Intervenções / Saudações
Manuela Mendonça

A crise na educação e o necessário combate sindical

04 de maio, 2013

Em nome do Departamento de Relações Internacionais da FENPROF, agradeço a todos os convidados que nos honram com a sua presença, demonstrando, mais uma vez, os laços de solidariedade, cooperação e amizade que nos unem, numa já longa caminhada em torno de valores e de objetivos comuns.

Este seminário pretende ser um espaço de encontro e de partilha de preocupações e experiências, mas sobretudo uma oportunidade para cruzar olhares sobre as estratégias nacionais e regionais de resistência – e de combate – à agenda neoliberal. 

A crise económica e financeira, que se desenvolve desde 2008, não deixou incólume o mundo da educação, verificando-se em muitos países uma acentuada degradação da situação profissional dos docentes e da qualidade da escola pública que se traduz por:

- cortes no financiamento

- congelamento de salários (ou redução efetiva, em alguns casos)

- alteração das regras de aposentação e do cálculo das pensões

- redução de vínculos e aumento de contratos precários

- alargamento dos horários de trabalho e do número de alunos por turma

- restrição de apoios a alunos com necessidades educativas especiais

- tentativas de funcionarização dos professores e de controle da sua atividade

- burocratização da avaliação do desempenho docente

- desenvolvimento de lógicas de privatização (através do financiamento público do ensino privado ou entregando a gestão de escolas públicas a empresas privadas)

- etc.

Muitos destes efeitos são visíveis em Portugal, onde sucessivos cortes têm levado a uma diminuição significativa do investimento público na Educação: só nos últimos dois anos, desceu de 5,7% do PIB para 3,9% – valor que nos atira para 1989, significando um retrocesso de 24 anos!

Em consequência, as medidas de austeridade estão a deteriorar a qualidade da educação pública, onde o impacto é sentido a vários níveis:

- redução drástica dos orçamentos das escolas e das universidades

- estreitamento do currículo, com menos horas para artes e tecnologias, atividades práticas e laboratoriais, formação cívica, etc.

- encerramento e fusão de escolas

- fim de projetos de combate ao abandono e insucesso escolares;

- aumento do número de alunos por turma e da carga letiva dos professores

- menos apoio para alunos com dificuldades

- cortes na ação social escolar, levando cada vez mais estudantes a abandonar os estudos, em particular no ensino superior

- redução drástica do número de professores: oficialmente, o desemprego aumentou 225% entre 2009 e 2011 – e este ano, mais de 30.000 estão desempregados.

Mas o ataque aos professores – e à Educação Pública – está longe de ter terminado. No âmbito de novos cortes que acabam de ser anunciados, o governo português admite poder ainda vir a dispensar milhares de professores – segundo um relatório do FMI, entre 30 a 50 mil... – número absurdo, se tivermos em conta que o universo de professores atualmente no sistema andará à volta dos 120 mil.

Os cortes orçamentais não são, contudo, a única ameaça que paira sobre a escola pública em Portugal. O chamado “ajustamento das contas públicas” obedece a um ajuste de contas ideológico com a educação democrática e com o pensamento pedagógico desenvolvidos após 25 de Abril de 1974, representando o regresso ao ensino elitista e segregacionista, com a introdução de mais exames (nos 4º, 6º, 9º e 12º anos de escolaridade), a criação de vias de ensino subalternizadas, conducentes à exclusão precoce, e o agravamento das desigualdades entre alunos e entre escolas – estas, submetidas a lógicas desleais de concorrência e transformadas em unidades sobredimensionadas, desumanizadas e pedagogicamente ingovernáveis.

Este ataque à Escola Pública insere-se – é claro – no contexto das políticas económicas e sociais que estão a ser implementadas no nosso país. A ofensiva antidemocrática ganha expressão com a crise e vê nela uma oportunidade de reverter o que for possível no plano dos direitos e das conquistas sociais. Como vários especialistas têm demonstrado, a austeridade não é uma exigência económica ou técnica – é uma opção política. Em Portugal – como na Grécia, em Espanha e em muitos outros países –, é cada vez mais claro que, sob pressão da finança e do capital, a crise está a ser usada pelos governos para levarem a cabo profundas reformas de cariz neoliberal.

De facto, as chamadas “medidas de austeridade” mais não são do que a recuperação da agenda reformadora dos anos 80. Uma agenda:

- que promove as leis do mercado em detrimento dos princípios de equidade e solidariedade, agravando a desigualdade social, a precariedade, o desemprego, a pobreza e a exclusão;

- que desresponsabiliza o Estado de funções sociais, desqualificando os serviços públicos e promovendo a sua privatização;

- que ataca os mais elementares direitos dos trabalhadores e as organizações que os representam...

São políticas regressivas, que ameaçam a satisfação de direitos humanos básicos e põem em causa todo o histórico de desenvolvimento social, representando um retrocesso civilizacional. O agravamento do desemprego – que em Portugal passou de 7,6% (em 2008, no início da crise) para 12,4% em 2011 (assinatura do memorando da troica), e agora se aproxima já dos 18% (e ultrapassa os 38% entre os jovens, condenados à emigração…) – é o indicador mais dramático da recessão económica e do aumento da insegurança e da pobreza. Nesta conjuntura, a redução dos apoios sociais é totalmente inaceitável – porque é precisamente em situações de crise que um Estado Social forte é mais necessário, com atenção privilegiada às pessoas e aos grupos mais vulneráveis.

Urge, por isso, combater e corrigir estas políticas. E neste contexto, a ação coletiva e a luta sindical ganham uma importância acrescida – não podemos pactuar com o agravamento das desigualdades, com o desrespeito pelo valor do trabalho, com o desmantelamento do Estado Social.

Enquanto expressão organizada dos interesses coletivos dos trabalhadores, os sindicatos têm de ser protagonistas centrais, ainda que não os únicos, na resistência a esta ofensiva – e têm sido. Mas a resposta sindical enfrenta hoje condições mais adversas, decorrentes, por um lado, da alteração do Direito do Trabalho – que tem enfraquecido a posição dos trabalhadores nas relações laborais e dos sindicatos enquanto parceiros sociais – mas, sobretudo, do aumento do desemprego e da dualização do mercado de trabalho entre trabalhadores estáveis e precários, do setor público e do privado, empregados e desempregados…, dificultando a agregação de interesses, a ação coletiva e o desenvolvimento de solidariedades inerentes à ação sindical.

No entanto, apesar das dificuldades, os sindicatos continuam a ter um papel fundamental na valorização do trabalho, na defesa da negociação coletiva (comprovadamente o mais eficaz instrumento de distribuição da riqueza) e no combate por um mundo menos desigual, mais justo e mais projetado para o bem-estar e para a criação de condições de vida condignas para todos.

Por tudo isto, os sindicatos são hoje mais importantes do que nunca. Mas têm de ser capazes de refletir sobre as transformações em curso e de se adaptar às novas realidades. As ações e lutas devem ser proporcionais aos resultados que delas se esperam, evitando a rotinização de práticas e o ativismo estéril de lutas sucessivas com reduzida participação, desgastantes para os que as levam a cabo e muitas vezes incompreendidas pela sociedade. Por outro lado, o reforço da eficácia da ação sindical passa por uma efetiva renovação: cultural e geracional; de política reivindicativa e formas de luta; de organização e funcionamento interno, reforçando regras democráticas na tomada de decisão e atraindo uma maior participação dos jovens – é com eles que os sindicatos podem renovar-se e preparar o futuro.

A dimensão dos ataques que enfrentamos exige ainda que sejamos capazes de contribuir para ampliar e articular o campo das resistências sociais, a vários níveis. O que podemos fazer para mudar as perceções da opinião pública, para consensualizar análises e propostas alternativas, para construir alianças e coligações, sustentadas em denominadores comuns com que todos possam identificar-se? Como pode o movimento sindical relacionar-se com outros movimentos, alguns sem estrutura organizada, desconfiados face às instituições políticas e, por vezes, aos próprios sindicatos? Como fazer para que a crise da democracia representativa resulte no aprofundamento da democracia e não ao contrário? Como reverter o rumo de empobrecimento para o qual estão a ser empurrados cada vez mais países? Num contexto em que as decisões são determinadas a nível transnacional, como pode o movimento sindical contribuir para a construção de uma resposta à escala global?

A FENPROF tem vindo a defender a urgência de ações fortes e visíveis à escala europeia, contra o desinvestimento na Educação e as políticas de austeridade. Nesse sentido, tem procurado aprofundar a convergência e o desenvolvimento de iniciativas com outros sindicatos, visando influenciar as políticas definidas e conduzidas a nível europeu.

Assim, temos participado em várias iniciativas. Refiro, a título de exemplo, três:

- na elaboração do Manifesto Europeu dos Sindicatos da Investigação e do Ensino Superior para sair da crise, que juntou em Roma sindicalistas de vários países

- numa ronda de solidariedade, na Alemanha, a convite da GEW, com colegas gregos e espanhóis

- no apelo ibérico à greve geral, em 14.novembro.2012, conjuntamente com todas as federações sindicais de professores de âmbito nacional de Espanha.

No entanto, apesar do que temos vindo a fazer, a resposta sindical à escala europeia está ainda muito longe do desejável. Temos de ser mais persistentes e mais eficazes a pressionar as instituições europeias com propostas e exigências comuns.

No âmbito da campanha da Internacional de Educação Mobilizar por uma Educação de Qualidade” ­– que vai decorrer até 5 de outubro de 2014 e na qual a IE pretende envolver todos os seus membros e outras organizações –, o Comité Sindical Europeu de Educação definiu como prioridades a necessidade de mostrar o impacto da crise na educação e o combate às tendências de privatização, nomeadamente através de alianças com parceiros educativos e outros atores sociais e do desenvolvimento de uma campanha dirigida aos eurodeputados, aquando das eleições para o Parlamento Europeu, no próximo ano. Está ainda prevista a possibilidade de outras ações a nível europeu, como a distribuição folhetos com mensagens simples e uma iniciativa mediática no próximo Dia Mundial do Professores, a realizar em vários países.

De referir, também, o Alter Summit, que tendo surgido na sequência dos fóruns sociais, constitui uma ampla plataforma europeia que junta já mais de 140 organizações, entre as quais a FENPROF e a CGTP-IN. Partindo das dinâmicas nacionais e regionais, tem como objetivo a construção de um contraprojeto europeu, apoiado por um número significativo de sindicatos e associações. Esta Cimeira Alternativa, que está a concluir um manifesto com o lema Reverter a Austeridade, Antes que a Austeridade Destrua a Democracia, vai realizar uma iniciativa, entre 7 e 9 de junho, não por acaso em Atenas, contra as imposições da troica e o domínio dos mercados financeiros e em defesa da democracia.

De uma forma ou de outra, na Europa, em África, na América…, este é um combate que vale a pena travar, reforçando a nossa acção coletiva, em unidade com outros atores e movimentos sociais, aquém e além-fronteiras. A FENPROF continuará a mobilizar o melhor da sua energia para esse combate. Em nome de uma exigência democrática e de justiça social, porque só ajudando a construir um mundo mais justo e mais solidário resgataremos a esperança num futuro melhor.

E estou certa de que, com a reflexão que hoje aqui vamos realizar, daremos mais um passo nesse caminho.

Manuela Mendonça

2/5/2012