Apresento-vos uma temática sobre a educação inclusiva, focada no ensino de português a estrangeiros — algo que, atendendo aos tempos correntes, se reveste de especial interesse, configurando-se como um domínio que pode ser reforçada na nossa intervenção sindical.
O ensino da língua portuguesa como língua não materna e como língua de acolhimento segue um enquadramento normativo específico. Na prática, este forma de ensino da língua acolhe alunos migrantes cujo nível de proficiência ainda não permite a inclusão naquela que ainda é entendida como sendo a disciplina maior, onde se incluem os falantes nativos ou fluentes.
Se o aluno é colocado num tempo letivo aparte, temos, assim, que um processo de enorme sensibilidade — a sua integração — é transformado numa operação secundária. O seu objetivo reduz-se à demonstração de um determinado nível de desempenho, concorrendo para a falácia de que a cidadania é de acesso interdito, e que deve conquistar-se a prazo e a pulso: o aluno de PLNM fica duplamente à margem, pois é relegado para as fronteiras da turma e da escola, e é visto como um elemento paralelo ainda sem voz própria. Poderíamos refletir sobre a forma como esta conceção do ensino da língua o coloca numa dimensão de territorialidade. Tomemos, todavia, a oportunidade para pensar nesta temática à luz das condições atuais das nossas escolas, da já referida integração de migrantes e da política migratória — problemática colocada em voga pelos piores atores —, e em função da nossa intervenção sindical.
Com efeito, e tal como os alunos que acolhemos, o ensino da língua portuguesa a migrantes vive à margem, num purgatório burocrático e político que o configura como perpétua quase-disciplinas, subordinadas a uma disciplina-mãe, e sem autonomia prática. Na sua pior face, essa secundarização concorre para o desgaste dos professores de português, que se desdobram para lecionar duas aulas distintas dentro de uma só, o que redunda na desvalorização da profissão e da escola como local plurilinguístico e multicultural. Forçados continuamente a improvisar práticas pedagógicas e didáticas, obrigados a equilibrar as boas intenções dos documentos normativos, com as efetivas dificuldades enfrentadas cada dia, permanecerá a dificuldade que impede quem educa de auxiliar o desenvolvimento pleno do cidadão, do aluno migrante, permitindo que usufrua da sua cultura de origem como ponto de comparação, de ativação de memórias e sentidos, enfim, como um esteio, vivo, de comunicação com a cultura de receção.
Enquanto não for dignificada esta forma de ensino da língua portuguesa, garantindo que todas as escolas reúnem condições para o fazer, e criando um grupo de recrutamento próprio, nunca será aproveitada a oportunidade histórica que hoje se desenha. O acolhimento cultural e a valorização da escola inclusiva e democrática é determinante!
Contra a ideologia da exclusão e da censura, integrar não pode limitar-se à negociação de medidas de segregação mais ou menos veladas, nem à criação de sistemas de monitorização mais ou menos violentos de pessoas migrantes. Integrar é, pelo contrário, acolher, dialogar, trocar impressões, incluir as pessoas migrantes no desenho das políticas migratórias, promovendo a cidadania ativa, e valorizar a identidade de cada um, no sentido da sua contínua construção. Esta conceção ultrapassa o âmbito do PLNM, e vai refletir-se no ensino da língua materna, pois, como sabemos, continua a sobrevalorizar-se a dita norma-padrão da língua portuguesa, a despeito das muitas variantes dialetais, regionais, e nacionais existentes.
Enquanto por toda a Europa se vai erguendo um discurso nacionalista atávico, hipócrita e mortificante, surge, e surgirá, hoje e sempre, a ação e a prática concreta dos democratas, dos professores, daqueles que sabem e demonstram que os territórios, onde existem, pertencem ao povo, pertencem a quem vive e trabalha nesses territórios, pertencem a quem, todos os dias, desenha esses territórios através do reconhecimento mútuo, e do respeito pela diferença. Urge continuar a nossa luta, alertando para a especificidade da pessoa migrante e para as suas necessidades concretas, repensando as atuais estruturas de ensino da língua, permitindo que seja concebida como língua pós-colonial e pós-imperialista, fraternamente partilhada por muitos povos.
Os territórios não se desenham através da força, atrás de muralhas ou fronteiras. Os territórios desenham-se como sempre se desenharam: com a força da esperança, e a força dos movimentos dos povos, que, ao longo de toda a história humana, sempre comunicaram, sempre procuraram o Outro, sempre trocaram ideias, e sempre partilharam esses grandes tesouros comuns que são as línguas. É no ensino das linguas enquanto gesto de acolhimento que demonstramos enquanto educadores, que nenhuma língua pertence a uma nação, ou a um grupo. As línguas, todas elas, pertencem à humanidade. A nossa língua não é exceção. A língua portuguesa pertence ao mundo.
Viva o 15º Congresso da FENPROF!
Obrigado.