Em primeiro lugar, gostaria de alertar o congresso para os desafios que se colocam à ação sindical no ensino superior e investigação. Na raiz do estado atual do sistema, está o crónico financiamento (ou melhor, o crónico subfinanciamento) que, em Portugal, está bastante abaixo da média dos países europeus. Para atingirmos esse valor médio seriam necessários cerca de 1600 milhões de euros, ou seja, multiplicar por 1,5 o orçamento atual!
Este subfinanciamento reflete-se no acesso ao ensino superior que, com os custos de frequência (alojamento, transportes, alimentação), cria uma barreira elitista, só transponível para os jovens de meios mais favorecidos e que o sistema de bolsas nem de perto nem de longe resolve.
No entanto, talvez a questão mais fundamental seja a vivência nas universidades e politécnicos, onde impera o mandarinato, em que a democracia, a participação e a transparência estão fortemente limitadas. A origem está no enquadramento legal que determina a gestão das IES, o RJIES, cuja revisão vai operar uma mudança cosmética para que tudo continue na mesma. E assim, não se discute o fundamental: a missão pública do ensino superior, como agente de desenvolvimento, como lugar de expansão de oportunidades, como contribuidora para a definição do bem comum, o que exige participação, colegialidade e democracia, fundamentais para combater a extrema direita nos jovens, sobretudo numa época em que, pela primeira vez, a geração mais nova está profundamente dividida, com a maioria dos rapazes a votarem à direita e as raparigas à esquerda!
A questão da Inteligência Artificial e o crescente interesse no seu uso em educação merece uma reflexão. O impacto a médio longo prazo nos professores, pessoal e estudantes ainda tem de ser observado e o seu benefício ainda tem de ser provado, atendendo que há ainda pouca evidência do uso destas tecnologias na educação.
Por estas razões, o uso destas ferramentas na educação deve ser objeto de uma reflexão crítica que resista aos poderosos interesses comerciais das empresas que as desenvolvem, para que as mesmas não reduzam os professores a meros operadores de uma tecnologia, nomeadamente no que se ensina e aprende, tendo presente o risco potencial de restringir as interações entre estudantes e entre estudantes e professores.
De qualquer forma, algumas preocupações devem estar presentes na nossa ação sindical:
1) Assegurar que o uso destas tecnologias garanta o acesso equitativo a oportunidades educativas e recursos. O Governo deve garantir que a educação não fique refém de interesses privados e comerciais, como resulta das atuais ferramentas disponíveis.
2) Garantir a autonomia dos professores, nomeadamente quando esta tecnologia deve ser utilizada, assegurando que o seu uso melhora a qualidade da educação inclusiva e colmata as lacunas no acesso e na qualidade, cumprindo assim o direito à educação para todos os indivíduos.
3) Assegurar que os dados de treino e os métodos, não sejam enviesados ou discriminatórios, que respeitem a diversidade e o pluralismo, assim como a privacidade e a ética, e que não infrinjam quaisquer direitos humanos e dos trabalhadores.
4) Pugnar para que a conceção, seleção, implementação e monitorização da IA sejam realizados de uma forma que defenda valores democráticos como a justiça, a responsabilidade, a transparência e a equidade.
5) Assegurar que estas tecnologias devem capacitar, e não substituir, o papel crítico e único dos professores e de outros profissionais da educação.
6) Garantir que a regulação europeia sobre IA seja efetivamente implementada bem como a exigência de que a instituições de educação tenham políticas clara sobre o seu uso.
Quiçá, a questão essencial que o uso da IA na educação coloca é o desenvolvimento de espírito critico, para o qual a filosofia e a ética são determinantes, para que os estudantes desenvolvam uma postura crítica sobre as fontes de informação, questionado a veracidade de factos, opiniões e ideias, para que possam constituir o seu próprio sistema de valores. Por fim, como assegurar que o uso da tecnologia respeita os valores éticos que sustentam as sociedades democráticas? Em última análise, perante uma tecnologia com tanto potencial, quem define e defende o interesse público que assegure o bem-estar das sociedades?
Por último, quero deixar uma reflexão sobre a ação sindical. Defendo um sindicalismo independente e autónomo, que não seja determinado por interesses partidários e que tenha como fim último a defesa dos professores. Os sindicatos integram pessoas de diferentes visões, mas a discussão interna deve, justamente, realçar a pluralidade e combater visões instrumentais da sua ação. E se também os sindicatos, internamente, são um campo de luta, de visões e de ideias, os fins não justificam os meios, como ainda recentemente aconteceu no SPN.
Afirmar o sindicalismo passa justamente por combater essa visão instrumental que só afastará os professores e os tornará recetivos a outras visões sindicais, e nada melhor que um congresso para refletir sobre os problemas que enfrentam os sindicatos.
Como chamar os professores para a ação sindical, assegurando a renovação dos quadros dos sindicatos?
Como mostrar que o sindicalismo é hoje, tanto quanto no passado, fundamental à cidadania e à democracia?
Como mostrar que o trabalho coletivo numa escola é essencial à prossecução da sua missão pública?
Penso que a resposta a estas e outras questões pode ser aproximada pela noção de que o sindicato é um coletivo, um coletivo que se constrói pela luta, pela defesa dos direitos dos professores, pelo pensamento coletivo sobre a profissão. Ou seja, é preciso fazer viver esse coletivo!
Para tal, é necessário perceber o que podemos fazer para afirmar um sindicalismo composto de visões diversas e livre do controlo partidário, para que, internamente, seja mais participado e mais democrático!
Viva o sindicalismo, viva a FENPROF!