Intervenções
15.º Congresso

Anabela Sotaia (Secretariado Nacional): Aprendizagem ao Longo da Vida: Um Direito, Um Compromisso, Uma Urgência

20 de maio, 2025

Falar hoje de Aprendizagem ao Longo da Vida (ALV) é falar de um princípio essencial da educação. Não como algo acessório, mas como um eixo estruturante de qualquer projeto educativo que se queira justo, equitativo e verdadeiramente transformador. Mais do que uma política educativa setorial, a ALV representa uma visão integrada e transformadora de desenvolvimento humano, articulando dimensões pessoais, profissionais, culturais e sociais. É, acima de tudo, um direito humano fundamental — um instrumento de emancipação individual, de cidadania e de afirmação da dignidade pessoal. Envolve um processo contínuo e inclusivo de aquisição de conhecimentos, competências e atitudes, de forma permanente e ao longo de toda a vida, desde a infância até à velhice, e acontece em todos os contextos: na escola, no trabalho, na família, na comunidade, ou até no espaço digital.

Contudo, apesar de hoje em dia ser promovida por muitas organizações internacionais — com destaque para a União Europeia —, nem sempre essa valorização assenta numa perspetiva emancipadora ou humanista. A ALV é frequentemente instrumentalizada por lógicas economicistas, centradas na gestão de recursos humanos e na adaptação às exigências do mercado de trabalho. Em vez de autonomia, promove-se adaptabilidade; em vez de desenvolvimento integral, produtividade. Esta abordagem reduz a educação a uma função utilitária e fragiliza a sua dimensão crítica e formadora de cidadania.

Em Portugal, apesar de terem sido dados passos importantes, nomeadamente através da Educação e Formação de Adultos (EFA), dos Centros Qualifica e do Sistema de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências, a eficácia destas políticas tem sido comprometida por uma abordagem fragmentada e intermitente, aliada a um investimento insuficiente e pouco sustentado, tanto ao nível do financiamento como dos recursos humanos.

Os dados são reveladores: em 2023, apenas 9,5% dos adultos portugueses participaram em atividades de aprendizagem, abaixo da média europeia (11%) e muito aquém de países como a Suécia, Finlândia ou os Países Baixos, onde os valores superam os 20%. Esta disparidade não se explica apenas por questões orçamentais. Ela revela sobretudo a ausência de uma cultura enraizada de valorização da aprendizagem ao longo da vida, suportada por políticas públicas coesas, intersetoriais e permanentes.

O mais recente relatório da OCDE sobre as competências dos adultos (PIAAC 2023) reforça este diagnóstico: cerca de 30% dos adultos portugueses apresentam baixos níveis de proficiência em literacia, numeracia e resolução de problemas — um valor muito acima da média da OCDE, que é de 18%. Esta realidade compromete não apenas o desenvolvimento pessoal e profissional dos cidadãos, mas limita o progresso coletivo e fragiliza a coesão social do país.

É por isso que a FENPROF e a Internacional da Educação defendem uma visão clara da ALV como um direito social essencial, com uma função emancipadora, crítica e centrada nas pessoas. Uma ALV que seja:

- Contínua, sem restrições de idade ou contexto;

- Flexível, adaptando-se às realidades, ritmos e interesses de cada indivíduo;

- Inclusiva, garantindo o acesso de todos, independentemente da sua origem social, género, território ou condição física;

 - Significativa, com ligação aos problemas concretos da vida e que promova a autonomia, colocando os aprendentes no centro do processo educativo.

No entanto, para cumprir este potencial transformador, é necessário ultrapassar barreiras estruturais permanentes que se têm verificado ao longo do tempo. Ao nível da governação, a inexistência de um Plano Nacional de ALV, a dispersão de responsabilidades entre diferentes ministérios e a crónica escassez de recursos têm dificultado a construção de uma política coerente e eficaz. A ALV continua a ser tratada, muitas vezes, como medida compensatória, e não como estratégia central para o desenvolvimento educativo, social e económico do país. Para os adultos aprendentes, os obstáculos são múltiplos: medo de regressar à escola, desmotivação resultante de experiências negativas anteriores, falta de tempo, transportes, ou apoio familiar. Estas dificuldades afetam especialmente os grupos mais vulneráveis, aprofundando as desigualdades existentes. Por outro lado, a sociedade portuguesa ainda não desenvolveu uma cultura coletiva que valorize verdadeiramente a aprendizagem permanente. A própria digitalização da vida social e profissional, em vez de promover inclusão, tem ampliado desigualdades, deixando à margem os que não têm acesso a dispositivos, competências ou redes de apoio.

Perante este cenário, a FENPROF tem assumido, de forma consistente, a defesa de uma política sólida e coerente de educação e formação de adultos, alicerçada nos princípios da justiça social, da inclusão e da valorização profissional. Entre os seus eixos prioritários destacam-se a defesa da gratuitidade e do acesso universal à aprendizagem ao longo da vida, a valorização dos docentes e formadores, através de contratos estáveis e formação específica, e a integração plena da ALV no sistema educativo público, recusando a sua privatização ou subcontratação.

É fundamental avançar com propostas claras e exequíveis. A criação de um Plano Nacional de Aprendizagem ao Longo da Vida, com articulação interministerial deveria ser o ponto de partida. É, igualmente, urgente reforçar e valorizar os Centros Qualifica, assegurando estabilidade financeira, recursos humanos qualificados e cobertura territorial alargada.

Devem ser promovidas campanhas públicas de sensibilização que valorizem a ALV e contribuam para mudar mentalidades, apresentando exemplos inspiradores e reconhecendo os percursos dos aprendentes. A eliminação de barreiras económicas e logísticas passa pela atribuição de apoios sociais aos formandos adultos, nomeadamente no transporte, alimentação e incentivos à frequência regular. É também necessário criar mecanismos de certificação acessíveis e credíveis para as competências adquiridas ao longo da vida, valorizando os saberes de experiência feitos.

Estas medidas exigem, porém, vontade política, visão de futuro e ação coletiva. A ALV não é um luxo, nem uma ideia abstrata — é uma resposta necessária aos desafios do nosso tempo: a transição digital, o envelhecimento da população, as desigualdades sociais, o direito à educação plena.

Mais do que uma oportunidade, a Aprendizagem ao Longo da Vida é um direito inalienável de todas e todos, independentemente da idade, percurso ou condição social. É também um dever do Estado e uma responsabilidade coletiva, onde os professores e a FENPROF têm um papel essencial.

Aprender e ensinar ao longo da vida é libertar! E uma sociedade verdadeiramente livre educa-se sempre — em todas as idades, em todos os tempos!

 

Viva o 15.º Congresso Nacional dos Professores!

Viva a Luta dos Professores!

Viva a FENPROF!