Mário Nogueira
Secretário-Geral da FENPROF
Ex.mos/as Senhores/as,
Caros convidados nacionais e estrangeiros,
Amigos e amigas trabalhadores deste Congresso, insubstituíveis no trabalho diário da nossa Federação e dos seus Sindicatos,
Caras e Caros delegadas e delegados,
Chegámos ao 15.º Congresso com um quadro político inesperado no momento da convocatória: depois de amanhã há eleições legislativas. Não é um problema, pelo contrário, ficará ainda mais claro que não nos pronunciamos em função de maiorias parlamentares ou de governos, mas de políticas e, sobre essas, não alteramos posições quando mudam os executores. Decidiremos a agenda reivindicativa e como defendê-la junto do futuro poder político, seja ele qual for.
É, também, esta coerência que torna a FENPROF uma organização reconhecida e respeitada na sociedade portuguesa, traduzidos em apoios e ódios de estimação, fazendo dela a maior, mais importante e mais representativa organização sindical de educadores, professores e investigadores em Portugal.
É esta importância e esta representatividade que também nos torna uma referência, como confirmam os programas eleitorais apresentados pelos partidos para as eleições de dia 18. É a capacidade de reflexão dos quadros sindicais e a discussão permanente com os professores – cujo exemplo recente foram as quase quatrocentas reuniões realizadas para construir a proposta global para a revisão do Estatuto da Carreira Docente –, que permitem elaborar propostas, bem como mobilizar para lutar pela sua concretização.
Não é, pois, por acaso, que chegamos a este Congresso e, mais uma vez, verificamos que os nossos Sindicatos continuam a crescer, não obstante o elevado número de aposentações, a crescente falta de professores e as campanhas antissindicais instaladas em redes digitais.
A FENPROF chega ao Congresso reforçada pelas posições que assume e quem afirma, como fez o ainda ministro, que temos outra agenda que não a da Educação, da Escola e dos docentes acaba por cair no ridículo.
A agenda e a nossa força devem-se a todos, em especial a quem, em cada escola, é o rosto da FENPROF. Esses e essas são os dirigentes, os delegados e os ativistas sindicais que nunca viram a cara ao esclarecimento, à participação, à mobilização e à luta. Fazem-no por acreditar que a profissão docente tem futuro e que o futuro das jovens gerações também depende de si.
Caros Amigos e Camaradas,
O problema mais visível da Educação em Portugal é a falta de professores. Um problema cuja principal causa é a desvalorização que as políticas de sucessivos governos provocaram na profissão. Políticas que desconsideraram os professores, por vezes acompanhadas de campanhas difamatórias junto da opinião pública, desvalorizando-os social e materialmente, agravando condições de trabalho, promovendo elevados índices de precariedade e retirando atratividade à profissão; governos que, muitas vezes, desrespeitaram os sindicatos, denegrindo a sua ação e violando as mais elementares normas da negociação e da contratação coletiva, ainda que enchendo a boca de diálogo social.
Confrontados com as evidências, os governantes tiveram de reconhecer que a falta de professores não era um problema pontual, mas estrutural. Infelizmente, quando, oportunamente, a FENPROF alertou para o que já se previa, acusaram-nos de ficcionar problemas para gerar instabilidade. Indiferentes aos alertas, os governantes agravavam horários de trabalho e alteravam currículos com o único intuito de reduzir o número de docentes, medidas que até lhes permitiriam despedir contratados e remeter para a requalificação, antecâmara do desemprego, milhares dos do quadro.
Irresponsavelmente, aconselhavam os jovens professores a emigrar e as instituições de ensino superior a dedicarem-se à formação de outros profissionais. Dessa postura não houve responsabilização, mas há consequências que hoje se abatem sobre as escolas e a sociedade, afetando milhares de alunos que, no final de cada ano, contabilizam semanas ou meses de aulas em falta.
Só não viu quem não quis o abandono de milhares de jovens professores, a par do envelhecimento da grande maioria. Deveriam ser responsabilizados os que, por negligência ou dolo, não atuaram no tempo devido, mas, como sabemos, é sempre mais fácil apontar o dedo a quem alerta e denuncia, até porque os governantes contam com o colinho de vários comentadores de serviço que branqueiam as suas políticas e os reabilitam socialmente.
A falta de professores é um problema, mas outros há que têm estado na origem de muitas das dificuldades que a escola, a Escola Pública em especial, tem vivido, tais como o subfinanciamento, o modelo de gestão ou a progressiva municipalização.
No entanto, apesar das contrariedades, os profissionais da Escola Pública continuam a dar respostas de grande qualidade que, em nada, ficam aquém das que são dadas no privado. A Escola Pública continua a responder a todos os seus alunos, independentemente das diferenças e necessidades, enquanto a esmagadora maioria dos privados atua em contextos homogéneos, por si selecionados e anda à boleia dessa mentira que são os rankings.
Rankings que distorcem a realidade, dificultam o trabalho das escolas, discriminam e desmoralizam alunos, professores e famílias em vez de os estimular. Não nos surpreendemos quando se desvalorizam estudos que concluem que os alunos oriundos de escolas públicas têm mais sucesso no Ensino Superior. É que os rankings são um instrumento de classe, usado para atacar a Escola Pública.
Esse ataque tem natureza ideológica, interessando aos detratores pôr em causa o muito bom trabalho desenvolvido nas escolas públicas. Prova disso é a integração de todos os alunos nas escolas públicas, em ambientes tendencialmente inclusivos. E mesmo com falta de importantes recursos, essa integração não tem impedido a franca melhoria dos resultados escolares. Hoje são incomparavelmente melhores do que há 18 anos, em 2007, quando iniciámos a caminhada que nos trouxe até aqui. Também, então, eram muito melhores do que os verificados 33 anos antes, quando Abril despontou, acabando com uma longa noite de trevas, imposta num Estado que só de nome era novo, servido por governos fascistas.
Nestes últimos 18 anos, a melhoria dos resultados foi de sentido inverso à do investimento em Educação, o que confirma que, apesar das desajustadas políticas e da falta de investimento, os profissionais, os alunos e as famílias, superando-se, têm feito a diferença. Entre 2007 e 2024, as verbas para a Educação aumentaram 16,9%; nesse período a inflação foi de 32,65%. Em 2007 representavam 3,41% do PIB e em 2024 apenas 2,45%, menos de metade dos 6% recomendados internacionalmente e defendidos pela FENPROF.
Ademais, comparando o número de crianças/alunos de 2007, na Educação Pré-Escolar e nos Ensinos Básico e Secundário, com os de hoje, há um decréscimo de 9%; neste período, o número de docentes diminuiu 14%.
Apesar do subfinanciamento e da desproporcional redução do número de docentes, das escolas saiu a geração de jovens mais qualificada de sempre: mais pessoas com o secundário, mais no ensino superior, mais licenciados, mais mestres e doutorados. O que essa geração não tem são melhores salários, mais estabilidade no emprego e menos desemprego. Portugal é o 4.º país europeu com a taxa de desemprego jovem mais elevada e são cerca de 30% os que emigram.
Mas não ficámos por ali: o abandono escolar precoce baixou de 36,5% para 8,1%; a taxa de retenção no Ensino Básico de 4% para 1,8%; no Ensino Secundário baixou de 24,8% para 8,6%; o número de estudantes no Ensino Superior aumentou em 15,6%.
É, pois, difamatório o discurso detrator da escola, designadamente da Escola Pública, e do empenho dos seus profissionais, acusando-os de passar o tempo em lutas, prejudicando as aprendizagens dos alunos. Lutam, é verdade, mas lutam porque sabem que a desvalorização da profissão está na origem da falta de professores e essa é que prejudica as aprendizagens.
Desde 2007 houve momentos elevadíssimos de luta com resultados positivos que nos orgulham:
- Em 2008 foram as primeiras grandes manifestações, com mais de cem mil docentes, de que resultou o fim da divisão da carreira em categorias;
- Em 2013 foi a prolongada greve às avaliações de final de ano que só terminou quando o governo desistiu de, alterando horários de trabalho, transferir mais de cinco mil docentes dos quadros para a já referida “requalificação”;
- Em 2023 foram as maiores greves e manifestações de sempre, inicialmente de âmbito distrital, culminando, em 11 de fevereiro, com a maior Manifestação Nacional de Professores e Educadores realizada em Portugal, que juntou mais de 150 000 pessoas na rua, tornando inevitável a recuperação do tempo de serviço, o que veio a acontecer, embora, ainda, com insuficiências. Estas serão resolvidas com o prosseguimento da luta porque é a luta que determina os avanços. Refiro-me, concretamente, à contagem integral do tempo de serviço cumprido e consequente fim das ultrapassagens, bem como à compensação dos que não puderam recuperar.
Houve outras lutas não menos importantes, umas só nossas e outras também em convergência: acampamento junto ao ministério; caravanas, como as que percorreram o IP3 ou a EN 2; concentrações em dias de reuniões no ministério, junto à Residência Oficial do Primeiro-Ministro ou na Assembleia da República no dia e hora da aprovação de orçamentos do Estado; ações de rua em cada 5 de outubro, comemorando o Dia Mundial do Professor; plenários nacionais; cordões humanos, como o que transportou uma faixa de 1500 metros com fotografias de professores; abaixo-assinados, petições ou conferências de imprensa (recordo a dos mirtilos em que se demonstraram as injustiças existentes na progressão na carreira…); esperas a governantes… e nunca faltámos às lutas mais gerais, no âmbito da Frente Comum e da CGTP.
Os docentes têm lutado muito, é verdade, mas nunca se despersonalizaram e cumpriram, zelosa e escrupulosamente, a sua função educadora e formadora. Esse foi e continuará a ser o grande exemplo e trunfo dos professores portugueses. A nossa luta é e será sempre por melhor escola, melhor educação e gerações de jovens melhor qualificadas, tornando-se, assim, uma luta de toda a sociedade.
Uma luta que irá continuar, pois a desvalorização da profissão levou quinze mil jovens a abandoná-la, só nos últimos 6 anos. Entre 2010, antes da troyka, e 2025, o valor de escalão intermédio da carreira (5.º escalão) cresceu 10,3% e o do topo 4,5%. Nos mesmos 15 anos, a inflação foi de 31,51%. Mas a quebra salarial foi ainda superior, devido às perdas de tempo de serviço, também contribuindo para a desvalorização a degradação das condições de trabalho, desde logo o agravamento dos horários de trabalho que estão manchados por abusos e ilegalidades vários.
Outros problemas se têm arrastado por opção política dos governos. Já referi alguns, como o regime de gestão das escolas e agrupamentos ou a transferência de competências para os municípios. Mas há, ainda, a ter em conta: a falta de recursos para que a educação seja efetivamente inclusiva; a ausência de medidas no plano curricular que valorizem uma formação abrangente que prepare para o exercício pleno da cidadania e para a desconstrução do discurso populista, aquele que vem impregnado de ódio e intolerância, de hipocrisia e mentira; a falta de medidas que eliminem a indisciplina e previnam atos de violência na escola; a pulverização de medidas, alegadamente visando combater a falta de docentes, mas que mal disfarçam o problema… também estes problemas, a manterem-se, irão fragilizar a Escola Pública e degradar a qualidade da Educação Pública.
Porque não é esse o nosso objetivo, continuaremos a exigir políticas que respeitem a Escola Pública, essa importante conquista de Abril que, no essencial, tem conseguido manter vivas as suas cores, as cores da Democracia.
E já que estamos a dois dias de eleições, que ninguém se deixe enganar por discursos de liberalização da Educação que vendem uma alegada liberdade de escolha, reduzindo o papel do Estado a mero regulador. A liberdade de escolha, bandeira do neoliberalismo, não é mais do que uma tentativa de tornar gratuita ou quase a escolha elitista de algumas famílias e seletivas de alguns colégios, à custa da degradação da escola de todos. Essa é a grande aspiração da direita para manter o status quo social, económico e político, formando as elites com o dinheiro dos contribuintes. A revisão da Lei de Bases do Sistema Educativo, prevista em alguns programas eleitorais, tem essa pretensão.
Se o investimento na Escola Pública crescer e os seus recursos se reforçarem, a qualidade será sempre de nível superior para todos, não sendo criadas redomas para alguns e guetos para outros, como aconteceria com a liberalização e consequente mercantilização da Educação. Esse não é o caminho a seguir pelos que pretendem e lutam por uma sociedade solidária, inclusiva e muito mais democrática.
Falamos da Escola Pública, mas não ignoramos o que se passa no setor privado, incluindo no chamado social. Aí, a desvalorização dos docentes é ainda maior, levando à fuga de milhares para o setor público. Fuga que se deve à grande exploração, aos inúmeros abusos e à imensa falta de respeito que muitas entidades patronais nutrem pelos seus trabalhadores, designadamente educadores e professores.
Para a FENPROF não há professores de primeira e de segunda e, no público ou no privado, carreiras, salários e condições de trabalho deverão ser semelhantes. Isso não se confunde com a defesa da Escola Pública, nos exatos termos em que a Constituição da República a consagra: democrática, de qualidade, para todos, inclusiva e cuja promoção é dever do Estado.
A intervenção e importância da FENPROF não se esgota na Educação Pré-Escolar e nos Ensinos Básico e Secundário, sendo cada vez mais reconhecida e ouvida também no Ensino Superior e na Ciência.
Nestes setores, como nos demais, há um problema de subfinanciamento crónico que se arrasta há anos. Acumulam-se problemas que decorrem da desvalorização e do envelhecimento dos profissionais, da falta de democracia na gestão das instituições e de outras dificuldades que resultam de um regime jurídico cuja revisão não pode servir para consolidar o que deveria ser alterado. Nestes setores, há um problema que se destaca e a FENPROF, como organização sindical, não o esquece, tendo no topo das prioridades a sua resolução: a precariedade que afeta docentes e investigadores. Docentes que são tratados como falsos convidados e investigadores considerados descartáveis que, após algumas utilizações, são, simplesmente, despejados no desemprego. Deveriam envergonhar-se os governantes quando elogiam o sistema científico e tecnológico nacional, ignorando que são eles e as suas políticas os principais causadores das entropias desse sistema.
Registámos quem, no Parlamento, antes da dissolução, impediu a criação de um regime transitório de integração na carreira dos investigadores com vínculos precários, atirando milhares para o desemprego.
Falando de professores e educadores, também falamos dos que já se aposentaram. São milhares todos os anos e deverão merecer uma atenção e um tratamento dignos por parte dos governos, mas não lhes tem sido dado.
Muitos desses colegas lutaram pela democracia, enfrentaram os governos fascistas e os seus esbirros da pide, da legião portuguesa ou da mocidade portuguesa, Criaram e envolveram-se nos Grupos de Estudo que foram o embrião de uma FENPROF que deles se orgulha e os homenageia. Foram esses colegas que, derrotado o fascismo, construíram a Escola Democrática, tornada possível pela Revolução dos Cravos, que abriu portas e oportunidades a todas as crianças e jovens e a muitos adultos.
Foram muitos desses docentes, hoje aposentados, que se envolveram nas lutas em defesa da Escola Pública e nas lutas contra a ingerência da troyka no nosso país e as políticas que provocaram desemprego, reduziram salários, congelaram carreiras e empobreceram os portugueses e Portugal. Nesse grupo, encontramos milhares de docentes que não recuperaram o tempo de serviço perdido e pelo qual também lutaram. Recuperação não conseguida antes por obstinação e subserviência a Bruxelas dos governos de António Costa. A luta conseguiu os resultados positivos que se conhecem, mas podem crer, colegas, que a FENPROF não deixará cair a exigência de reparação para os muitos, os milhares que, injustamente, ficaram de fora, num ato da mais pura ingratidão do governo de Luís Montenegro.
Camaradas,
Para o futuro, há um rumo que as políticas nacionais deverão seguir para melhorar a Educação e a Ciência. Um rumo que deverá suportar-se em oito elementos estruturantes:
- Um financiamento adequado que atinja, até final da Legislatura, os 6% do PIB na Educação e 3% na Ciência;
- A valorização dos profissionais da Educação e da Ciência como prioridade, tornando atrativa a profissão docente e de investigação, o que implica a urgente revisão dos estatutos de carreira de docentes e investigadores;
- A garantia de elevada qualidade na formação de docentes em todas as suas modalidades, condição necessária para garantir a qualidade do ensino;
- A aprovação de modelos democráticos de gestão, criando condições para a participação de todos nas decisões e o exercício de uma real e adequada autonomia;
- A reversão do processo de transferência de competências para os municípios, que ameaça avançar em passos largos para a total municipalização;
- A devolução de identidade às escolas e agrupamentos, desmantelando os mega-agrupamentos, esse absurdo pedagógico;
- Uma ação social escolar que garanta uma efetiva discriminação positiva, assegurando equidade no acesso e no sucesso de todos e cada um;
- A criação de condições, quer ao nível dos recursos, quer dos currículos, para que a educação seja efetivamente inclusiva não só na ótica da deficiência, mas acolhendo e respondendo adequadamente a todo o tipo de diversidade, desde a que decorre da chegada de muitos milhares de imigrantes às escolas ao indispensável respeito, por exemplo, pela identidade de género.
Sobre imigração, causa repúdio ouvir discursos marcados pelo ódio por pessoas que fogem da guerra, do terrorismo e de perseguições, que trabalham e que procuram uma vida melhor do que a que tinham nos países de origem. Discursos proferidos por políticos de um país de emigrantes, como o nosso, mas que tratam os que aqui chegam como gente espúria e descartável que se usa e devolve à procedência. Os imigrantes deverão ser tratados de forma digna, integrados e incluídos. Se deixarmos o discurso xenófobo e racista andar à solta, ainda teremos quem se atreva a propor a proibição do casamento entre portugueses e certos imigrantes, mimetizando a lei de 1935 aprovada na Alemanha nazi.
Colegas,
A valorização da profissão é importantíssima, pois [e passo a citar] “Os professores desempenham um papel crucial na concretização do direito universal à educação, enquanto profissionais do humano, com responsabilidade de orientar e acompanhar os percursos de formação de cada aluno. A relação professor-aluno é [por isso]um dos mais importantes patrimónios comuns da humanidade”. Este é um excerto do apelo feito às organizações internacionais, em particular à UNESCO para que reconheça a relação professor-aluno como património da humanidade. Um apelo que conta com os contributos importantíssimos, quiçá, determinantes de António Sampaio da Nóvoa, David Edwards e Isabel Batista, contando com o apoio e envolvimento da FENPROF, que tudo fará para que o justo reconhecimento se torne realidade.
Uma relação que deve contribuir para o desenvolvimento de competências e valores académicos, mas, também, socioemocionais e de cidadania, onde educar para a Paz é, hoje ainda mais, importante missão dos professores. O mundo em que vivemos está cada vez mais perigoso e irrespirável e não só por causa dos graves atentados ambientais, também devido às guerras. Guerras que provocam mortos, feridos, destruição, fim da vida social tal como a aprendemos e praticamos; que elimina a vivência democrática e substitui adversários por inimigos; que faz crescer sentimentos de intolerância e semeia ódios.
O cheiro a destruição vai invadindo as nossas casas. Entra por écrans que quase nos tornam indiferentes a mísseis, drones assassinos, corpos trespassados por estilhaços, esmagados sob escombros, espalhados à beira da estrada ou que sucumbem, cedendo à fome e à doença. Porque os senhores que a decidem são poupados e lucram com ela, o investimento na Paz é substituído por gastos com a guerra: 800.000 milhões de euros para armar a Europa; orçamentos dos Estados com elevadas verbas para armamento; reservas alimentares e medicamentosas em casa, fazendo crescer o sentimento de medo e também a ideia da inevitabilidade; militares não para manter a paz, mas para sustentar a guerra, sabendo-se que esta, na sua gula, se alimenta de cadáveres, sobretudo jovens.
Incluindo a Segunda Guerra Mundial até às atuais já morreram mais de 100 milhões de pessoas vítimas de guerras como a colonial portuguesa, a do Vietname, a guerra civil em Angola, em Timor-Leste, no Sahara Ocidental, no Iémen, no Tigré, em Myanmar, no Golfo, no Iraque, no Afeganistão, em Caxemira, na Ucrânia ou na Palestina, neste caso não se tratando de uma guerra, mas de uma tentativa de genocídio à vista de todos. A destruição e o desespero evidentes nas imagens, a desnutrição extrema de mais de um milhão de crianças à beira da morte, a falta de assistência médica e de medicamentos, o assassinato de profissionais de saúde, de jornalistas, de membros de missões humanitárias e da ONU são atos terroristas do Estado de Israel e do criminoso governo sionista que o serve. A UE limita-se a manifestar alguma preocupação, a NATO não reconhece o genocídio e Portugal continua a não reconhecer o Estado da Palestina.
Para além dos mortos, há ainda, atualmente, mais de 110 milhões de deslocados pelas guerras e milhões de feridos, deficientes e desaparecidos.
Estes números correspondem a pessoas. Pessoas que, quando falta a luz, não se sentam no carro a ouvir rádio e a carregar o telemóvel, nem vão limpar as prateleiras dos supermercados comprando enlatados, águas e fogões a gás, refugiam-se em bunkers escuros e mal-cheirosos; não ouvem as vozes alegres dos jovens por saírem mais cedo da escola, sofrem com o silêncio que só é quebrado pelo som estridente das sirenes e da destruição; não ficam preocupados com o estado dos ovos no frigorífico, temem encontrar a sua casa ou, até, o abrigo precário reduzido a escombros; não esperam que retome a rede do operador para falar com os amigos, anseiam por encontrar vivos os amigos e os familiares.
Defender a Paz não é tomar partido por qualquer beligerante. Educar para a Paz é desígnio da Declaração Universal dos Direitos Humanos, recomendação da UNESCO, da UNICEF e da IE e apelo de muitos estados, incluindo o Vaticano.
Neste contexto é ainda mais importante o papel dos professores e da escola, da Escola Pública em especial, daí acompanharmos, como habitualmente, as palavras de António Sampaio da Nóvoa: “É tempo de dizer não! Não à degradação da Escola Pública. Não à menorização dos professores. Não a um país sem futuro”. Recordando Sophia de Mello Breyner, concluiu Nóvoa: “Perdoai-lhes Senhor, porque eles sabem o que fazem!”.
Se o Senhor, na sua omnisciência, talvez lhes perdoasse, nós não perdoamos. Lutaremos pelo futuro e, por isso, acompanhamos o Secretário-Geral da IE, David Edwards, quando afirmou que a Educação não pode esperar mais e destacou a importância dos sindicatos para uma recuperação sustentável e democrática da Educação. Cito-o: “Após décadas de negligência, a Educação não pode mais esperar. Há uma necessidade urgente de mobilização. Não há um dia que passe sem que eu fique impressionado e honrado pelo comprometimento dos professores e dos seus sindicatos. Somos poderosos. Somos resilientes. A solidariedade é o nosso desafio e a nossa missão”, disse David Edwards.
Completamente de acordo, David, a Educação não pode esperar mais, adiada por despesas destinadas a sacar votos, por políticas inscritas na agenda neoliberal ou pelos volumosos gastos anunciados para a guerra.
A Paz e o entendimento pelo diálogo deverão ser o sonho de cada um de nós, como imaginou John Lennon, afirmou Martin Luther King, também ele um sonhador, e concretizou Nelson Mandela que nos deixou um extraordinário legado de paz, coragem e união.
Camaradas,
Como é público, após este 15.º Congresso deixarei de exercer o cargo de Secretário-Geral. Agradeço aos professores e professoras que, nestes 18 anos, me ajudaram nas funções que me foram confiadas. Procurei honrá-las, sendo porta-voz de posições que construímos e defendemos juntos. Foi esse exercício coletivo que fez sempre a diferença e tornou a FENPROF na organização que é. Coletivo que António Teodoro e Paulo Sucena coordenaram antes, que eu, com orgulho e caminho aberto, prossegui e que outros e outras continuarão com entrega, dedicação e sabedoria. Certamente de forma diferente, mas respeitando os mesmos princípios, valores e objetivos que continuam a ser os fundadores desta grande organização sindical.
Em 2022 decidimos inovar, avançando com uma coordenação diferente das anteriores, composta por um secretário-geral e dois secretários-gerais adjuntos. Correu muito bem porque colaboração e lealdade selaram a nossa relação. Para o próximo mandato, trazemos uma proposta que constitui outra novidade: uma coordenação que, continuando a ser colegial, conte com dois secretários-gerais, cuja experiência de trabalho conjunto foi adquirida nos últimos três anos, bastando-lhes aprofundá-la e consolidá-la. Quanto à colegialidade, é prática bem-sucedida nos nossos sindicatos, onde a praticamos; em relação aos camaradas propostos, porque os conheço bem do trabalho que fizemos, sei que darão a excelente resposta que os professores esperam e necessitam.
Para o futuro, continuaremos a valorizar o importante papel das mulheres na nossa profissão, pelo que se proporá que o órgão máximo de direção entre congressos, o Conselho Nacional, continue a ser presidido por uma professora. E, se houver consenso entre os Sindicatos, no próximo mandato as representações na executiva da CGTP e no plano internacional continuarão a ter o rosto de professoras. Não o fazemos por folclore, nem por imposição estatutária ou legal. São opções naturais que decorrem do elevado grau de envolvimento das professoras na vida da FENPROF.
Caros e Caras Colegas,
A saída não é abandono porque não poderia abandonar quem tem 46 anos e 10 meses de sindicalizado, mais seis meses do que tempo de serviço; quem integrou os primeiros corpos gerentes do SPRC, em 1982, e no 1.º Congresso Nacional dos Professores, constituinte da FENPROF, foi delegado e eleito para o Conselho Nacional; quem se dedica ao sindicalismo a tempo inteiro há mais de três décadas sem se fechar em gabinetes, antes mantendo uma estreita relação com aqueles que temos a responsabilidade de representar; quem, durante dezoito anos, assumiu a função de Secretário-Geral da FENPROF e a representou, durante dezasseis, na Comissão Executiva da CGTP, passando, ainda, década e meia, pelo Conselho Nacional de Educação.
A nossa FENPROF foi e continuará a ser trabalho nas escolas, debate, reflexão, construção, negociação, mobilização e luta. Será tudo isso, mas continuará a reservar tempo e espaço para o Concurso Literário, já na décima terceira edição, homenageando António Gedeão, Urbano Tavares Rodrigues e todos os professores e professoras que são escritores; para a Corrida do Professor e da Educação que irá, este ano, para a sétima edição, tendo crescido de uma para a seguinte; para a organização de um Ciclo de Debates que teve, na 5.ª edição que terminou há duas semanas, a participação regular de mais de 2200 colegas sindicalizados; tempo e espaço para criar o Centro de Formação José Salvado Sampaio e modernizar o Centro de Documentação; para organizar encontros, seminários, conferências e outras iniciativas fundamentais para a reflexão, o debate e a elaboração de propostas que são, depois, os objetivos da ação reivindicativa de docentes e investigadores; tempo e espaço para a solidariedade com os outros trabalhadores, para com pessoas que lutam por causas justas, como as do ambiente, o combate à pobreza e à exclusão ou pelo reconhecimento dos mesmos direitos para todas as pessoas, sem discriminações de tipo algum, bem como para a solidariedade internacional com aqueles que sofrem e são vítimas da maldade humana.
Colegas, Amigos e Camaradas
Para terminar vamos, em cinco minutos, revisitar momentos que marcaram estes dezoito anos. Houve outros, mas não cabem todos. Justificava-se que fossem acompanhados por música revolucionária, mas optei por uma balada coimbrã, quebrando o politicamente adequado e o sindicalmente correto. Pretendo, com a escolha, agradecer à organização que me fez sindicalista, o SPRC, e homenagear a cidade que me adotou há cinquenta anos.
Agradecer e também homenagear os e as colegas que deram vida às ações que as imagens registam. A balada é uma, entre outras, cantada pelos estudantes que passam por Coimbra.
Estudantes de uma Academia com 138 anos, da qual vários de nós fomos dirigentes de secções culturais ou desportivas, de uma vetusta Universidade que se orgulha dos 735 anos, já completados, e que há 12 anos é Património Mundial da Humanidade. As imagens são de todos nós.
Viva a luta dos educadores, dos professores e dos investigadores!
Viva a Escola Pública!
Viva o 15.º Congresso da FENPROF!
Viva a Federação Nacional dos Professores!