Intervenções
15.º Congresso

Manuel Carlos Silva (SPN): Professores/as: identidade de classe e algumas propostas e reivindicações básicas  

22 de maio, 2025

A identidade coletiva dos professores/as é algo que deve ser entendida a partir da sua condição social objetiva como trabalhadores/as qualificados assalariados/as e não como membros da classe média, como se sustenta numa perspetiva estruturo-funcional e se difunde no senso comum e nos media, mas tão pouco como membros da pequena burguesia, como pretendem outros. Porém, ela é também resultante duma construção social, em que os professores/as, sendo protagonistas no processo educativo e valorizados, em regra, pelos próprios estudantes e suas famílias, não têm sido reconhecidos/as e valorizados/as pelos poderes instituídos, seja o patrão privado, seja a tutela ministerial em termos materiais e estatutários, simbólicos.

Por parte de ideólogos e poderes instituídos e, em particular, pelos governos é proclamada a retórica da importância da educação numa sociedade democrática, alegadamente assente na igualdade de oportunidades como via de acesso à realização pessoal, à seleção dos melhores com base no mérito, ao nivelamento social e à própria mobilidade social ascendente. Porém, tal não adere à realidade social, a qual evidencia que, não obstante os avanços de maior democratização educativa proporcionados pelo 25 de Abril de 1974, a sociedade continua fortemente desigual não só por diversas classes de origem e pertença, como pelas diferenciadas oportunidades de acesso e sucesso educativo nos vários níveis. As desigualdades no campo económico, cultural e político marcam as desiguais oportunidades de progressão no campo da educação.

Relativamente ao Programa de Ação, cabe-me fazer uma proposta simples e umas quantas anotações que considero relevantes nos tempos atuais. Quanto à proposta de alteração, trata-se de substituir na página JF17 e linha 64 a expressão “A resistência durante a negra noite fascista” por “A resistência durante a terrífica noite fascista”, dado que o termo negra/o quer como substantivo, quer como adjetivo nomeadamente na referida expressão, não tem que ter uma conotação extremamente negativa, como é o caso.

Quanto às anotações, como docente aposentado do ensino superior, importa relevar os problemas do ensino superior e da investigação, designadamente o subfinanciamento, os cortes na ciência nomeadamente nas verbas da FCT, a precariedade dos jovens investigadores/as, a fragmentação e competição exacerbada entre docentes em concursos, o que, além de criar mau ambiente, dificulta a emergência de consciência de classe e de ação coletiva.

No que concerne a educação da infância em creches e jardins de infância, assim como a educação pre-escolar, importa não reivindicar apenas o alargamento desta mas sim universalização deste nível de educação em termos públicos e gratuitos, o que, tal como o demonstram estudos como o de Esping-Andersen em seu livro Três Lições do Estado-Providência (2009), se configura não como um gasto mas como um investimento, que, além de compensar ou contrariar as desvantagens das origens das classes desprovidas, liberta as mulheres-mães para as suas carreiras profissionais e respetivos descontos para a reforma.

Relativamente a problemas de professores/as aposentados/as, impõe-se o aumento das  pensões, nomeadamente das mais baixas, considerando que o ritmo do custo de vida e da inflação tem superado e em muito os módicos aumentos das pensões.     

E, por fim, na era do esmagador neoliberalismo, os processos intensivos de individualização e atomização dos atores sociais com a respetiva competição entre escolas expressas nos famigerados rankings conduzem, também por via da manipulação e até de massacre dos media e das redes digitais, a uma crescente influência da ideologia meritocrática sobre os cidadãos/ãs, nomeadamente sobre adolescentes e jovens. Neste quadro, importaria introduzir, para além da cidadania as Escolas EB2/3, uma disciplina transversal no ensino secundário em torno das correntes no pensamento, nomeadamente no campo das ciências sociais, a saber, sociologia, antropologia e ciência política, sendo sugerida a designação de Sociedade, Cultura e Política. Enquanto ex-presidente da Associação Portuguesa de Sociologia (APS), aliás na sequência de outras direções, tentei expor em 2012 esta proposta junto do Ministro Nuno Crato, o qual nem ele próprio nem o seu chefe de gabinete se dignaram receber a Direção da APS, alegando noutras intervenções uma hierarquia de disciplinas em que a Sociologia e outras áreas sociais do saber não seriam ciências. Contrariamente ao pós 25 de Abril em que havia pelo menos a disciplina de Introdução à Política, esta recorrente obstrução à implementação da disciplina sugerida – a qual deveria ser atribuída e lecionada designadamente por sociólogos/as, antropólogos/as e cientistas políticas –,  não ocorre por acaso, mas serve para manter os jovens despolitizados e/ou alienados pela ideologia meritocrática. 

No quadro da exigência de uma educação plural e crítica, importa também, a nível da maior organização de reflexão e ação coletiva que é a FENPROF e seus vários sindicatos, que haja a abertura e o diálogo entre as diversas tendências e sensibilidades para, no respeito pela diversidade e na base da unidade, se alcancem os objetivos da FENPROF e as justas reivindicações dos professores/as, educadores/as e investigadores/as.

Em síntese, uma das precondições de uma maior democraticidade educativa consiste em ter professores/as e investigadores/as qualificados/as e motivados/as nas suas atividades, o que só poderá ter lugar quando sejam asseguradas dignas remunerações e demais condições de trabalho, o combate à precariedade, um tratamento equitativo de estabilidade e progressão na carreira docente e de investigação, o que não tem sido apanágio dos sucessivos governos, quer do PSD/CDS ao reduzir investimento na educação e da ciência, quer do PS, ao ter recusado a negociação sobre a contagem do tempo de serviço dos professores/as.

Vivam os professores/as, educadores/as e investigadores/as!

Viva a FENPROF!

Lisboa, 17 de Maio de 2025