Camaradas de luta,
Permitam-me que inicie esta intervenção, convocando para o efeito palavras proferidas num outro tempo, por alguém que olhou de forma profunda o seu tempo, mas cuja visão, estou convicto, apesar das devidas diferenças, continua a manter toda a sua actualidade para pensarmos o nosso tempo. Cito:
«Se o desenvolvimento da civilização, entendida como acima, só por si, pode conduzir ao automatismo e à consequente escravização do homem, o que nos é mostrado pela civilização capitalista actual, é isso devido, não a um alto mas sim a um baixo grau de cultura que permite que os meios de progresso sejam utilizados num ambiente de completo abandono dos objectivos superiores da vida.
E esse abandono, e a adulteração que se lhe segue, só podem ser evitados pelo reforçamento intenso da cultura; esta aparece-nos assim como um condicionador e correctivo constante da marcha da civilização». (A cultura integral do indivíduo, p. 51) Fim de citação.
As palavras que acabo de ler são da autoria de Bento de Jesus Caraça, homem íntegro, eminente economista, matemático, estatístico, demógrafo e pedagogo, um dos fundadores do MUNAF, que, mais tarde, dará origem ao MUD, fundador, juntamente com outros professores da Gazeta Matemática [1940] e da Biblioteca Cosmos [1941], tendo sido proferidas por ocasião da sua famosa conferência «A cultura integral do indivíduo — problema central do nosso tempo», realizada na União Cultural «Mocidade Livre» em Maio de 1933, posteriormente publicadas nos Cadernos Seara Nova. Palavras sábias que desmontam a contradição entre suposto, cito «desenvolvimento da civilização» e o «baixo grau de cultura» e alertam para a necessidade imperiosa de «reforçamento intenso da cultura».
E talvez por isso também não seja demais lembrar neste Congresso que o regime fascista não perdoou Bento de Jesus Caraça, homem livre, nascido numa família de operários, «um intelectual militante» na justíssima acepção tão bem proposta e explanada por Manuel Gusmão. Sim, pela sua dedicação ímpar à classe operária e aos trabalhadores, também este professor foi preso pela PIDE e, posteriormente, demitido do seu lugar de professor catedrático [ISCEF, em 1946].
Enfim, uma resistência que foi sempre uma luta pela pela formação integral, pelo progresso, pela educação, pela cultura… uma cultura alternativa, é certo, projecto de liberdade e de democracia!
Camaradas de luta,
Se lembrar Bento de Jesus Caraça e o seu exemplo, é razão bastante para o referir neste Congresso de Professores — sim a luta contra o esquecimento, como bem afirmou a FENPROF durante as comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, é uma questão decisiva do nosso tempo e também da nossa acção reivindicativa! — confesso trazer também estas palavras por uma outra razão.
Camaradas de luta,
Artigo 73.º, Ponto 1,
«Todos têm direito à educação e à cultura.»
Em boa hora quis a nossa Constituição da República Portuguesa saída de Abril — esse horizonte de esperança que, muito em breve assinalará o seu 50.º Aniversário e que estou certo a nossa Federação continuará a celebrar e, sobretudo, a exigir que se cumpra — que a Educação e a Cultura estivessem irmanmente ligadas no mesmo artigo.
E se muitas são as transformações, neste 51 anos de democracia, em sentido positivo — lembre-se bem as taxas de alfabetização antes e depois de Abril — não podemos deixar de nos interrogar sobre o “estado da arte”.
Dito de outra forma, quando tantos, com responsabilidades, fazem-se de surpreendidos pelo “estado das coisas” junto de crianças e jovens ou o estado da Democracia no momento presente, talvez valesse a pena que se olhasse para o estado da educação e da cultura, cujos direitos constitucionais que, apesar do esforço e dedicação dos seus trabalhadores, continuam por cumprir!
Camarada de luta,
Um elemento preciso, mas seguramente indispensável para a garantia de uma efectiva Escola Pública, democrática, de qualidade, gratuita, inclusiva e para todos, e diria, para enfrentar os desafios do presente e criar uma cultura alternativa, passa certamente por um olhar também de uma outra forma para a educação artística!
E ainda que a educação artística não se esgote no ensino artístico especializado, é urgente também uma intervenção decidida neste âmbito, com soluções há muito apontadas pela FENPROF, e que passam inevitavelmente pela criação de uma verdadeira rede pública de Ensino Artístico Especializado e pela valorização dos seus trabalhadores.
Camaradas de luta,
Como bem propõe a Proposta de Resolução sobre a Acção Reivindicativa, apresentada pelo SN da FENPROF:
- Urge a alteração da lógica de financiamento do ensino artístico, investindo no sistema público e expandindo essa rede, bem como promovendo novas valências de formação artística nos agrupamentos de escolas e nas escolas do ensino secundário não agrupadas;
- Urge reforçar em número e valorizar um conjunto de profissionais, alguns que durante anos permaneceram na sombra e outros ainda continuam. É inaceitável a situação deste logo dos professores — sim, professores — de Teatro e Expressão Dramática que exigem a criação de um grupo de recrutamento e que estão numa situação de inaceitável discriminação e precariedade.
São também inaceitáveis os vários e complexos problemas que os docentes da Dança e Música enfrentaram no final do último ano letivo, com atrasos verificados na abertura de concursos e vários atropelos, prontamente denunciados pela FENPROF.
Ou a Situação dos docentes das Artes Visuais e Audiovisuais — área em que se pasme, temos apenas duas instituições cuja fundação remontam ao tempo da I República e mesmo da Monarquia — , que embora tendo conseguido, com a decidida intervenção da FENPROF, a criação de um sistema de selecção e recrutamento ordinário ainda aguardam que se cumpra integralmente o que ficou acordado, agora com a abertura de novo concurso ordinário e a definição dos grupos de recrutamento.
Mas camaradas de luta,
Não nos iludamos, para este e outros desígnios, em que mais uma vez a nossa Federação continuará a ser a vanguarda, é urgente continuar a reforçar a organização sindical de base, designadamente entre os docentes que trabalham nalgumas das áreas evocadas e outras.
Fazendo sindicalizar outros, propondo-nos ou fazendo eleger e delegados sindicais nos núcleos sindicais de base, contribuindo desse modo para a vitalidade da nossa rede de quadros sindicais, delegados e dirigentes sindicais, a verdadeira força motriz da nossa Federação — rede, cujo exemplo, remonta ao período dos Grupos de Estudo que daqui homenageio.
Camaradas de luta,
Permitam-me que termine esta intervenção, com Poesia, socorrendo-me dos versos de Maria Velho da Costa, em «Essa Lei»:
Mas destruir estas tábuas seria
destruir algo daquilo em que sempre
fomos grandes – a capacidade de inscrever
o sonho realizável
Sim, camaradas o nosso sonho de uma escola pública, democrática, gratuita, de qualidade, inclusiva e para todos, e de uma cultura democratizada, tanto no plano da criação como da fruição, é mesmo realizável!
Viva a Educação e a Cultura, direitos constitucionais saídos da Revolução de Abril!
Viva a Escola Pública!
Viva o 15.º Congresso Nacional dos Professores!
Viva a FENPROF!