Intervenções
15.º Congresso

Paulo Nabais (SPRC): sobre o Contrato Coletivo de Trabalho do Ensino Particular e Cooperativo e do Ensino Profissional

20 de maio, 2025

Sou professor desde o longínquo ano letivo de 1986/87. Participei no meu primeiro congresso em 1987, precisamente no 1.º Congresso do SPRC, em Coimbra. Em 1992, iniciei a docência em cursos profissionais, e entrei numa escola profissional da qual, para mal dos meus pecados, nunca mais saí. Desde então, fui sendo muitas coisas para várias pessoas: formador umas vezes, professor para a maioria deles, docente quando alguém me bajulava, e mais recentemente… colaborador.

Ora, é precisamente nesta última designação que tropeço. Sempre que me chamam "colaborador", protesto, com a devida educação, mas protesto. Faço questão de esclarecer que não colaboro: trabalho. Sou um trabalhador qualificado, com responsabilidades pedagógicas, técnicas e humanas. E como tal, exijo ser remunerado pelo trabalho que presto. A ideia de "colaborar" de forma graciosa, enquanto o fruto desse esforço vai parar (como quase sempre) aos bolsos do costume, não me inspira grande entusiasmo.

Mas há uma certeza que me persegue: para a sociedade, para os meus patrões — fervorosos adeptos das “colaborações”, e, lamento dizê-lo, até para alguns colegas, sou, no fundo, um professor de 4.ª categoria do ensino secundário.

No topo da escala estão, naturalmente, os professores do ensino dito “regular” aquele que, quase por definição, preparam com excelência os filhos das famílias mais abonadas, seja nos colégios privados de renome, seja nas escolas públicas de referência, que ano após ano colocam 20 ou 30 alunos em Medicina. Esses são os senhores e senhoras professores dos regularíssimos cursos científico-humanísticos. A sua dignidade profissional não se discute, é aceite como axioma.

Logo a seguir, e isto já é uma classificação com gradação, vêm os professores de 2.ª e 3.ª. São os que ainda lecionam no ensino secundário regular, mas nas escolas que não aparecem no topo dos rankings. Aquelas em que, quando muito, um ou dois alunos que chegam a Medicina (eu, confesso, sou fã da ideia de um ranking só para isso, bom sei lá … “Um ranking médico”, vá). E, azar dos azares, também lecionam…, aí, desculpem, formam a outro tipo de alunos do ensino secundário... nomeadamente nos dos menos regulares cursos profissionais.

Neste caso, e apesar da crescente criatividade da tutela, o Estatuto da Carreira Docente ainda não foi oficialmente reescrito para os rebaixar embora a tentação se note. Afinal, nesses cursos há quem dê aulas com habilitação científica superior numa área, e habilitação pedagógica noutra, mas como não existe grupo de recrutamento para o efeito, são transformados, por artes mais mágicas do que ministeriais, em “formadores”. A carreira que lhes está reservada é tão coerente como um horóscopo …  verdadeiramente esotérica.

E, finalmente, chegamos ao patamar mais subterrâneo dos docentes de carreira: os professores das escolas que nem sequer figuram nos rankings das ditas escolas “regulares”. Para estes casos existe, aliás, um ranking à parte (uma espécie de campeonato paralelo) reservado às famigeradas Escolas Profissionais, preferencialmente privadas. Aqui, o critério de excelência já não passa pelos alunos que entram em Medicina, mas sim pelos que, contra todas as probabilidades, conseguem concluir o ensino secundário nos irregularíssimos cursos profissionais.

É neste universo que encontramos a verdadeira ralé do professorado. São os profissionais cuja carreira está detalhadamente esculpida num contrato coletivo de trabalho que parece ter sido desenhado com o espírito de um burocrata criativo e o coração de um capataz. Estes professores podem ser contratados para trabalhar 1100 ou 1320 minutos semanais — conforme der mais jeito ao empregador. Se o patrão quiser que trabalhem 22 tempos de 50 minutos, muito bem. Se preferir 24,5 tempos… também está tudo certo. A flexibilidade é total, sobretudo para um dos lados.

São estes também os professores para quem as médias são, de facto, muito relevantes. Só que não se trata, claro está, de médias de acesso ao ensino superior ou de aproveitamento escolar. Não. As médias que aqui contam são outras: médias de tempo de trabalho, médias de vencimento … essa aritmética criativa que os patrões dominam com impressionante destreza.

Vejam bem: embora o ano letivo tenha, como qualquer pessoa minimamente informada sabe, 36 semanas, os patrões descobriram … por milagre de gestão pedagógica ou talvez de contabilidade paralela … que afinal há 40 semanas disponíveis. E o que se faz com este novo tempo fictício? Muito simples: divide-se o número total de aulas dadas por 40 semanas, mesmo que só tenham sido lecionadas em 36. Assim se obtém mais uma média. E com ela, claro, mais uma forma de relativizar o esforço, disfarçar o abuso e nivelar por baixo.

E se, por um qualquer alinhamento astrológico, for útil que um professor dê 30 tempos de 60 minutos numa, em duas ou … por que não? … em 70% dessas semanas desde que não seja na média, também não há entrave. Tudo previsto, tudo permitido, como se a vida das pessoas fosse uma média, como se quando dou 30 tempos de 60 minutos com 62 anos de idade não chegasse a casa todo feito num fanico, porque em média trabalhei 22 tempos de 60 minutos 40 semanas por ano.

É um verdadeiro prodígio de engenharia aritmética — não se cria riqueza, não se valoriza o trabalho, mas inventa-se tempo onde ele não existe. E tudo isto com o selo de um contrato coletivo, assinado em nome de uma suposta representatividade, que mais parece ter sido redigido por quem nunca pôs os pés numa sala de aula. Já só falta arranjar uma alínea no artigo 17º do CCT que reze o seguinte:

  1. x) Se for professor dos cursos profissionais pode ser contratado à jorna e dormir num palheiro!

Poderia ficar aqui a enumerar, com rigor quase clínico, as múltiplas e engenhosas maldades semeadas no Contrato Coletivo de Trabalho do Ensino Particular e Cooperativo e do Ensino Profissional. Mas temo que isso me levasse mais tempo do que o que me pagam por tempo letivo não contabilizado como serviço docente efetivo.

Compreendo que a FENPROF, em 2022, tenha sido confrontada com um processo já em curso e que, neste momento, se veja na necessidade de tentar travar esse percurso. A CNEF, com a colaboração da FNE, tem vindo, desde 2014, a desenvolver um trabalho sistemático que resultou na progressiva desvalorização da carreira dos professores do Ensino Particular e Cooperativo (EPC). E digo-o com convicção: considero-me professor do EPC. A minha entidade patronal possui tanto colégios como escolas profissionais, leciono a alunos do ensino secundário com a mesma idade, e desempenho funções que exigem o mesmo grau de exigência pedagógica e científica.

É, por isso, profundamente preocupante que, no Portugal democrático de abril, ainda se façam distinções entre professores com base no tipo de alunos a quem lecionam. Seria porventura legítimo que essas distinções se baseassem no grau de ensino, na habilitação profissional ou no tempo de serviço. No entanto, a realidade mostra-nos que a segmentação se faz, essencialmente, com base na via de ensino frequentada pelos alunos — sendo os alunos dos cursos profissionais frequentemente encarados como "menos regulares", e os seus professores como profissionais de segunda linha.

Esta situação resulta, em parte, de uma evidente falta de rigor no discurso, que se manifesta até mesmo nas expressões aqui utilizadas. Ao longo deste congresso, tenho ouvido referências a “ensino profissional”, “ensino artístico especializado” e “ensino regular”. É precisamente esta imprecisão terminológica que contribui para a perpetuação de uma hierarquização injusta entre docentes. Nós não somos professores do ensino A, B ou C — somos, todos, professores, neste caso do ensino secundário.

A distinção entre "ensino regular" e os restantes transmite implicitamente a ideia de que existem formas de ensino irregulares. Quando adotamos essa linguagem, ainda que inconscientemente, estamos a validar uma narrativa que não é nossa, nem corresponde à legislação em vigor. E, neste caso, não podemos imputar a responsabilidade à tutela. Desde a publicação do Decreto-Lei n.º 55/2018, que organiza o currículo dos ensinos básico e secundário, essa nomenclatura deixou de constar dos documentos oficiais.

Atualmente, no ensino básico coexistem duas vias: o ensino básico geral e os cursos artísticos especializados. No ensino secundário, foram definidas quatro vias distintas e igualmente legítimas: os cursos científico-humanísticos, os cursos profissionais, os cursos artísticos especializados e os cursos com planos próprios.

Posto isto, reafirmo: não sou professor do ensino profissional — sou professor do ensino secundário. E, como tal, exijo os mesmos direitos e deveres que qualquer outro docente que leciona cursos científico-humanísticos.

É por isso que espero que o próximo CCT do ensino particular e cooperativo passe a enquadrar os professores dos cursos profissionais e dos cursos artísticos especializados como professores do ensino secundário e que passe a considerar que não há médias na vida dos professores, que trabalhar 30 tempos de 60 minutos numa semana é uma violência para qualquer professor, que ir visitar alunos em estágio é trabalho.

É por isso que espero que os colegas da FNE percebam que os professores do ensino particular e cooperativo são tão dignos como os do ensino público e que quando se juntam à FENPROF e exigem que estes sejam valorizados, também deviam exigir o mesmo para os docentes do EPC, a menos que haja algum motivo de outra ordem que não seja a luta sindical.

O estatuto da carreira docente devia ser um documento transversal a todos os professores e não apenas aos do ensino público, todos somos professores e como ainda diz a nossa constituição a trabalho igual salário igual, e acrescento condições iguais.

Atravessamos tempos difíceis, momentos em que o populismo se torna cada vez mais poderoso e que pretende diminuir os direitos de muitos em favor de poucos escolhidos, momentos em que a estratégia de divisionismo entre trabalhadores do mesmo sector é uma estratégia vencedora.

Por isso meus caros camaradas de armas, se costumo apoiar a luta dos professores do ensino público, se considero a luta deles justa e importante para valorizar uma profissão que também é a minha, peço-vos que apoiem a luta dos professores do ensino privado e que se tentem inteirar das condições miseráveis em que muitos de nós têm de desenvolver uma profissão que é comum e fundamental para a nossa sociedade.

Vivam os professores

Viva o 15 congresso da FENPROF

Viva o 25 de Abril.