Nacional
(Separata nº 81, DAR, de 19 de Julho de 2008)

PROPOSTA DE LEI Nº 216/X - Aprova a revisão do Código do Trabalho

11 de setembro, 2008

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(Separata nº 81, DAR, de 19 de Julho de 2008)

APRECIAÇÃO

Na generalidade

A presente Proposta de Lei, que tem por base o Acordo Tripartido sobre relações laborais, políticas de emprego e protecção social celebrado entre o Governo, as confederações patronais e a UGT, procede à revisão do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 99/2003, de 27 de Agosto, bem como da sua regulamentação constante da Lei 35/2004, de 29 de Julho.

Em primeiro lugar, salientamos que a presente apreciação se debruça exclusivamente sobre as alterações introduzidas por esta Proposta de Lei ao Código do Trabalho e à regulamentação do Código do Trabalho actualmente em vigor, o que não significa que a CGTP-IN esteja de acordo com as normas de ambos os diplomas que foram objecto de crítica aquando da sua discussão e aprovação; assim, a CGTP-IN pretende reiterar todas as apreciações então feitas e, para esse efeito, anexa a este Parecer os pareceres oportunamente emitidos sobre a Proposta de Lei nº 29/X, que aprova o Código do Trabalho, a Proposta de Lei nº 109/X, que regulamenta a Lei 99/2003, de 27 de Agosto e a Proposta de Lei n.º 35/X, que aprova a Lei n.º9/2006, de 20 de Março e altera o Código do Trabalho e a respectiva regulamentação.

O actual processo de revisão assenta no trabalho de uma Comissão nomeada pelo Governo (a Comissão do Livro Branco das Relações Laborais), no qual se desenha já claramente a intenção de prosseguir a mesma linha de orientação e aprofundar o modelo de relações laborais instituído pelo Código do Trabalho em vigor, num distanciamento acentuado das posições anteriormente assumidas pelo Partido Socialista aquando da discussão e aprovação daquele diploma, como aliás a CGTP-IN teve oportunidade de afirmar nas apreciações que oportunamente elaborou a este propósito.

No decurso do processo negocial iniciado pelo Governo na concertação social, com base nas propostas de alteração constantes do Livro Branco das Relações Laborais, e apesar dos prazos de apreciação e discussão estabelecidos serem muito reduzidos, a CGTP-IN formulou claramente as suas críticas às soluções que mereceram discordância e apresentou propostas alternativas relativamente a muitas das matérias em discussão, mas cedo se tornou claro que o Governo já tinha a sua rota traçada e não pretendia de facto negociar, mas apenas obter aprovação para a realização do seu objectivo ? prosseguir o ataque às estruturas e princípios do Direito do Trabalho, fragilizar a posição dos trabalhadores e respectivas estruturas representativas e enfraquecer os seus direitos individuais e colectivos, dando resposta às exigências do patronato; por isso, a CGTP-IN recusou subscrever o Acordo Tripartido, considerando-o manifestamente contrário aos interesses dos trabalhadores.

Com efeito, esta proposta de revisão da lei laboral funda-se manifestamente na mesma filosofia que inspirou a reforma laboral iniciada por Bagão Félix em 2002, assente no pressuposto de que a protecção conferida pelas normas do Direito do Trabalho era responsável pela falta de competitividade das empresas devido à alegada rigidez das suas normas, e que, como é sabido, operou uma alteração estrutural das leis do trabalho com reflexos profundos na própria concepção deste ramo do Direito como direito de compensação e protecção do trabalhador, alterando equilíbrios alcançados ao longo de muitos anos e enfraquecendo os direitos individuais e colectivos dos trabalhadores duramente conquistados em esforçadas lutas.

Assim, as alterações ora propostas, em lugar de, como se esperaria, significarem uma ruptura com o modelo instituído pelo Código de Trabalho em vigor, traduzem um aprofundamento desse mesmo modelo, prosseguindo a mesma aposta na individualização das relações de trabalho, no reforço dos poderes unilaterais das entidades patronais, na redução dos custos do factor trabalho, no enfraquecimento dos direitos colectivos e no total desrespeito pela dignidade dos trabalhadores, e tomando agora como justificação não só as exigências de competitividade das empresas, mas também a necessidade de combater a precariedade e a segmentação do mercado de trabalho.

Neste contexto, reconhecendo as insuficiências e desigualdades que caracterizam o nosso mercado laboral, o Governo atribui o crescimento destas desigualdades e a dualização e segmentação dos mercados de trabalho à alegada rigidez da legislação laboral, a qual, de acordo com a sua interpretação, teria provocado a necessidade da chamada «flexibilização na margem», ou seja o crescimento exponencial de formas de contratação atípicas e ilegais e da precariedade, bem como os elevados níveis de inefectividade da própria lei, e aponta como solução inevitável e incontornável uma maior flexibilização da legislação laboral.

Deste modo, a teoria de base desta Proposta ignora por completo a responsabilidade das empresas na precarização do trabalho e do emprego e na criação de um clima de insegurança e instabilidade nas relações laborais, omitindo o facto de o recurso a formas de contratação atípicas, precárias e muitas vezes ilegais não resultar das reais necessidades das empresas face à competitividade, mas visar unicamente a redução dos custos directos e indirectos do trabalho e o enfraquecimento dos direitos dos trabalhadores, de forma a dispor de uma reserva de mão de obra mais dócil, menos reivindicativa e, logo, mais facilmente manejável.

Muito convenientemente, esquece-se também que, com a aprovação do Código do Trabalho, a legislação laboral já havia sido sujeita a um processo de profunda flexibilização, mas que não foi suficiente para satisfazer os desejos do patronato mais retrógrado, já que o que se pretende de facto não é uma organização de trabalho mais flexível, mas apenas mais horas de trabalho por menos dinheiro.

Segundo o Governo, as medidas de reforma da legislação laboral preconizadas são necessárias para compatibilizar as exigências da competitividade das empresas com a valorização do diálogo social, promover a adaptabilidade das empresas aumentando os mecanismos de flexibilização da organização do trabalho e facilitar a conciliação da vida profissional com a vida pessoal e familiar dos trabalhadores, melhorar a articulação entre a lei, a contratação colectiva e os contratos individuais, dinamizar a contratação colectiva, simplificar os processos de despedimento, combater a precariedade e a segmentação do mercado de trabalho, visando com estas justificações legitimar as propostas de alteração apresentadas.

Porém, nada disto corresponde à verdade, pois nenhuma das propostas apresentadas parte de uma perspectiva de progresso e de equilíbrio nem tem a preocupação de contribuir para a dignificação do trabalho e dos trabalhadores.

Assim, segundo os seus autores, esta Proposta de Lei traduz-se essencialmente no seguinte:

1 ? Promover a adaptabilidade das empresas e facilitar a conciliação entre a vida profissional e a vida pessoal e familiar

Neste domínio, as alterações propostas, quer se trate do banco de horas, do trabalho suplementar não remunerado, da adaptabilidade grupal ou dos horários concentrados, vão no sentido de alargar os mecanismos de flexibilização do tempo de trabalho por via negocial colectiva, mas também por acordo individual, o que significa um reforço dos poderes patronais e tem como resultado um prolongamento generalizado dos tempos de trabalho e uma completa desregulação de horários, incompatíveis com a conciliação entre actividade profissional e vida pessoal e familiar, além de implicar reduções salariais e realização de trabalho não remunerado, porque a adaptabilidade de horários prevista permite mais horas de trabalho sem o acréscimo de custos decorrente do pagamento de trabalho suplementar ? aliás, o Ministro do Trabalho reconheceu o objectivo de reduzir os custos do trabalho quando afirmou, em entrevista ao Diário Económico de 27 de Julho, que «um modelo de economia saudável não pode passar pelas horas extraordinárias», ignorando (ou simulando ignorar) o facto de, devido ao baixo nível de salários praticado entre nós, a retribuição das horas suplementares prestadas constituir uma parcela significativa de muitos orçamentos familiares.

Por outro lado, verificamos que nenhuma das propostas apresentadas em matéria de flexibilização de tempo de trabalho tem em conta os interesses dos trabalhadores ou o princípio da conciliação da vida profissional com a vida pessoal e familiar. Pelo contrário, as diversas alterações propostas são claramente inconciliáveis com as necessidades diárias e regulares da vida das famílias.

Não podemos também deixar de salientar que as alterações preconizadas em matéria de direitos dos pais e mães trabalhadores e de promoção da partilha de responsabilidades parentais e da igualdade entre os progenitores se centram quase exclusivamente no primeiro ano de vida das crianças, ignorando que estas necessitam de atenção e acompanhamento diários ao longo da infância e mesmo da adolescência, claramente inconciliáveis com períodos de trabalho longos, irregulares e que podem ser constantemente modificados ao sabor das necessidades e interesses das empresas.

Neste sentido, a proposta de lei em apreciação não contém nem reflecte uma verdadeira politica de conciliação, mas pelo contrário concretiza um conjunto de medidas em matéria de organização de tempo de trabalho claramente incompatíveis com o princípio da conciliação.

2. A melhoria da articulação entre a lei, a contratação colectiva e o contrato individual de trabalho

Na realidade, não se verifica qualquer melhoria nesta matéria, pois não só não se procede à reposição do princípio do tratamento mais favorável, como se continua a promover o progressivo enfraquecimento daquele que é um dos princípios basilares do direito do trabalho enquanto direito de protecção do trabalhador.

Uma das alterações estruturais introduzidas pela reforma de Bagão Félix foi precisamente a subversão do princípio do tratamento mais favorável, quando a lei deixou de constituir o limite mínimo abaixo do qual as normas convencionais não têm eficácia, permitindo-se que a convenção possa modificar a lei para melhor ou para pior.

Ora, a presente Proposta, ao completo arrepio daquilo que o próprio Partido Socialista defendeu durante a discussão do Código do Trabalho, prossegue este mesmo caminho de aniquilação do princípio do tratamento mais favorável no que à contratação colectiva se refere, transformando agora o princípio em excepção e a excepção em regra.

3. Dinamização da contratação colectiva e valorização do diálogo social

Neste domínio o que se pretende é muito simples ? liquidar a contratação colectiva existente e, consequentemente, todos os direitos que ela confere aos trabalhadores abrangidos. Assim, as propostas apresentadas, designadamente no que toca aos regimes de caducidade e sobrevigência, passam por acelerar, simplificar e agilizar por todos os meios possíveis e imaginários os processos de caducidade das convenções em vigor a fim de liquidar os direitos dos trabalhadores nelas consagrados e promover a celebração de novas convenções, que reflictam já o novo equilíbrio de forças na relação laboral resultante desta revisão da lei, ou seja menos direitos para os trabalhadores e poderes patronais mais latos em todos os aspectos.

Por outro lado, o princípio da adesão individual dos trabalhadores não sindicalizados a convenções colectivas é um princípio de cariz claramente anti-sindical, cuja introdução tem como escopo atacar e destruir a organização colectiva dos trabalhadores.

4. Simplificação dos processos de despedimento

Neste caso o objectivo é aliviar o ónus que os actuais modelos processuais de despedimento constituem para as entidades patronais, permitindo-lhe maiores facilidades ao nível procedimental, ou seja pretende-se basicamente tornar os despedimentos mais rápidos, mais fáceis, mais certos e mais baratos, tudo em detrimento do princípio da segurança no emprego, consagrado no artigo 53º da Constituição.

Assim, a maior parte das formalidades do procedimento disciplinar, que constituem a chamada instrução do processo, deixam de ser obrigatórias, passando a caber ao empregador a decisão sobre a sua realização ou não; concomitantemente propõe-se ainda que os vícios procedimentais ou formais deixem de constituir causa de invalidade do despedimento, para passarem a determinar a sua mera irregularidade, sendo que nestes casos o trabalhador perde o direito à reintegração e só tem direito a metade da indemnização que lhe seria devida.

Estas propostas fragilizam a posição e os direitos de defesa dos trabalhadores nos processos de despedimento e têm como consequência um enfraquecimento da garantia constitucional da segurança no emprego.

5. Combate à precariedade

O combate à precariedade, que o Governo elegeu como sua bandeira nesta revisão legislativa, traduz-se nesta Proposta em medidas generalistas, de alcance muito reduzido e que, ao invés do anunciado, são susceptíveis de contribuir para a generalização de uma precariedade legal.

Por um lado, repõe-se em três anos o limite máximo da duração do contrato a termo certo e avança-se com a proposta (ainda a concretizar em termos legislativos pois extravasa o âmbito do Código do Trabalho) de reduzir em 1% a taxa contributiva para a segurança social nos contratos sem termo e, simultaneamente, aumentar em 3% a mesma taxa relativamente aos contratos a termo ? o que não só terá reflexos, como aliás o patronato não se coibiu já de afirmar, na remuneração dos trabalhadores, como terá consequências nefastas na sustentabilidade financeira da segurança social, pois estamos afinal perante uma redução pura e simples do valor da taxa social única, que corresponde a uma velha aspiração do patronato, sem qualquer efeito visível nos níveis da contratação a termo.

Por outro lado, altera-se a presunção da existência de contrato de trabalho e agravam-se as sanções para as situações de falsas prestações de serviços, aparentemente para melhor permitir combater os contratos de trabalho dissimulados, mas ao mesmo tempo anuncia-se a legalização do recurso aos contratos de prestação de serviços, mediante a proposta de colocar a cargo das empresas utilizadoras de serviços de trabalhadores abrangidos pelo regime do trabalho independente uma parcela de 5% da respectiva taxa contributiva para a segurança social, legalização esta que certamente reduzirá ao mínimo o campo de aplicação da nova presunção estabelecida.

Para além destes cinco vectores que cristalizam e resumem o essencial das propostas desta revisão da legislação laboral, foram ainda introduzidas outras alterações, quer substanciais, quer ao nível sistemático.

Entre as alterações materiais destacamos:

· A alteração do regime da formação profissional, designadamente dos mecanismos de efectivação do direito à formação contínua, no sentido genérico de flexibilizar e aligeirar os encargos e obrigações da empregadores neste domínio com o correspondente enfraquecimento dos direitos dos trabalhadores;

· A adopção de um conjunto de medidas dirigidas a sectores de actividade específicos, designadamente o contrato de muito curta duração na agricultura e no turismo, o contrato de trabalho intermitente e o regime especial de férias no turismo, que basicamente implicam redução de direitos dos trabalhadores abrangidos e, no que toca às novas formas de contratação, maior instabilidade dos vínculos laborais.

Do ponto de vista formal, a Proposta procede à reorganização sistemática do Código do Trabalho e da respectiva regulamentação, integrando no Código a maior parte das normas hoje constantes da Lei 35/2004, de 29 de Julho, e remetendo para legislação avulsa um conjunto de matérias, entre elas, a segurança e saúde no trabalho, o regime da reparação dos acidentes de trabalho e doenças profissionais e a regulação dos conselhos de empresa europeus.

Por outro lado, pretende-se também efectuar uma simplificação de alguns dos regimes constantes do diploma, que passa também pela utilização de uma linguagem algo estilizada, aparentemente mais simples, mas também frequentemente pouco clara, o que pode dificultar a interpretação das normas. De acordo com uma boa técnica legislativa, a linguagem deve ser simples e clara, traduzindo da forma mais directa possível o pensamento do legislador, mas nesta proposta de diploma verificamos que o requisito da clareza é muitas vezes esquecido, com prejuízo da melhor compreensão da norma.

Na especialidade

FONTES DO DIREITO DO TRABALHO

(artigos 1.º a 3.º)

Relações entre fontes de regulação - Artigo 3.º

Apesar da enganadora epígrafe do artigo 4.º do Código do Trabalho actualmente em vigor, a CGTP-IN sempre entendeu que o princípio nele estabelecido não configura um verdadeiro princípio do tratamento mais favorável, porquanto não caracteriza a lei como um limite mínimo abaixo do qual as normas convencionais não têm eficácia, na medida em que permite que a convenção possa modificar a lei "in melius" e "in pejus".

O correspondente artigo 3.º, com a epígrafe acima referenciada (assinale-se, curiosamente, o abandono da referência ao princípio do tratamento mais favorável na própria epígrafe), apesar da frontal oposição assumida pelo Partido Socialista, aquando aprovação do Código do Trabalho, nos fazer acalentar esperanças futuras, não procede à reposição do princípio do tratamento mais favorável.

Na verdade, o n.º 1 do artigo vem anunciar, como regra geral, a possibilidade de as normas legais reguladoras do contrato poderem ser afastadas por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, seja no sentido da melhoria, seja no sentido do agravamento.

Por sua vez, no n.º 3 do artigo, excepciona-se da aplicação desta regra um pequeno elenco de matérias, que não podem, consequentemente, ser agravadas por contratação colectiva.

Ora este conjunto de matérias, previstas na lei como mínimos imperativos, já hoje são considerados imperativos mínimos, por força da Constituição, de normas internacionais ou de directivas comunitárias e, como tal, sem poderem ser agravadas por contratação colectiva, pelo que a previsão efectuada no referido n.º 3, em nada contribuirá para a reposição do princípio do tratamento mais favorável.

A correcta aplicação do princípio do tratamento mais favorável coloca-se em relação não a normas imperativas, mas em relação àquelas normas legais que, sendo inicialmente imperativas (todas as normas legais laborais, continham, em regra geral, imperativos mínimos, que não podiam ser afastados por contratação colectiva), deixaram de o ser, em consequência do artigo 4.º do Código do Trabalho.

A questão de fundo continua a ser a de se saber qual nesta matéria, haverá de ser a regra ou o princípio: a regra de que a convenção colectiva pode ou a regra de que a convenção colectiva não pode estabelecer condições menos favoráveis aos trabalhadores de que as previstas na lei?

A este respeito, entendemos que a lei deverá conter a regra de que a convenção não pode estabelecer condições menos favoráveis do que as previstas na lei, salvo nos casos em que a própria estabelece o contrário.

O Governo, ao contrário, entende que a lei deve conter a regra de que a convenção pode estabelecer condições menos favoráveis do que as previstas na lei (n.º 1), salvo nos casos em que a própria lei estabelece o contrário (n.º 3).

Esta é a diferença que nos separa, esta é diferença entre a noção de um princípio do "tratamento mais favorável", que defendemos e a noção de um princípio do "tratamento mais desfavorável", proposto pelo Governo.

CONTRATO DE TRABALHO

(artigos 12.º a 13.º)

Presunção de contrato de trabalho -  Artigo 13.º

O artigo 13.º da proposta do Código do Trabalho enumera as características que permitirão, a partir da verificação de algumas, presumir a existência de um contrato de trabalho.

As características enumeradas ficam aquém dos índices factuais que a jurisprudência tem estabelecido na qualificação de inúmeras relações contratuais como contrato de trabalho, para além de continuar, a não acolher, como índice presuntivo, a existência de dependência económica a uma única entidade empregadora.

Por outro lado, a contra-ordenação estabelecida no n.º 2 mostra-se insuficiente, se comparada com as sanções previstas noutros ordenamentos jurídicos de países europeus, nomeadamente a França, para as situações de contratos dissimulados.

No entanto, as características e a contra-ordenação propostas poderiam criar as condições exigidas em entrevista recente pelo Sr. Inspector Geral do Trabalho para combater, de forma simples e célere, os contratos de trabalho dissimulados, caso o artigo 13.º pudesse alcançar os objectivos que aparentemente se propõe.

Mas a intenção do Governo não é, decididamente, combater os contratos de trabalho dissimulados ou os falsos recibos verdes, como claramente resulta do Acordo de Concertação Social: ao propor que as entidades beneficiárias das prestações de serviços passem a pagar a parcela de 5% da taxa contributiva devida pelos prestadores de serviços à Segurança Social, o Governo não só está a legalizar as situações de falsos recibos verdes existentes, como está a incrementá-las no futuro.

Na verdade, na grande maioria das situações de prestação de serviços existentes, os trabalhadores apresentam uma real dependência económica das entidades beneficiárias da sua actividade, quando não mesmo, subordinação jurídica. Ora, estas situações, em vez de serem definitivamente sanadas, mediante a inclusão na proposta da sua presunção como contrato de trabalho, irão, certamente, uma vez paga a taxa referida, ser abrangidas pelo disposto no artigo 11.º da mesma proposta do Código, com reconhecimento de direitos de personalidade, igualdade e não discriminação e segurança e saúde no trabalho, mas garantidamente, continuando a não ter direito, entre outros, a férias, subsídios de férias e de Natal e a protecção no desemprego.

Em corroboração desta tese, veja-se também o n.º 1 do artigo 143.º da proposta, em que, para efeitos de novas admissões de trabalhadores, se equiparam contratos de trabalho a termo e contratos de trabalho temporário com execução no mesmo posto de trabalho, a contratos de prestação de serviços para o mesmo objecto, como se de realidades da mesma natureza se tratasse.

Estes contratos de prestação de serviços, com objecto idêntico ao dos demais contratos de trabalho referidos, mais não serão, em nossa opinião, do que os conhecidos falsos "recibos verdes", agora já "legalizados", com o mencionado pagamento da taxa para a segurança social.

Idêntica equiparação é efectuada no n.º 5 do artigo 148.º, a respeito do cômputo de três anos de duração máxima do contrato a termo certo no mesmo posto.

IGUALDADE E NÃO DISCRIMINAÇÃO

(artigos 24º a 33º)

O legislador, ao estabelecer no artigo 25º, nº5, que constitui apenas contra ordenação leve, a violação do dever de afixar na empresa em local adequado a informação relativa aos direitos e deveres do trabalhador em matéria de igualdade e não discriminação está a assumir a desvalorização do conhecimento destes direitos, enquanto direitos fundamentais.

Entretanto, quanto a esta matéria:

· Decaiu na Proposta o nº2 do artigo 31.º do actual Código que estabelece que os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho devem conter, sempre que possível, disposições que visem a efectiva aplicação das normas sobre igualdade e não discriminação. Essa norma constituía um sinal concreto que o legislador dava, e que qualquer uma das partes em sede de negociação colectiva podia invocar, para conferir novos impulsos, nesta área, na contratação colectiva. Afigura-se-nos negativo o seu desaparecimento.

· Não se vislumbra onde esteja a norma equivalente ao artigo 38.º da actual Regulamentação do Código de Trabalho, que estabelece que um despedimento ou a aplicação de qualquer sanção se considera abusiva, desde que ocorra até um ano após a data da reclamação, queixa ou propositura de acção judicial, contra o empregador, quando estiverem em causa questões relacionadas com a violação do princípio da igualdade e não discriminação.

Esta medida era uma norma de conteúdo positivo, visto que podia ser invocada, por quem fosse objecto de aplicação de uma sanção abusiva.

PARENTALIDADE

(artigos 34º a 65º)

Parentesco é o vínculo que une duas pessoas, em consequência de uma delas descender do outro ou de ambas procederem de um progenitor comum, conforme o que estabelece o artigo 1578.º do Código Civil.

O parentesco pode, assim, advir duma relação jurídica existente entre pessoas em razão do nascimento, do casamento ou da adopção.

Entende o legislador na Proposta de Lei do novo código substituir o capítulo relativo à protecção de maternidade e da paternidade, adoptando um novo conceito de parentalidade, que não possui qualquer definição legal individualizada.

Por outro lado, sempre que no domínio do código em vigor se fala de parentalidade esta aparece relacionada com a licença parental cuja fonte é o direito comunitário.

Neste sentido, afigura-se-nos que esta alteração, agora preconizada pelo legislador, só vem introduzir alguma confusão de compreensão aos destinatários da norma.

Analisado o artigo 36.º da proposta, que enumera os direitos protegidos no domínio da parentalidade, afigura-se-nos que o mesmo não contém expressamente enunciado, o direito à amamentação, apenas estando referido no nº 1 alínea g) a dispensa para aleitação.

Verificamos também que da proposta de lei, no seu Artigo 39.º, deixou de constar qualquer referência à licença por interrupção da gravidez decorrente da situação de aborto, tal como se encontrava anteriormente prevista no artigo 35.º nº 6, do actual Código do Trabalho, considerando que a nova norma deveria apenas referenciar qualquer situação de aborto, desde que medicamente considerado como tal, tendo em conta a alteração legislativa entretanto ocorrida sobre esta matéria.

Quanto ao alargamento do período de licença parental exclusiva do pai para 10 dias nada temos a opor, no entanto o que se dispõe no nº 2 do artigo 44.º, que estabelece que o pai tem ainda direito a 10 dias úteis da licença seguidos ou interpolados, desde que gozados em simultâneo com o gozo da licença parental por parte da mãe, constitui um direito inferior ao que era concedido ao pai na previsão do artigo 103.º nº 2, da Regulamentação do actual Código do Trabalho, que permite que o mesmo tenha direito a gozar os primeiros 15 dias da licença parental, desde que sejam imediatamente subsequentes à licença de maternidade ou de paternidade, sendo que estes são actualmente remunerados a 100% pela segurança social.

A nova norma contida no artigo 44.º nº 2 da Proposta constitui uma falácia na medida em que o Governo anunciou um alargamento dos direitos já existentes, o que não corresponde à verdade.

No tocante ao regime de faltas para assistência a neto previsto no artigo 50.º nº 3 da Proposta, conferindo o direito a faltar aos avós, para prestar assistência inadiável a neto menor, independentemente da idade, em caso de doença ou acidente, apesar da sua aparente bondade, pode constituir um incentivo a que os empregadores exerçam pressão sobre os progenitores mais jovens e muitas vezes contratados em regime de contrato precário, para não exercerem os seus direitos de apoio à família, o que se nos afigura, não ser uma medida adequada a fomentar a responsabilidade parental.

No artigo 51.º nº 3 da actual Proposta de Lei, estabelece-se uma nova restrição ao gozo da licença parental (agora denominada de licença parental complementar) ao estabelecer que "se ambos os progenitores gozam simultaneamente a licença e estiverem ao serviço do mesmo empregador, este pode adiar a licença de um deles com fundamento em exigências imperiosas ligadas ao funcionamento da empresa ou serviço, desde que seja fornecida a respectiva fundamentação".

Trata-se de uma restrição clara ao exercício da licença parental, sem que seja conferido aos trabalhadores o direito a reclamar ou a exercerem livremente um direito que a lei lhes confere, afigurando-se como uma violação da Directiva nº 96/34/EC relativa à licença parental.

O artigo 54.º da actual proposta de lei é mais restritivo, que o regime da redução do tempo de trabalho para assistência a filho menor com deficiência ou doença crónica actualmente vigente, tendo em conta que na redacção do actual artigo 37 só se fala de "filho menor" e agora fala-se "em menor com idade não superior a 1 ano ?"o que restringe claramente a utilização do direito à redução do tempo de trabalho.

Por outro lado, o nº 4 desta nova norma, também restringe o uso efectivo do direito, em caso de existirem "exigências imperiosas do funcionamento da empresa", o que constitui a criação de um novo condicionalismo de restrição ao exercício de um direito, relacionado com a protecção da criança.

Verifica-se ainda que o artigo 62.º da actual Proposta de Lei sob a epígrafe "protecção da segurança e saúde de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante" não contem qualquer conteúdo no seu nº 6, o que se estranha.

O mesmo acontecendo no artigo 65.º da mesma proposta de Lei onde também se verifica não existir qualquer conteúdo nos seus nºs 3 e 4 apesar de o nº 8 desse mesmo artigo os referenciar como da sua violação poder resultar a existência de uma contra ordenação grave.

TRABALHO DE MENORES

(artigos 66.º a 83.º)

Formação profissional do menor ? Artigo 67.º

Esta disposição é nova no âmbito da regulamentação do trabalho de menores, visando consagrar o dever do Estado e do empregador de proporcionar formação profissional aos trabalhadores menores e, simultaneamente, determinados direitos com ele relacionados, designadamente o direito a licença sem retribuição para a frequência de curso profissional.

Porém e sem prejuízo de esta disposição ser adequada, verificamos que a este pretexto foram eliminados outros direitos que assistiam ao trabalhador menor nesta matéria, designadamente o direito a trabalhar a tempo parcial e a possibilidade de auferir de uma bolsa para compensação da perda de retribuição.

Num contexto em que o objectivo da qualificação dos trabalhadores assume especial importância, não nos parece coerente eliminar (sem os substituir por outros com o mesmo objectivo) mecanismos destinados a facilitar a obtenção de mais formação pelos jovens.

Admissão de menor sem escolaridade obrigatória ou sem qualificação profissional - Artigo 69.º

Esta disposição regula a chamada «cláusula de formação de menores», introduzida pela primeira vez no nosso ordenamento jurídico, na sequência do Acordo sobre Política de Emprego, Mercado de Trabalho, Educação e Formação celebrado em 2001 entre o Governo e os parceiros sociais, através do Decreto-Lei 58/2002, de 15 de Março.

Nos termos desta cláusula, o contrato de trabalho celebrado com menores de idade igual ou superior a 16 anos sem a escolaridade obrigatória e/ou sem uma qualificação profissional ficava condicionado à frequência de formação que conferisse a escolaridade obrigatória e/ou uma qualificação profissional e ao estabelecimento de um período mínimo de tempo de trabalho destinado a formação.

O Código do Trabalho, aprovado pela Lei 99/2003, de 27 de Agosto, manteve intocado o essencial da regulação desta cláusula de formação, nos termos do artigo 56º do C.T. e artigos 127º a 136º da respectiva regulamentação, sem prejuízo das críticas que formulámos a propósito destes regimes aquando da apreciação daqueles diplomas (ver pareceres anexos relativos às propostas de lei do Código do Trabalho e da regulamentação do Código).

A actual Proposta, porém, adultera completamente a cláusula de formação de menores tal como ela foi originalmente concebida.

Efectivamente, embora o contrato de trabalho celebrado com menor se mantenha condicionado à frequência de modalidade de educação ou formação que confira a escolaridade obrigatória e/ou uma qualificação profissional, foi abolida a condição de ser estabelecido um período de tempo mínimo, integrado no tempo de trabalho, destinado a formação, remetendo-se a dispensa de trabalho para o efeito para o estatuto do trabalhador estudante, com manifesto prejuízo para os trabalhadores menores e numa clara subversão dos objectivos iniciais que presidiram à criação desta cláusula, designadamente o de dar prioridade à qualificação dos jovens, melhorando a sua inserção no mercado de trabalho e prevenindo situações de perpetuação dos ciclos de exclusão social e profissional resultantes do deficiente e desigual acesso à educação e formação.

Saliente-se que as entidades empregadoras sempre colocaram entraves à aplicação desta cláusula, pelo que na prática ela nunca foi implementada, ou seja os contratos de trabalho celebrados com menores nunca foram de facto condicionados ao cumprimento dos requisitos legalmente previstos e as entidades competentes, nomeadamente a Inspecção do Trabalho, apesar de fiscalizar regularmente o trabalho de menores, nunca questionou nem sancionou o incumprimento desta cláusula.

Assim, podemos dizer que finalmente as entidades empregadoras foram premiadas com o fim da cláusula de formação dos trabalhadores menores, cuja criação apoiaram ao subscrever o Acordo de 2001, mas que nunca tiveram intenção de cumprir.

Com as novas disposições propostas, nomeadamente a previsão da aplicação tout court do estatuto do trabalhador estudante sem quaisquer adaptações, o contrato de trabalho do menor sem a escolaridade obrigatória ou uma qualificação profissional deixa na prática de estar especialmente condicionado à consagração de uma parte do período normal de trabalho praticado (40%) a frequência de modalidade de educação ou formação, ficando pelo contrário a concessão de tempo para este efeito dependente das condições gerais da concessão do estatuto de trabalhador estudante.

Dispensa de menor de horário com regime de adaptabilidade ? Artigo 74.º

A dispensa de horários com regime de adaptabilidade concedida a certos trabalhadores (menores, grávidas, puérperas e lactantes, trabalhadores com capacidade de trabalho reduzida ou doença crónica) fundamenta-se na especial vulnerabilidade destes trabalhadores face à desregulação de horários, bem como nas necessidades especiais de conciliação entre vida pessoal e familiar e vida profissional que, em razão da sua condição, possam sentir. Trata-se sem dúvida de uma diferenciação de tratamento, com fundamento em razões objectivas, atendíveis e justificadas.

Assim sendo, consideramos que o agravamento das condições de dispensa em nome do interesse das empresas é particularmente censurável e injustificado, revelando claramente que o Governo subordina os direitos das pessoas aos interesses lucrativos das empresas.

Se, na vigência da actual legislação, já consideramos excessivo que determinados trabalhadores e designadamente os menores tenham que comprovar com atestado médico que o regime de adaptabilidade do tempo de trabalho é susceptível de prejudicar a sua saúde ou a segurança no trabalho, como se isto não fosse evidente, muito mais excessiva se mostra a exigência de submissão a exame de saúde específico para apurar a existência de tal prejuízo.

Além do mais, a lei nada diz quanto às condições de realização deste exame médico ou quem é responsável pela sua realização, sendo certo que o artigo 20.º desta mesma Proposta proíbe que o empregador exija ao trabalhador a realização de quaisquer exames ou testes médicos para comprovação das suas condições físicas ou psíquicas, excepto nos casos e termos aí expressamente previstos.

Estas considerações aplicam-se integralmente ao regime proposto no artigo 87.º para a dispensa dos trabalhadores com deficiência ou doença crónica.

Trabalho suplementar de menor -Artigo 75.º

Em nosso entender, a criação de excepções à proibição da prestação de trabalho suplementar por menor constitui um injustificado agravamento das condições de prestação de trabalho por menores, que contraria o princípio geral de que a estes trabalhadores devem ser proporcionadas condições de trabalho adequadas à sua idade que protejam a sua segurança, saúde, desenvolvimento físico, psíquico e moral, educação e formação.

TRABALHADOR-ESTUDANTE

(artigos 89.º a 96.º)

Procedimento para exercício de direitos de trabalhador-estudante - Artigo 96.º

A consagração da possibilidade prevista nos n.º 2 e 3 do artigo 96.º de, por acordo com o trabalhador ou na sua ausência, o empregador poder "fiscalizar" a hora, a partir da qual o trabalhador-estudante termina diariamente a sua responsabilidade escolar, através dos serviços administrativos do estabelecimento de ensino, por correio electrónico ou fax, parece-nos, no mínimo, excessiva.

Na verdade, poder-se-á compreender a existência de preocupações por parte do empregador quanto à forma de utilização por parte do trabalhador-estudante do tempo de dispensa para a frequência de aulas, designadamente, quando essas dispensas podem cessar em caso de falsas declarações ou de utilização para fins diversos (n.º 3 do art.º 95.º). Porém, se se tiver em conta a duração máxima semanal da dispensa (6 horas), facilmente se perceberá que este tempo será rapidamente consumido com a primeira hora de aulas diária, quando não, com o próprio trajecto para o estabelecimento de ensino.

Nestes termos, o controle estabelecido sobre a parte final das responsabilidades escolares diárias do trabalhador-estudante, parece-nos exceder a razoabilidade das preocupações patronais eventualmente existentes e, deste modo, revelar-se susceptível de introduzir restrições inadmissíveis na vida e liberdade pessoal do trabalhador-estudante.

O EMPREGADOR E A EMPRESA

(artigos 97.º a 101.º)

Regulamento Interno de empresa ? Artigo 99.º

A presunção de adesão do trabalhador ao regulamento interno de empresa, mediante a não oposição por escrito no prazo de 20 dias, a contar do inicio da execução do contrato ou da divulgação do regulamento (art.º 104.º), tantas vezes por nós criticada, pressupõe o cabal e atempado conhecimento da existência do regulamento e do seu conteúdo por parte do trabalhador.

Ora, o acesso ao conhecimento do Regulamento Interno tem sido assegurado pela exigência de publicitação do mesmo, através da sua afixação na sede da empresa e nos locais de trabalho, de modo a possibilitar o pleno conhecimento dos trabalhadores, a todo o tempo. (n.º 3 do art.º 153.º do actual Código do Trabalho)

A alteração proposta (alínea a) do n.º 3 do art.º 99.º), que substitui a afixação do Regulamento Interno na sede da empresa e nos locais de trabalho, pela respectiva disponibilização na sede da empresa e nos restantes estabelecimentos, de modo a possibilitar a consulta e conhecimento dos trabalhadores, em nossa opinião, pode não bastar para assegurar o conhecimento atempado e suficiente, respectivamente, da existência e do conteúdo do Regulamento, porquanto a solicitação da sua disponibilização não só é susceptível de trazer constrangimentos ao trabalhador, como só será efectuada, ultrapassados que sejam os eventuais constrangimentos, se os trabalhadores tiverem conhecimento de que o Regulamento existe.

Entendemos, assim, que a mera disponibilização do Regulamento, sempre que solicitado, não preenche os requisitos de publicitação exigíveis, especialmente quando está em causa uma presunção de adesão por parte dos trabalhadores.

PERIODO EXPERIMENTAL

(artigos 111.º a 114.º)

Duração do período experimental ? Artigo 112.º

O alargamento de 180 para 240 dias na duração do período experimental dos trabalhadores que exerçam cargo de direcção ou quadro superior e, sobretudo, o alargamento de 90 para 180 dias para a generalidade dos trabalhadores, não apresentando qualquer justificação razoável, levanta, legitimamente, a questão da sua eventual desconformidade com o artigo 53.º da CRP.

Na verdade, os períodos experimentais existentes, já são demasiado alargados para o fim visado, isto é, para permitir que as partes possam apreciar o interesse na manutenção do contrato de trabalho, através do conhecimento recíproco que cada uma delas obtém no decurso deste período de tempo.

Entendemos, consequentemente, que o alargamento proposto não tem como objecto proporcionar o aprofundamento dos conhecimentos pessoais referidos, mas sim introduzir uma nova forma de precariedade, na medida em que permite o prolongamento até seis meses de relações de trabalho, cuja cessação não obedece ao regime de caducidade e pode ocorrer de forma fácil, rápida e barata, na medida em que não exige invocação de justa causa, cumprimento de pré-aviso, nem pagamento de qualquer indemnização.

ACTIVIDADE DO TRABALHADOR

(artigos 115.º a 120.º)

Funções desempenhadas pelo trabalhador ? Artigo 118.º

Esta disposição regula as funções integradas na actividade que o trabalhador contratualmente se obriga a prestar, estabelecendo como princípio que o trabalhador deve exercer as funções correspondentes à actividade para que foi contratado, compreendendo-se nesta desde logo as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas desde que o trabalhador tenha qualificação profissional e não impliquem desvalorização profissional.

Recorde-se que a integração automática das funções afins ou funcionalmente ligadas à actividade contratada no próprio objecto do contrato correspondeu a um alargamento das funções que o trabalhador se obriga a prestar introduzido pelo actual Código do Trabalho, com o objectivo e o efeito de aumentar, logo na celebração do contrato e por imposição legal, a polivalência ou mobilidade funcional do trabalhador.

A presente Proposta mantém inalterada esta reconfiguração do objecto do contrato, mas abre ainda a possibilidade de, por instrumento de regulamentação colectiva, ampliar o conceito de funções afins ou funcionalmente ligadas, o que poderá determinar novo alargamento da mobilidade funcional.

Mudança para categoria inferior ? Artigo 119.º

No nosso ordenamento jurídico-laboral, a mudança para categoria inferior sempre teve carácter excepcional, sendo mesmo a proibição de baixar a categoria uma das garantias do trabalhador, só passível de ser restringida ou afastada em circunstâncias excepcionais expressamente previstas na lei.

Na presente Proposta e não obstante a mudança para categoria inferior continuar a ser uma das garantias do trabalhador de acordo com o seu artigo 129º, alínea e), a redacção dada a este artigo 119º retira à mudança para categoria inferior o carácter de excepcionalidade, o que significa que esta mudança passa a ser uma situação normal, possível mediante acordo individual entre trabalhador e empregador, desde que preenchidos determinados requisitos, designadamente a necessidade premente da empresa ou do trabalhador; a autorização da Inspecção do Trabalho deixa de ser exigida, excepto se houver também diminuição da retribuição.

Estamos, assim, perante mais uma situação de reforço da posição do empregador, já que a mera exigência de acordo individual coloca o trabalhador, a parte mais fraca da relação laboral, numa posição de clara inferioridade negocial.

Mobilidade funcional ? Artigo 120.º

De acordo com a Proposta, o regime legal da mobilidade funcional pode ainda ser alargado, nomeadamente ao prever a possibilidade deste regime ser afastado por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.

Por outro lado, mantém-se a possibilidade de alargar ou restringir o regime por acordo individual, sendo que a limitação a dois anos das cláusulas que estipulam estas alterações não tem grande efeito prático e constitui mesmo uma forma de legalizar a introdução de cláusulas desfavoráveis ao trabalhador no contrato de trabalho, num momento em que, sendo candidato a emprego, concordará obviamente com tudo para obter trabalho.

FORMAÇÃO PROFISSIONAL

(artigos 130º a 134º)

O direito à formação nunca foi concretizado na prática na maioria das empresas, que sempre protelaram a sua aplicação, nomeadamente tentando impor novas condições para o cumprimento da lei, a pretexto de que as exigências feitas às empresas eram demasiadas e demasiado caras; por seu lado, o Governo também nunca manifestou vontade de implementar ou promover o cumprimento destas normas, inclusivamente ao não publicar o modelo do relatório da formação contínua previsto na lei.

As alterações agora propostas vão no sentido geral de desonerar as empresas, reduzindo as exigências que lhes são feitas em matéria de formação, sobretudo em termos financeiros.

Assim, a presente Proposta, apesar de continuar a consagrar o direito dos trabalhadores à formação, obrigando as empresas a proporcionar um mínimo de 35 horas de formação contínua por ano a pelo menos 10% dos trabalhadores, transforma este dever numa mera formalidade sem correspondência na prática, nomeadamente através dos seguintes aspectos:

  • O tempo de dispensa de trabalho para frequência de aulas e realização de provas de avaliação concedido no âmbito do estatuto do trabalhador estudante passa a ser contabilizado como tempo de formação para efeito do cumprimento do número mínimo de 35 horas anuais de formação (artigo 131º, nº4), o que tem como consequência a perda do direito à formação contínua proporcionada pelo empregador por parte de todos os trabalhadores abrangidos pelo estatuto de trabalhador estudante e consequente desoneração do empregador ? tendo em conta que a formação contínua é um dever a cargo do empregador, que fica assim cumprido sem qualquer custo, apenas mediante a concessão de algumas horas de dispensa de trabalho;
  • Concessão de mais tempo às empresas para cumprimento das obrigações relativas à formação contínua dos trabalhadores, nomeadamente através da possibilidade de concentrarem num único ano a formação a que estão obrigadas nos 5 anos seguintes, quando se trate de trabalhadores envolvidos em processos RVCC[1] ou que conferem dupla certificação escolar e profissional (artigo 131º, nºs 4,6 e 7) ? isto significa que se, por exemplo, um trabalhador entrar no Programa Novas Oportunidades para obter a certificação do 9º ano de escolaridade, a empresa poderá ficar desonerada do dever de proporcionar formação acumulando as horas gastas neste processo ao longo dos 5 anos seguintes, desde que a média anual corresponda a 35 horas de formação. Mais uma vez as empresas cumprem o dever sem qualquer encargo adicional, com a agravante de nos processos de reconhecimento e validação de competências o objectivo da formação contínua não estar de facto a ser cumprido, pois estamos a falar de processos que reconhecem e certificam competências já existentes, mas na maior parte dos casos não conferem novas competências. É um processo meramente cosmético, que contribui para a melhoria estatística das qualificações dos trabalhadores, mas não corresponde a um aumento real destas qualificações.
  • Introdução da possibilidade de adaptação, por via da contratação colectiva, do direito à formação em função do sector de actividade, da estrutura ocupacional e da dimensão da empresa (artigo 131º, nº 9), o que significa que potencialmente nem todos os trabalhadores gozarão do mesmo tratamento e oportunidades em matéria de direito à formação que, para alguns, poderá ser seriamente restringido por esta via.

Em suma, estamos perante um quadro geral de enfraquecimento do direito à formação contínua, completamente inaceitável e injustificado face à evidente necessidade, aliás abundantemente proclamada por este Governo, de melhorar as qualificações dos trabalhadores portugueses como condição essencial para a melhoria da nossa economia e das condições de vida de todos os portugueses.

Em vez de dirigir a actual revisão legislativa no sentido de aperfeiçoar e completar as normas relativas à formação contínua e impor a sua efectiva aplicação, incluindo a correcção de alguns defeitos e insuficiências da regulação desta matéria no Código do Trabalho e respectiva regulamentação, o legislador opta apenas por dar resposta às exigências dos empregadores, aligeirando as suas obrigações nesta matéria, sem qualquer benefício para os trabalhadores cujos direitos são reduzidos ao mínimo.

Subsídio para formação contínua

O artigo 132º, que regula o crédito de horas para formação a que o trabalhador tem direito no caso do empregador não assegurar as horas de formação a que está legalmente obrigado, prevê a possibilidade de, por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou acordo individual, ser estabelecido um subsídio para pagamento do custo da formação.

A questão do pagamento do custo da formação realizada por iniciativa do trabalhador, no uso do crédito de horas que adquiriu em virtude do incumprimento do empregador nunca foi devidamente esclarecida, mas a este respeito a CGTP-IN sempre defendeu o princípio de que o trabalhador não deve em caso algum ser onerado pelos custos da formação.

Ora, se o financiamento das 35 horas anuais de formação a que o trabalhador tem direito é indubitavelmente um encargo do empregador, não faz sentido que deixe de o ser, passando esse encargo a recair sobre o trabalhador, quando há direito a crédito de horas em resultado do incumprimento do empregador.

Neste quadro, não vemos qualquer vantagem em prever a possibilidade de atribuição de um subsidio de formação nos termos do nº 4 do artigo 132º da Proposta, pois isto equivale no fundo a dizer que o empregador deixa de ser responsável pelo custo da formação quando esta é realizada por iniciativa do trabalhador em gozo de crédito de horas.

Em nosso entender, a lei deveria prever que o custo da formação contínua a que o trabalhador tem direito é sempre da responsabilidade do empregador, até para que o incumprimento do dever de formação não se torne mais vantajoso do que o seu cumprimento.

CLÁUSULAS DE LIMITAÇÃO DA LIBERDADE DE TRABALHO

(artigos 136.º a 138.º)

Pacto de permanência ? Artigo 137.º

A actual proposta, à semelhança do Código do Trabalho em vigor, permite que as partes convencionem a obrigatoriedade de prestação de serviço durante um período não superior a três anos, como forma de compensar as despesas extraordinárias comprovadamente feitas pelo empregador na formação profissional do trabalhador. Estipulam ainda a possibilidade do trabalhador se desobrigar da referida prestação, mediante restituição das importâncias despendidas.

Inexplicavelmente, porém, a proposta do Governo, contrariamente ao que sucede na lei actual (n.º 2 do artigo 147.º), não desobriga o trabalhador da restituição das importâncias referidas, quando a cessação do contrato de trabalho se pode imputar ao incumprimento das obrigações do empregador ou ao seu comportamento ilícito, isto é: em caso de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador com justa causa ou, quando o despedimento do trabalhador tenha sido declarado ilícito, este não opte pela reintegração.

A nova fórmula do pacto de permanência, constante da proposta, consubstancia uma alteração substancial do regime vigente do pacto de permanência, que não foi suscitada em sede de Concertação Social, nem integra o acordo celebrado, ou, pelo menos, a última versão que foi formalmente dada a conhecer a esta Confederação.

CONTRATO A TERMO RESOLUTIVO

(artigos 139.º a 149.º)

Apesar do publicitado empenho do Governo no combate à precariedade dos contratos de trabalho, o regime jurídico do contrato de trabalho a termo foi objecto apenas de pequenas alterações, de impacto muito reduzido e, sobretudo, sem que todas elas convirjam no propósito anunciado: A permissão de celebração de contrato a termo certo para lançamento de nova actividade de duração incerta, bem como para início de laboração de empresa ou de estabelecimento com menos de 750 trabalhadores (alínea a) do n.º 4 do artigo 140.º), continuará a constituir a regra geral, dado a dimensão empresarial prevista e a dimensão das empresas portuguesas.

Relembre-se a este respeito que a noção de grande empresa constante na proposta, a define como a que emprega 250 ou mais trabalhadores (alínea d) do n.º 1 do artigo 100.º).

Por sua vez, a redução da duração máxima do contrato de trabalho a termo certo de 6 para 3 anos, ainda que a reduza a metade, tem também um interesse muito diminuto, porquanto há muito que as empresas encontraram formas de tornear os limites temporais, seja pela celebração de contratos sucessivos para o mesmo posto de trabalho, seja pela rotação de celebração de contratos com o mesmo trabalhador por parte de empresas do mesmo grupo, seja através de todo um conjunto de outros expedientes habitualmente usados.

Refira-se, finalmente, que à última hora foi oferecido à CAP e à CTP, no âmbito da celebração de contratos a termo de muito curta duração (artigo 142.º), um verdadeiro brinde.

Nestes contratos, celebrados em casos referidos como especiais, em que se visam actividades sazonais agrícolas e a realização de eventos turísticos, sem qualquer caracterização, o empregador fica desobrigado do cumprimento de formalismos atinentes ao regime da contratação a termo.

Tendo, porém, em consideração que a maior parte das actividades agrícolas detêm uma natureza sazonal e que o objecto das empresas de turismo consiste precisamente na realização de eventos turísticos, temos que a generalidade da actividade das empresas agrícolas e das empresas de turismo mais não é que os tais "casos especiais" referidos na proposta.

Na celebração de contratos a termo para estes casos especiais, os empregadores ficam dispensados de observar a forma escrita, de proceder à indicação do local e do período normal de trabalho e de invocar o motivo justificativo, para além da vaga menção a actividade agrícola sazonal ou de realização de evento turístico.

TRABALHO A TEMPO PARCIAL

(artigos 150º a 156º)

De acordo com a Proposta, qualquer período normal de trabalho semanal inferior ao praticado a tempo completo é considerado trabalho a tempo parcial, o que vai permitir situações ditas de trabalho a tempo parcial com horários de trabalho muito próximos dos praticados a tempo completo, mas com redução proporcional da retribuição, ou seja, o empregador passa a gozar da possibilidade de optar por reduções do período de trabalho inferiores a 25% do período normal de trabalho sem ter que pagar a retribuição integral. Estamos, portanto, perante uma forma expedita de reduzir os custos do trabalho.

Por outro lado, a limitação a um período máximo de 3 anos da possibilidade de passagem de tempo completo a tempo parcial por acordo é também eliminada, o que significa que o tempo durante o qual o trabalho pode ser prestado a tempo parcial poderá prolongar-se indefinidamente, enquanto for conveniente para o empregador.

Esta flexibilização, aliada à eliminação do limite de 75% tal como referido acima, faz prever que os trabalhadores poderão ser pressionados para passarem a trabalhar a tempo parcial, sempre que convier ao empregador, com a correspondente redução proporcional da retribuição.

Finalmente, a determinação de que o trabalho a tempo parcial pode ser prestado apenas em alguns dias da semana, mas também apenas em alguns dias do mês ou do ano, consubstancia outra alteração no interesse das empresas, que tem como consequência colocar o trabalhador na completa disponibilidade relativamente ao empregador, tornando-lhe impossível conciliar trabalho e vida pessoal e familiar e desenvolver outras actividades de forma estruturada e organizada em conjugação com o trabalho a tempo parcial.

Concluímos, assim, que as alterações introduzidas no regime do trabalho a tempo parcial se destinam exclusivamente a adaptar este regime ao interesse das empresas, para que estas possam utilizá-lo e impô-lo aos trabalhadores da forma que lhes for mais conveniente, nomeadamente para efeitos de redução salarial, desvalorizando-se esta modalidade de trabalho como opção voluntária do trabalhador, que em teoria lhe permitiria melhor conciliar a vida pessoal e familiar com a vida profissional.

TRABALHO INTERMITENTE

(artigos 157.º a 160.º)

O trabalho intermitente apresentado, admissível em empresas que exerçam actividade com descontinuidade ou intensidade variável, caracteriza-se pela prestação de trabalho intercalada por um ou mais períodos de inactividade.

Ainda de acordo com a proposta, a prestação de trabalho anual não pode ser inferior a seis meses consecutivos a tempo completo, sendo os períodos de inactividade objecto de uma compensação retributiva no valor de 20% da retribuição base, sempre que não se encontre fixada em IRCT (85,20 euros mensais, no caso de o trabalhador auferir a retribuição mínima mensal garantida).

Durante os períodos de inactividade, seguidos ou interpolados, mas que, na totalidade, terão uma duração anual sempre inferior a seis meses, o trabalhador pode prestar actividade remunerada a outro empregador.

Este regime de trabalho intermitente, embora consubstanciado num contrato de trabalho por tempo indeterminado e a tempo completo, acaba por incrementar precariedade laboral nos períodos de inactividade do trabalhador.

Na verdade, o trabalhador intermitente, nos períodos de inactividade, não consegue subsistir com a compensação retributiva que lhe é atribuída, nem tem direito a subsídio de desemprego (está inactivo, mas não desempregado), pelo que é compelido a arranjar qualquer outro trabalho remunerado, por mais desqualificado que seja e que é necessariamente precário, na medida em que o trabalhador terá de regressar à empresa inicial, em qualquer momento mediante chamada com pré-aviso de 20 dias.

Não se vislumbra qualquer vantagem para o trabalhador nesta nova modalidade de trabalho apresentada, pelo que se deverá procurá-la do lado do empregador.

Com efeito, o regime do trabalho intermitente assegura ao empregador uma mão-de-obra barata, conhecedora das características e exigências do posto de trabalho, disponível sempre que dela se necessite;

Por outro lado, o trabalho intermitente pode constituir uma boa alternativa ao contrato de trabalho a termo, porquanto:

- Pode ter períodos de prestação de trabalho com duração equivalente à do contrato de trabalho a termo;

- Assegura que o trabalho seja desempenhado sempre pelo mesmo trabalhador, que já conhece o posto de trabalho, (fidelização do trabalhador ao posto de trabalho);

- Desobriga o empregador do pagamento de compensações pecuniárias por caducidade do contrato a termo, sempre que ocorra o fim do período de cada prestação de trabalho intermitente.

Trata-se, em suma, da criação de mais uma nova forma de prestação de trabalho precário, em que se verifica um enorme desequilíbrio das partes na relação de trabalho.

TRABALHO TEMPORÁRIO

(artigos 172.º a 192.º)

O regime do trabalho temporário, constante da Lei n.º 19/2007, é incluído no Código do Trabalho, em satisfação de uma velha reivindicação da Associação das Empresas de Trabalho Temporário.

A inclusão deste regime no Código do Trabalho não nos suscitaria problemas de maior, não fora o aproveitamento de tal circunstância para suprimir ou reduzir mais alguns direitos do trabalhador temporário e, desta forma, beneficiar uma vez mais os empregadores, mesmo quando se trata de penalizar incumprimentos graves por parte destes.

Salientamos, assim, as principais alterações efectuadas, todas elas dirigidas no sentido referido:

- A proposta vertida no n.º 10 do artigo 185.º não garante a igualdade de tratamento entre o trabalhador temporário e os trabalhadores do utilizador que exerçam as mesmas funções.

Na verdade a garantia da igualdade de tratamento, actualmente consagrada na lei referida, é restringida na presente proposta, através do adiamento da aplicação ao trabalhador temporário do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável aos trabalhadores do utilizador que exerçam as mesmas funções só para "após 60 dias de prestação de trabalho", parecendo que, nos 60 dias iniciais, se aplicará o que o utilizador muito bem entender??

- Apesar da atribuição de direitos acrescidos a trabalhadores temporários a trabalhar no estrangeiro pela Lei n.º 19/2007 se revelar por vezes insuficiente, o Governo vem ainda propor a eliminação de alguns dos direitos existentes. Da eliminação desses direitos resulta que as empresas de trabalho temporário fiquem desobrigadas de garantir prestações médicas, medicamentosas e hospitalares, através de seguro que garanta o pagamento de despesas de valor pelo menos igual a seis meses de retribuição, sempre que estes trabalhadores não beneficiem das mesmas prestações no país de acolhimento (alínea h) do n.º 1 do artigo 10.º);

Desobriga-as também de assegurar o repatriamento do trabalhador, findo o trabalho objecto do contrato, verificando-se a cessação do contrato de trabalho, ou, ainda, no caso de falta de pagamento pontual da retribuição (alínea e) do n.º 1 do artigo 10.º)

É deveras lamentável que o Governo venha cercear direitos aos trabalhadores temporários ao serviço de utilizadores estrangeiros, quando todos nós conhecemos um pouco das condições de vida e de trabalho de muitos desses trabalhadores, através de imagens confrangedoras que os canais de televisão nos fazem chegar, que não honram Portugal, e que são fruto do incumprimento de leis, já por si insuficientes, por parte das empresas de trabalho temporário ou das empresas utilizadoras, ou quiçá, de ambas.

Finalmente, refira-se a não previsão da sanção acessória de interdição ou suspensão do exercício da actividade, actualmente existente, para casos de reincidência na não inscrição de trabalhadores temporários na Segurança Social, o que sucede frequentemente com estas empresas.

DURAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DO TEMPO DE TRABALHO

(artigos 196.º a 256.º)

As disposições da proposta de Código que introduzem inovações à organização do tempo de trabalho, seja no âmbito da adaptabilidade grupal, seja no âmbito dos bancos de horas e horários concentrados, revelam, também, que a preocupação do Governo é a de sacrificar cada vez mais os direitos dos trabalhadores aos interesses dos empregadores.

Apesar de, repetidamente, invocar a necessidade de compatibilização da actividade profissional do trabalhador com a sua vida pessoal e familiar, o Governo propõe regimes de trabalho em que a apregoada compatibilização é claramente afastada, originando uma desregulação do normal funcionamento da vida familiar e pessoal do trabalhador, através do aumento significativo do período diário e semanal de trabalho a que o trabalhador estará sujeito.

Paralelamente, a proposta pretende reduzir os encargos das empresas com o custo do factor trabalho, uma vez que a utilização dos regimes de adaptabilidade previstos tornarão desnecessário o recurso à prestação de trabalho suplementar, permitindo-lhes alcançar a produção pretendida sem os acréscimos de custos, que teriam de suportar caso recorressem a essa forma de prestação de trabalho.

E isto num país que se caracteriza por ter os mais baixos salários da Europa?. e em que a retribuição das horas suplementares prestadas chegam a constituir uma parcela significativa e fundamental da remuneração de trabalhadores e dos respectivos orçamentos familiares.

Adaptabilidade grupal ? Artigo 205.º

A adaptabilidade grupal, inserida numa linha de indiscutível debilitação do estatuto dos trabalhadores, e que alarga o âmbito de aplicação da adaptabilidade colectiva e individual, respectivamente previstas nos artigos 203.º e 204.º, representa um reforço da flexibilidade do tempo de trabalho.

A adaptabilidade grupal estende o regime de adaptabilidade colectiva aos trabalhadores não abrangidos pelo IRCT que a institui, desde que este se aplique a, pelo menos, 60% dos trabalhadores de uma equipa, secção ou unidade económica. Estende também o regime de adaptabilidade individual a todos os trabalhadores da estrutura considerada, e que não aceitaram a proposta feita pelo empregador no sentido de instituir um regime de adaptabilidade do tempo de trabalho, desde que aceite ou, pelo menos, que presumidamente aceite por 75% dos trabalhadores dessa estrutura.

Trata-se de uma adaptabilidade forçada, que não resulta de acordo, colectivo ou individual, que é imposta por lei e contra a vontade manifestada pelos trabalhadores, que a não aceitaram.

Na verdade, entendemos que, em matéria de flexibilidade do tempo de trabalho e de alteração de horários de trabalho, deve manter-se o princípio da aceitação de cada trabalhador, não sendo aceitável que a lei a imponha, escudando-se em decisões maioritárias.

É necessário ter em conta que este tipo de decisões se relaciona directamente com a conciliação entre a vida profissional e a vida familiar dos trabalhadores, o que significa que os interesses e razões pessoais e familiares dos trabalhadores têm que ser tidos em consideração.

Neste caso, não é aceitável que a disponibilidade de uma maioria para aceitar um regime de adaptabilidade se sobreponha às situações específicas de cada trabalhador individualmente considerado, na medida em que estão em causa situações individuais diferentes, que têm de ser analisadas e solucionadas de modo diferente.

Banco de horas ? Artigo 207.º

O denominado "Banco de Horas" incorpora um novo mecanismo de adaptabilidade do tempo de trabalho, nos termos do qual o período normal de trabalho pode ser aumentado até quatro horas diárias, sessenta horas semanais e 200 horas anuais.

Tratando-se de um mecanismo de adaptabilidade do tempo de trabalho, com as formas de prestação e de compensação a serem objecto de regulamentação por IRCT, o Banco de Horas diferencia-se do regime de adaptabilidade tradicional, nos seguintes aspectos:

- No que se refere à prestação, não se verifica a definição da duração do tempo de trabalho em termos médios, nem existe fixação de qualquer período de referência, durante o qual a duração média do trabalho deva ser observada, através da compensação dos acréscimos de tempo de trabalho;

- No que se refere à compensação dos acréscimos do tempo de trabalho, esta pode ser feita pela observação de períodos com redução do tempo de trabalho (a descontar nos acréscimos/horas acumulados), no pagamento em dinheiro ou através de um sistema misto que conjugue as duas modalidades, sempre de acordo com o que estiver estabelecido em IRCT.

A proposta não impõe, porém, que no caso da opção da compensação se traduzir pelo pagamento em dinheiro, o pagamento do trabalho acrescido (horas suplementares, que acresceram ao período normal de trabalho), seja efectuado com acréscimo sobre o pagamento a singelo das horas trabalhadas, como sucede no regime do trabalho suplementar.

Trata-se, pois, de mais um mecanismo de flexibilidade de organização do tempo de trabalho, criado no exclusivo interesse dos empregadores, na mesma linha exploradora dos trabalhadores e que os obriga a trabalhar mais, por menos dinheiro.

Horários Concentrados - Artigo 208.º

Os horários concentrados constituem uma outra novidade apresentada no cardápio das adaptabilidades do tempo de trabalho

Desta vez, por acordo colectivo ou por acordo individual, o trabalhador pode ter o respectivo período normal de trabalho diário aumentado até 12 horas, para concentrar o trabalho semanal em três ou quatro dias consecutivos por semana.

Nesta situação de adaptabilidade prevê-se a existência de um período de referência fixado em IRCT, com a duração máxima de 45 dias, no decurso do qual a duração média do período normal de trabalho semanal deverá ser respeitada.

Sendo também uma variante do regime de adaptabilidade do tempo de trabalho, parece diferenciar-se desta por permitir a existência de períodos normais de trabalho diário mais longos.

Descanso compensatório de trabalho suplementar - Artigo 228.º

Nos termos do n.º 3 do artigo 228.º, o trabalhador que presta trabalho suplementar impeditivo do gozo de descanso diário tem direito a descanso compensatório remunerado equivalente às horas de descanso em falta, a gozar num dos três dias úteis seguintes.

A redacção da disposição referida é confusa e não permite um entendimento claro da situação que se pretende regular.

Quando, por exemplo, refere o descanso diário, que realidade pretende abranger: todo o tempo não compreendido no período normal de trabalho diário ou, apenas, o período mínimo de descanso de 11 horas diárias seguidas, entre dois dias de trabalho consecutivos, previsto no n.º 1 do artigo 213.º?

A este respeito, pensamos tratar-se do descanso mínimo diário, já que o período de descanso normal, mais alargado, durante o qual é prestado trabalho suplementar, se encontra previsto no n.º 1 do artigo 228.º.

No que se refere, por sua vez, à referência ao "trabalho suplementar impeditivo do gozo?.", também não se determina que trabalho suplementar poderá afastar o gozo do período mínimo diário de descanso, mediante o descanso compensatório atribuído: todo o trabalho suplementar prestado, independentemente do motivo que o ocasionou ou, apenas, o trabalho suplementar prestado por motivo de força maior e para ocorrer às situações previstas na alínea b) do n.º 2 do artigo 213.º?

Consideramos que a clarificação da redacção do n.º 3 do artigo 228.º é absolutamente indispensável, referindo qual o trabalho suplementar visado.

Duração do período de férias ? Artigo 237.º

O nº 4 deste artigo 237º determina expressamente que o período de licença parental é considerado como tempo de trabalho efectivo para efeitos do aumento do período de férias em razão da assiduidade, o que significa que serão contadas para este mesmo efeito todas as restantes faltas, designadamente todas as relacionadas com o exercício de direitos no âmbito da protecção da maternidade e paternidade como sejam as consultas pré-natais e a assistência a filhos, o que consideramos ser discriminatório e incompatível com os princípios da conciliação da vida familiar com a vida profissional.

Marcação do período de férias - Artigo 240.º

O princípio de que, na falta de acordo, compete ao empregador marcar as férias no período entre 1 de Maio e 31 de Outubro, salvo se o instrumento de regulamentação colectiva ou o parecer de estrutura representativa dos trabalhadores admitirem época diferente, é quebrado no sector do turismo, no qual o empregador só fica obrigado a garantir 25% do período de férias a que o trabalhador tem direito no referido período entre Maio e Outubro.

Encerramento para férias - Artigo 241.º

As alterações introduzidas neste domínio vão no sentido da eliminação das restrições à duração do encerramento das empresas para férias, nos seguintes termos:

  • Desde que seja compatível com a sua actividade, as empresas podem encerrar para férias livremente, pelo tempo que entenderem, no período compreendido entre 1 de Maio e 31 de Outubro, salvo se o instrumento de regulamentação colectiva ou o parecer de estrutura representativa dos trabalhadores admitir época diferente;
  • Nas micro-empresas, o encerramento para férias é livre.

As alterações introduzidas quer nas regras relativas à marcação de férias, quer nas relativas ao encerramento para férias correspondem a um reforço dos poderes patronais nesta matéria em prejuízo dos interesses dos trabalhadores, que passarão também no que toca ao gozo de férias a registar maiores dificuldades na conciliação da vida profissional com a vida familiar.

RETRIBUIÇÃO E OUTRAS PRESTAÇÕES PATRIMONIAIS

(artigos 277.º a 279.º)

Modalidades de retribuição ? Artigo 260.º

Na proposta apresentada (n.º 5), é de assinalar o empenho do legislador no aconselhamento ao empregador sobre a possibilidade de utilização dos sistemas de retribuição mista, como forma de incentivar o aumento da produtividade.

Para o efeito, confere uma especial importância à apreciação das qualidades pessoais dos trabalhadores que possam beneficiar o aumento da prestação de trabalho, qualidades que não exemplifica, mas a que as características de, por exemplo, o trabalhador "ser loiro e ter olhos azuis" não são certamente irrelevantes?.

Ainda neste artigo, a respeito da modalidade de retribuição variável, a proposta não inclui a garantia para o trabalhador, constante no n.º 4 do artigo 252.º do actual Código do Trabalho, nos termos da qual: "o trabalhador não pode, em cada mês de trabalho, receber montante inferior ao da retribuição mínima garantida aplicável", garantia que se poderá revelar indispensável à subsistência do trabalhador.

Pagamento de trabalho suplementar ? Artigo 267.º

No n.º 3 do presente artigo, prevê-se a possibilidade de o acréscimo remuneratório devido por prestações de trabalho suplementar poder ser afastado por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.

Não se trata apenas da possibilidade de o acréscimo remuneratório ser efectuado através das percentagens previstas ou de outras que sejam fixadas em IRCT, como acontece actualmente, mas do próprio pagamento do trabalho suplementar.

Trata-se de mais uma medida inserida no modelo introduzido pelo Código do Trabalho e que se traduz na palavra de ordem "mais trabalho por menos dinheiro".

Acresce a este respeito o desagravamento verificado no regime sancionatório pelo não pagamento de trabalho suplementar (nos casos em que ainda é devido) previsto no n.º 4, e que deixa constituir uma contra-ordenação muito grave, para passar a contra-ordenação grave, o que não deixa de constituir um sinal das intenções do Governo quanto a esta matéria.

Forma de cumprimento da obrigação de retribuição ? Artigo 275.º

A possibilidade de proceder ao cumprimento da retribuição por forma mista, isto é, compreendendo uma parte em dinheiro e outra em espécie (prestações não pecuniárias), depende actualmente da existência de acordo entre empregador e trabalhador.

Ao invés a proposta apresentada não prevê a existência de qualquer acordo neste sentido.

Ora, podendo a retribuição efectuada através de prestações pecuniárias atingir metade da retribuição do trabalhador, nos termos do n.º 2 do artigo 258.º, a atribuição da decisão desta forma de pagamento apenas ao empregador constitui uma total irresponsabilidade do Governo, porquanto as necessidades do trabalhador são mais variadas do que aquelas que a retribuição em espécie poderá satisfazer.

Prestações incluídas na retribuição mínima mensal garantida ? Artigo 273.º

A CGTP-IN manifesta a total estupefacção e repúdio pelo aumento, quase para o triplo, do valor por divisão assoalhada habitação para o trabalhador e o seu agregado familiar, dedutível no montante da retribuição mínima mensal garantida a atribuir ao trabalhador, e que passa de 10 euros (valor estabelecido em Julho de 2004) para 27,36 euros.

PREVENÇÃO E REPARAÇÃO DE ACIDENTES DE TRABALHO E DOENÇAS PROFISSIONAIS

(artigos 280º a 283º)

Nesta Proposta de revisão do Código do Trabalho é assumida a opção de regular autonomamente, em diploma complementar, a matéria relativa quer à segurança e saúde no trabalho, quer à reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais, mantendo no Código apenas uma referência a estes regimes, por via da consagração de um conjunto de princípios fundamentais.

É sabido que, no que respeita ao regime da reparação dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, a CGTP-IN defendeu sempre a sua regulamentação autónoma atendendo a que se trata de um regime muito especifico que envolve normas de diversa natureza e regula situações que extravasam o âmbito das relações laborais e deve portanto estar previsto em legislação própria.

Já no que toca à segurança e saúde no trabalho temos dúvidas quanto à necessidade e eficácia da sua autonomização, pois estamos indubitavelmente perante regras directamente relacionadas com o trabalho e as condições em que é prestado e com os direitos e deveres dos sujeitos da relação laboral.

De qualquer forma, a opção de incluir num mesmo capítulo, sob a designação de «Prevenção e reparação dos acidentes de trabalho e doenças profissionais», os princípios relativos à segurança e saúde no trabalho e à reparação dos acidentes de trabalho e doenças profissionais reflecte uma concepção retrógrada da prevenção dos riscos profissionais e da promoção da segurança e saúde no trabalho.

Efectivamente, esta opção configura uma desvalorização dos conceitos de prevenção dos riscos profissionais e de promoção da segurança e saúde no trabalho, que se filia numa concepção da prevenção e da promoção da segurança e saúde como meros instrumentos de combate à sinistralidade e não objectivos autónomos, com um valor intrínseco.

Esta visão instrumental da prevenção dos riscos profissionais e da segurança e saúde no trabalho, por sua vez, radica numa perspectiva ultrapassada da prevenção como mera prevenção técnica e de protecção e num conceito muito restritivo de segurança e saúde no trabalho ligado exclusivamente aos riscos físicos e materiais.

Ora, pelo menos desde 1989 (ano da publicação da Directiva quadro em matéria de segurança e saúde no trabalho) que foi estabelecida, a nível comunitário, uma nova abordagem desta problemática, baseada numa filosofia geral de prevenção que preconiza a promoção da saúde e bem-estar dos trabalhadores a todos os níveis e que afasta a ideia de que as políticas de segurança e saúde no trabalho se esgotam no combate à sinistralidade laboral.

A nova abordagem dos riscos profissionais e da segurança e saúde no trabalho resultante da Directiva foi integrada na nossa legislação pelo DL 441/91, de 14 de Novembro, relativo aos princípios da prevenção dos riscos profissionais, esteve presente nos dois Acordos de Concertação Social (de 1996 e 2001) celebrados nesta área e, embora com algumas deficiências e incorrecções, passou para o Código do Trabalho, aprovado pela Lei 99/2003, e respectiva regulamentação.

Neste contexto, consideramos totalmente absurdo que se pretenda agora resumir a prevenção dos riscos profissionais e a promoção da segurança e saúde no trabalho à prevenção dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, ignorando todo o edifício legislativo e doutrinário que tem vindo a ser sedimentado ao longo destes anos.

TRANSMISSÃO DE EMPRESA OU ESTABELECIMENTO

(artigos 284.º a 286.º)

Além de se manterem as deficiências relativas à transposição da Directiva 2001/23/CE, do Conselho, de 23 de Março, relativa aos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresa ou estabelecimento, que assinalámos aquando da discussão do Código do Trabalho aprovado pela Lei 99/2003, de 27 de Agosto, constatamos que nesta Proposta foi eliminado o dever do adquirente fazer afixar nos locais de trabalho um aviso dando conhecimento aos trabalhadores de que devem reclamar os seus créditos em determinado prazo.

Não obstante os direitos de informação e consulta que assistem aos trabalhadores e seus representantes neste processo, entendemos que a afixação deste aviso, que não onera de nenhum modo especial o adquirente, continua a assumir extrema importância para que os trabalhadores tomem conhecimento certo e efectivo de que podem e devem reclamar os seus créditos e em que prazo e quais as consequências da não reclamação.

Neste contexto, não vemos nenhuma razão atendível que justifique a eliminação desta obrigação.

CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO

(artigos 337.º a 401.º)

Despedimento por facto imputável ao trabalhador ? Artigos 355.º, 381.º, 387.º e 389.º

Com o argumento de que os actuais modelos processuais de despedimento se têm revelado excessivamente pesados para o empregador, o Governo propõe uma "simplificação profunda" nesta matéria, designadamente em sede de procedimento disciplinar, com muitas das formalidades hoje impostas ao empregador em matéria de instrução (prova) a deixarem de ser obrigatórias e passando a caber ao empregador a decisão sobre a sua promoção ou não (n.º 1 do artigo 355.º).

Para além disso, o Governo propõe a reconfiguração dos efeitos do despedimento ilícito, distinguindo os vícios procedimentais dos materiais, com a não condução à invalidade do despedimento sempre que os vícios sejam exclusivamente procedimentais.

Com efeito, nos termos do artigo 381.º, o procedimento só será inválido, se faltar: a nota de culpa, ou esta não for escrita ou não contiver a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador; faltar a comunicação da intenção de despedimento; não tiver sido respeitado o direito do trabalhador a consultar o processo ou a responder à nota de culpa; faltar a comunicação ao trabalhador da decisão final do despedimento.

Isto é: o Governo não só propõe a supressão ou liberalização de formalidades, como preconiza que os vícios procedimentais tenham como consequência apenas a irregularidade do despedimento ilícito e não já a invalidade deste.

Ora, enquanto, nos termos do artigo 387.º, o despedimento declarado ilícito condena o empregador, a indemnizar o trabalhador por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais e a reintegrar o trabalhador no mesmo estabelecimento onde trabalhava (e já não no mesmo posto de trabalho como sucede actualmente), a mera irregularidade procedimental, se forem declarados procedentes os motivos justificativos, confere ao trabalhador apenas o direito a uma indemnização correspondente a metade do valor da indemnização prevista no artigo 389.º (indemnização em substituição da reintegração a pedido do trabalhador).

A CGTP-IN entende que o aligeiramento das exigências procedimentais proposto, bem como a descaracterização da sanção por violação destas exigências significam uma enorme diminuição da dimensão procedimental existente, a qual tem como consequência a diminuição da garantia constitucional da segurança no emprego.

Por outro lado a redução do prazo de impugnação (de um ano para 60 dias), apresenta-se como um prazo demasiado curto e inadequado à realidade social e laboral portuguesa, não permitindo sequer que o trabalhador possa previamente sujeitar o conflito ao mecanismo da mediação laboral, o que, como se sabe tem uma duração prevista de 90 dias.

Na verdade, tratando-se aparentemente de regras de "simplificação procedimental" do regime de cessação do contrato por facto imputável ao trabalhador, estas não são menos do que verdadeiras regras que visam facilitar os despedimentos e tornar irreversíveis as decisões patronais, no sentido do afastamento do trabalhador da empresa.

A par do aligeiramento da simplificação do despedimento, o Governo previu ainda o "embaratecimento" deste, através da transferência para o Estado do pagamento dos salários intercalares, sempre que a acção judicial se prolongar por mais de um ano, medida esta que, embora constante do Acordo de Concertação Social, só será integrada nas alterações que se vierem a efectuar no âmbito do Código do Processo de Trabalho.

Trata-se de uma medida promocional do despedimento, que a CGTP-IN repudia, porquanto remove qualquer inibição que pudesse resultar para o empregador, de um eventual receio de perda da acção judicial e da consequente obrigação de proceder ao pagamento das referidas retribuições intercalares.

Na verdade, consideramos particularmente grave a tentativa de reduzir os custos do despedimento para as entidades patronais a expensas do Estado e alegar a morosidade dos tribunais como justificação é, para nós, igualmente inaceitável, na medida em que a morosidade da justiça acontece em todas as instâncias e não há noticia de que o Governo se tenha prontificado a legislar no sentido de atribuir indemnizações a outros cidadãos lesados pela demora da justiça, incluindo trabalhadores que estão à espera de receber créditos há cinco, dez e até 20 anos como nos processos de falência!

Despedimento Colectivo e despedimento por extinção do posto de trabalho - Artigos 362.º e 370.º

Para além de pequenas alterações de prazos procedimentais, sem impacto de maior, registe-se pela gravidade e desigualdade que acarreta para alguns desses trabalhadores, a alteração da duração mínima de 60 dias na antecedência a observar na comunicação ao trabalhador de despedimento colectivo ou de extinção do posto de trabalho.

Os novos pré-avisos propostos variam de acordo com a antiguidade de cada um dos trabalhadores envolvidos no despedimento, oscilando entre 15, 30, 60 ou 75 dias, consoante o trabalhador tenha, respectivamente, uma antiguidade inferior a 1 ano, entre 1 e 5 anos, entre 5 e 10 anos e superior a 10 anos.

Prevendo a lei, por outro lado, que durante o prazo de aviso prévio, o trabalhador tenha direito a utilizar, sem perda de retribuição, um crédito correspondente a dois dias por semana (artigo 363.º), este crédito será consequentemente reduzido, na mesma proporção, por força da redução da duração do aviso prévio.

Dado o objectivo do crédito de dias concedido, de igual interesse e importância para qualquer um dos trabalhadores envolvidos no despedimento, não nos parece que a diferenciação de antiguidade dos trabalhadores deva ter consequências nesta matéria.

COMISSÕES DE TRABALHADORES

(artigos 413.º a 437.º)

A regulamentação relativa às comissões de trabalhadores passa a integrar completamente o Código do Trabalho.

De acordo com o mesmo raciocínio, não se compreende porque motivo a regulamentação relativa aos conselhos de empresa europeus é remetida para legislação específica e autónoma; trata-se também de uma estrutura representativa dos trabalhadores, com a mesma dignidade das restantes e que como tal deveria merecer idêntico tratamento.

No que toca especificamente ao regime das comissões de trabalhadores, as alterações mais significativas estão relacionadas com as reuniões de trabalhadores convocadas pelas comissões de trabalhadores, que a Proposta sujeita a novos procedimentos, claramente destinados a dificultar a realização de tais reuniões no tempo de trabalho.

Assim:

· A exigência de indicar o número previsível de participantes na reunião é completamente ridícula ? as comissões de trabalhadores representam, por natureza, todos os trabalhadores da empresa e quando convocam uma reunião esperam naturalmente que todos participem, portanto é um dado adquirido que o número previsível de participantes em reunião convocada pela comissão de trabalhadores corresponde ao número total de trabalhadores da empresa;

· A exigência de apresentar uma proposta formal que vise assegurar o funcionamento de serviços de natureza urgente e essencial é claramente excessiva e tem o evidente propósito de dificultar ou impedir a realização de tais reuniões no tempo de trabalho.

ASSOCIAÇÕES SINDICAIS E ASSOCIAÇÕES DE EMPREGADORES

(artigos 438.º a 466.º)

Conceito de delegado sindical -  Artigo 440.º

A alínea d) do n.º 1 do artigo 440.º considera delegado sindical, o trabalhador eleito para exercer actividade sindical na empresa ou estabelecimento.

Trata-se de um conceito restrito, que não abrange o conjunto das funções normalmente desempenhadas pelo delegado sindical, e que consistem, especialmente, na dinamização da actividade sindical nos locais de trabalho e na participação nos órgãos do sindicato, nos termos previstos nos respectivos estatutos das associações sindicais. No exercício das funções referidas, o delegado sindical actua como que um elo de ligação entre o sindicato e os trabalhadores e, reciprocamente, entre os trabalhadores e o sindicato.

Nestes termos a CGTP-IN, entende que qualquer definição legal de delegado sindical deverá necessariamente ter em consideração as atribuições dos delegados sindicais constantes nos estatutos associativos.

Cobrança de quotas sindicais - Artigo 456.º

O artigo 403.º da proposta visa assegurar a autonomia e independência das associações sindicais, relativamente ao Estado, partidos políticos, instituições religiosas ou associações de outra natureza, proibindo qualquer ingerência destas na sua organização e gestão, bem como o seu recíproco financiamento.

Proíbe ainda aos empregadores e respectivas organizações, promover a constituição, manter ou financiar o funcionamento das estruturas de representação colectiva dos trabalhadores ou, por qualquer modo intervir na sua organização e gestão, assim como impedir ou dificultar o exercício dos seus direitos.

O actual sistema de quotas sindicais, em vigor desde 2001, tem vindo a ser pacificamente aplicado e entendido como compatível com a natureza autónoma e independente das associações sindicais.

Na verdade o sistema de quotas sindicais em vigor, a par da respectiva previsão em IRCT, assenta, sobretudo, na previsão legal de uma obrigação dos empregadores de proceder à cobrança e envio das quotas sindicais aos sindicatos, accionável mediante pedido expresso do trabalhador interessado.

Na proposta em apreciação, é apresentado um novo sistema de quotas, que não foi objecto de negociação em Concertação Social, pese embora a enorme importância no suporte financeiro e sobrevivência dos sindicatos, e que substitui a obrigação legal de proceder à cobrança e envio de quotas por um acordo a celebrar entre empregador e trabalhador, mediante pedido do trabalhador, sobre o qual o empregador deve decidir no prazo de 10 dias. Em caso de acordo, a data de produção de efeitos é estabelecida pelas partes.

A CGTP-IN entende que um sistema de quotas sindicais, exclusivamente dependente da existência de um acordo, em termos colectivos ou individuais, interfere com a natureza independente e autónoma dos sindicatos.

Na verdade, entendemos que o sistema proposto coloca nas mãos do patronato, a possibilidade de, indirectamente, interferir no financiamento das associações sindicais, podendo decidir as que pretende deixar que continuem a ser financiadas pelos trabalhadores e aquelas que entende não o merecerem ser.

É uma forma de atribuir ao patronato, através da recusa ou aceitação dos pedidos de cobrança de quotas sindicais que lhe são apresentados individualmente por cada trabalhador, a faculdade de impedir ou dificultar o exercício dos direitos por parte das organizações sindicais.

Nestes termos entendemos que o sistema proposto permite aos empregadores interferir, a seu belo prazer, na vida e subsistência das organizações sindicais, pelo que, deverá ser totalmente substituído, procedendo-se à reposição do sistema vigente.

"Revisão dos estatutos existentes" -  Artigo 8.º da Lei Preambular

A CGTP-IN, como acérrima defensora da legalidade democrática, defende que os estatutos das associações sindicais devam apresentar-se conformes à lei.

A CGTP-IN repudia, porém, a sujeição das associações sindicais a uma lei prepotente, cega e irrealista que, entre outras aberrações, obriga, por exemplo, uma Federação, que tenha três ou quatro sindicatos filiados, a prever nos respectivos estatutos, a possibilidade de convocação da sua Assembleia Geral a pedido de (pasme-se) "10% ou 200 associados", sob pena de ser elaborado um parecer de ilegalidade por parte dos competentes serviços do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social e do envio do mesmo ao Ministério Público para instauração de procedimento judicial.

CONTRATAÇÃO COLECTIVA

(artigos 474.º a 519.º)

Escolha de convenções aplicável - artigos 495.º e 490.º n.º 4

O artigo 495.º da proposta do Código do Trabalho pretende reconhecer ao trabalhador sem filiação sindical o direito de escolher a convenção colectiva ou decisão arbitral que lhe será aplicável no âmbito da respectiva empresa. Como contrapartida deste direito o trabalhador poderá ser obrigado a pagar um montante, um "canon de negociação" às associações sindicais envolvidas (n.º 4 do artigo 490.º), se previsto na convenção colectiva.

Esta previsão é desnecessária e atentatória dos direitos das associações sindicais e dos seus associados:

- É desnecessária porque a lei já prevê, e continuará a prever, o mecanismo de extensão das convenções colectivas e decisões arbitrais, que permitem alargar o âmbito originário da convenção a trabalhadores e a empregadores, em relação aos quais não se verifica o princípio da dupla filiação, especialmente os trabalhadores sem filiação sindical;

- É atentatória dos direitos das associações sindicais e dos associados: porque considera, erradamente, que o trabalhador e a entidade empregadora estão no mesmo plano de igualdade na relação do trabalho, ignorando que o trabalhador está subordinado ao empregador e na sua dependência económica.

Ora, foi precisamente o desequilíbrio resultante dessa subordinação e dependência, desfavorável ao trabalhador que determinou a existência de associações sindicais, como organizações que permitiram aos trabalhadores, colectivamente, defender-se e conquistar direitos para todos; que originou o direito do trabalho, como complexo normativo visando proteger a parte mais fraca da relação laboral e a negociação colectiva, como instrumento mais adequado à defesa e promoção dos direitos e interesses dos trabalhadores.

Ao permitir que o trabalhador, que voluntariamente optou por não ser sindicalizado, adira a uma convenção colectiva em substituição da sua filiação no sindicato outorgante, o artigo 495.º da proposta constitui um mecanismo que pode incentivar a não filiação sindical e a desfiliação sindical, e, consequentemente, o enfraquecimento dos sindicatos.

O mesmo artigo permite ainda, dada a subordinação e dependência económica do trabalhador ao empregador, que este influencie a escolha do trabalhador e, mesmo, a desfiliação do trabalhador do sindicato em que estiver inscrito, se não for do seu agrado.

CADUCIDADE DAS CONVENÇÕES COLECTIVAS/CADUCIDADE DE CLÁUSULAS CONVENCIONAIS DE VIGÊNCIA

Artigo 499.º e artigo 9.º da Lei Preambular

O artigo 9.º da Lei Preambular propõe-se fazer caducar (ou será antes revogar?) na data da sua entrada em vigor todas as convenções colectivas de trabalho que contenham "cláusula que faça depender a cessação da sua vigência de substituição por outro instrumento de regulamentação colectiva de trabalho", enumerando de seguida os factos determinantes da caducidade (ou revogação?).

Esta proposta do Governo contraria todas as suas "boas intenções" de promoção e dinamização da contratação colectiva, tão apregoadas aos sete ventos?. e que, mais uma vez, se submete à vontade e interesses do patronato, ou talvez não, talvez seja mesmo a vontade do Governo, aquilatando pela intervenção do Sr. Primeiro Ministro na Assembleia da República, no passado dia 23 de Julho, em que vociferou "Nós queremos acabar com aquelas convenções colectivas, nós não as queremos"!

De facto: perante o insucesso pretendido com a aplicação do artigo 13.º da Lei n.º 99/2003 e do artigo 557.º do actual Código do Trabalho, este artigo 9.º resolve esse "gravíssimo" problema que era a subsistência de convenções colectivas de trabalho que o patronato, unilateralmente entendeu não querer mais aplicar.

Esquecendo que o regime vertido nessas convenções resultou de acordo entre os respectivos subscritores, que reflectem a aceitação do regime legal vigente até à entrada em vigor do Código do Trabalho, e que traduzem a vontade das partes de impedir a existência de vazios contratuais, o Governo decide que com a entrada em vigor do novo Código todas as convenções caducarão

Com esta opção o Governo alinha pela vontade da parte mais forte da relação laboral, inventando razões de competitividade para afastar um regime que é garantia de justiça e de progresso das condições de trabalho e que, curiosamente, não foi impeditivo de progresso e de competitividade em países da Europa bem mais prósperos e competitivos do que Portugal; isto é: mais uma vez o Governo entende que a culpa do estado a que se chegou é dos trabalhadores e das suas organizações, que ousaram conquistar direitos que impedem que o capital obtenha menos lucros do que os grandes lucros que já acumula.

Mas a sua sanha contra este regime não se fica, apenas, pelas convenções colectivas actualmente vigentes. O Governo não quer que as futuras convenções colectivas contenham norma semelhante.

Intrometendo-se no exercício do próprio direito à fixação do conteúdo das convenções colectivas, o Governo, na impossibilidade de proibir pura e simplesmente que as convenções estipulem futuramente que se mantêm em vigor até serem substituídas por outro instrumento de regulamentação colectiva, impõe no n.º 1 do artigo 499.º da proposta um período de validade a estas cláusulas, cujo termo conduzirá à caducidade.

Face ao exposto, reiteramos que consideramos falso que o Governo, com as propostas vertidas nos artigos 9.º da Lei Preambular e 499.º do Código, vise promover e dinamizar a contratação colectiva. O Governo visa sim, com estas propostas, acabar com a contratação colectiva ou, pelo menos, torná-la num instrumento "civilizado de sujeição" dos trabalhadores (é feio no século XXI falar-se em escravatura), aos superiores interesses do capital, ao qual parece dever obediência, o que acontecerá se o Capital se dispuser a ter associações sindicais que o sirvam?.

Determinação de arbitragem obrigatória ? Artigo 507.º

As alterações propostas para o instituto da arbitragem obrigatória em nada alteram de significativo o regime actualmente vigente.

A arbitragem obrigatória continua a ser determinada de forma discricionária pelo ministro responsável pela área laboral, quando a sua determinação deveria resultar do exercício de poderes vinculados, verificadas as circunstâncias expressamente previstas na lei.

Arbitragem necessária ? Artigos 509.º e 510.º

A proposta introduz a figura da "arbitragem necessária" com o objectivo de preencher o vazio contratual originado pela caducidade de convenções colectivas, a ter lugar se nos 12 meses subsequentes à caducidade não tiver sido celebrada nova convenção colectiva e não existir outra que se aplique "a pelo menos 50% dos trabalhadores da mesma empresa, grupo de empresa ou sector de actividade".

Em vez de contribuir activamente para que não se verifique vazio contratual, impedindo a caducidade das convenções com o recurso à arbitragem necessária, o Governo, primeiro deixa caducar as convenções e, só muito depois, é que pondera a possibilidade de determinar a arbitragem.

Também com esta solução o Governo demonstra que não pretende promover e dinamizar a contratação colectiva. O que o Governo pretende, mais uma vez, é servir os interesses do patronato, dotando-o de mecanismos que lhe permitam definir os quadros normativos das relações de trabalho em que os trabalhadores são considerados apenas como um factor de produção (quanto mais trabalhar, melhor, quanto menos receber, melhor ainda) e aos sindicatos pretende reservar-se um papel de cúmplice fiel e legitimador de uma cada vez maior exploração dos trabalhadores.

Extensão de convenções colectivas ou decisão arbitral ? Artigo 512.º

A proposta propõe-se alterar as condições de emissão dos regulamentos/portarias de extensão.

Actualmente, e já anteriormente, na vigência do Decreto-Lei n.º 519-c1/79, de 29 de Dezembro, a extensão de convenções colectivas de trabalho para fora da área da sua aplicação só é possível no caso de não existirem associações sindicais ou de empregadores.

Com o artigo 512.º esta impossibilidade desaparecerá, o que quer dizer que uma qualquer convenção aplicável em determinada área poderá ser estendida a outra área não coberta por convenção colectiva ou decisão de arbitragem voluntária, mesmo que existam associações sindicais e de empregadores que representem nessa área, os trabalhadores e os empregadores.

GREVE E PROIBIÇÃO DE LOCK-OUT

(artigos 528.º a 542.º)

Definição de serviços a assegurar durante a greve ? Artigo 536.º

O n.º 3 do presente artigo pretende instituir a regra do precedente na definição de serviços mínimos em caso de greve. O facto de em greves substancialmente idênticas terem sido anteriormente fixados os mesmos serviços mínimos não permite concluir que esses serviços mínimos foram fixados de acordo com as regras da necessidade, da adequação e da proporcionalidade por essa greve exigidos, nem que a nova greve venha a ser "substancialmente idêntica "às anteriores.

Para mais, utilizando uma qualificação cujo conteúdo não é expresso: o que é uma greve "substancialmente idêntica"? Não é dito e, o que é "substancialmente idêntico" para uns, não o será para outros?

Ora, os serviços mínimos deverão ser fixados em concreto, em função da greve a que respeitam, e não em função de greves passadas.

Por outro lado, a consagração em acta da rejeição de aceitação de serviços mínimos definidos para greves anteriores, com o propósito de fazer pagar os custos dos serviços de arbitragem, caso venham a ser definidos os mesmos serviços mínimos, é desincentivadora do recurso a este meio de resolução de conflitos e constituirá mais um meio de, nomeadamente, através do garrote financeiro, vergar as associações sindicais.

RESPONSABILIDADE PENAL E CONTRAORDENACIONAL

(artigos 543.º a 562.º)

Sanções acessórias - Artigo 558º

A Proposta prevê um agravamento do regime das sanções acessórias, por um lado, mediante o alargamento das situações em que estas sanções podem ser aplicadas e, por outro, criando novas sanções acessórias e alargando os prazos de aplicação das já existentes.

No que toca às novas sanções, para além da publicidade, que pode ser aplicada na generalidade das situações tipificadas, é ainda criada a sanção acessória da privação do direito a subsídio ou benefício público por período até 2 anos que é de aplicação exclusiva em caso de reincidência na contra-ordenação muito grave prevista no nº2 do artigo 13º da Proposta, relacionada com as falsas prestações de serviços, estando aliás prevista, não nesta disposição relativa às sanções acessórias, mas no nº 3 daquele artigo 13º.

Sem prejuízo de considerarmos que o agravamento das sanções acessórias, se devidamente utilizado, pode contribuir para aumentar a efectividade das normas laborais nomeadamente pela via da dissuasão, estranhamos que a sanção acessória potencialmente mais eficaz precisamente pelo seu efeito dissuasor, como é a privação do direito a subsídios públicos, tenha ficado restringida unicamente a uma situação e não seja genericamente prevista, tal como as restantes, para todas as situações de infracção muito grave ou reincidência em infracção grave.

Este recuo no cominar de sanções mais gravosas para a violação das leis do trabalho demonstra bem que os interesses das empresas se sobrepõem, na mente do legislador, aos direitos e interesses dos trabalhadores, mesmo quando se trata de impor o cumprimento da lei.

Em Conclusão

O Código do Trabalho, aprovado pela Lei 99/2003, de 27 de Agosto, significou um profundo retrocesso na regulação das relações laborais em Portugal, impondo um modelo baseado numa concepção retrógrada do Direito do Trabalho, que não só ignora a sua dimensão simultaneamente social, económica, política e cultural, como pretende apagar a sua matriz genética enquanto direito de protecção do trabalhador.

Nesta óptica, optou por estabelecer um modelo de relações laborais profundamente desequilibrado, assente num reforço dos poderes patronais, na individualização da relação de trabalho, no enfraquecimento dos direitos colectivos e da negociação colectiva, na fragilização dos direitos em geral e no desrespeito pela dignidade dos trabalhadores.

A CGTP-IN rejeitou desde o início e continua a rejeitar veementemente a filosofia e o modelo de relações laborais que estão subjacentes ao Código do Trabalho actualmente em vigor.

Da mesma forma, na discussão pública da Proposta de Lei que deu origem ao Código, o Partido Socialista então na oposição rejeitou esta concepção do direito do trabalho e das relações laborais, apresentou propostas de sinal claramente contrário e posteriormente incluiu no seu programa de Governo, com o qual se apresentou às eleições legislativas de 2005, a seguinte promessa: «(?) o Governo promoverá a revisão do Código do Trabalho, tomando por base as propostas de alteração apresentadas na Assembleia da República (?)».

Porém, três anos depois, apresenta esta Proposta de revisão do Código do Trabalho que, em nome da competitividade da economia e, hipocritamente, também em nome do combate à precariedade, desequilibra ainda mais a relação de forças entre empresas e trabalhadores, reforça o unilateralismo patronal e a dimensão individual da relação laboral, completa a subversão do princípio do tratamento mais favorável, liquida a contratação colectiva, aumenta a flexibilidade da organização do tempo de trabalho no exclusivo interesse das empresas, impedindo a concretização do princípio da conciliação entre vida profissional e vida pessoal e familiar, reduz os rendimentos dos trabalhadores no pressuposto de que «um modelo saudável de economia não pode passar pelas horas extraordinárias», escolhendo ignorar que o pagamento destas horas significa muitas vezes a diferença entre a miséria e uma vida minimamente digna para os trabalhadores que auferem os mais baixos salários da Europa, e promove novas formas de contratação precária e instável.

Estão esquecidas todas as antigas promessas.

A CGTP-IN, porém, ao contrário do Governo, continua a não vislumbrar razões que justifiquem a alteração das posições que assumiu em 2002 durante a discussão da proposta do Código do Trabalho e que tem continuado a defender ao longo destes anos.

Por isso, a CGTP-IN reitera integralmente tudo aquilo que afirmou no Parecer sobre a Proposta de Lei nº 29/X, que aprova o Código do Trabalho, bem como no Parecer sobre a Proposta de Lei nº 109/X, que regulamenta a Lei 99/2003, de 27 de Agosto.

Nos termos e com os fundamentos daqueles Pareceres e da presente Apreciação sobre a presente Proposta de Lei, a CGTP-IN rejeita esta revisão da legislação laboral, bem como a filosofia e o modelo de relações laborais que defende e em que se baseia.

Lisboa, 10 de Setembro de 2008


[1] Processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências -  método que foi instituído para reconhecer e certificar competências escolares e ou profissionais adquiridas em contextos de vida ou trabalho.