que o subfinanciamento se mantém como traço estrutural do sistema, e nenhum governo o quis resolver verdadeiramente. O investimento público em investigação e desenvolvimento não chega sequer a 1,3% do PIB, ficando muito aquém dos compromissos assumidos (3% do PIB). O financiamento das instituições é insuficiente para garantir funcionamento regular, contratar pessoal, atualizar infraestruturas ou aplicar plenamente as regras de carreira.

A instabilidade é regra. A dependência excessiva de financiamento competitivo, com concursos irregulares e verbas limitadas, compromete a continuidade dos projetos científicos e empurra muitos investigadores para fora do sistema. A Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), com funcionamento irregular e imprevisível, é mais fonte de incerteza do que de apoio.

Mais grave ainda: as instituições públicas passaram a depender das propinas pagas pelos estudantes para garantir o seu funcionamento básico, quando essas receitas nunca deveriam existir num sistema público de ensino superior. Esta inversão de responsabilidade – que transfere para as famílias o custo do subfinanciamento estatal – aprofunda desigualdades, condiciona o acesso e distorce a missão das instituições.

Esta é uma opção política consciente: manter o ensino superior e a ciência numa situação de subordinação, dependência e instabilidade, onde se espera muito dos profissionais e se lhes dá pouco em troca. É preciso reforçar o investimento público, de forma estrutural e estável, se queremos um sistema de ensino superior e de ciência que sirva o país e a democracia.

A FENPROF tem estado, desde o primeiro momento, na linha da frente na defesa dos direitos dos docentes e dos investigadores. Fá-lo de forma construtiva e combativa, sempre com seriedade e empenho, e junto de quem representa: lado a lado com os docentes e os investigadores.

E vamos continuar! Porque a justiça, a democracia e a dignidade do trabalho não são bandeiras circunstanciais: são compromissos permanentes. E porque o ensino superior e a ciência pública merecem muito mais do que aquilo que lhes tem sido dado.

Como disse Pepe Mujica, “O sindicalismo tem que viver de ideologia, mas também de muito pragmatismo.” É isso que nos move: a força das convicções e a eficácia da ação. Continuaremos a lutar com firmeza, com estratégia e com esperança. Porque temos razão! E porque não estamos sós! E porque a luta continua!

Viva o 15.º Congresso Nacional dos Professores!
Vivam os educadores, os docentes e os investigadores!
Viva a FENPROF!