Intervenções
14.º Congresso

Manuela Silva (SPN), Professora Aposentada

17 de maio, 2022

Caras e caros camaradas

Caras e caros colegas e, em especial, caras e caros aposentados/as

É já um lugar-comum dizer-se que temos uma profissão envelhecida, que muitos professores e educadores deixarão a profissão nas próximas décadas, sem que haja tempo para a passagem do testemunho geracional, feito de ideais, de saberes, de competências e de sonhos, como aconteceu com muitos de nós, agora aposentados, quando iniciámos a nossa profissão.

Pois é. Mas esta constatação lança sobre nós um enorme desafio, o de partilharmos memórias e passarmos testemunho deste legado patrimonial ímpar de que somos portadores. Já estivemos no ativo, agora estamos aposentados, mas nem por isso desligados da profissão e do sindicalismo, que são marcas fundamentais na nossa vida e na nossa luta. Esta passagem de testemunho é uma das funções dos departamentos de professores aposentados dos sindicatos da FENPROF e da própria federação.

A nossa memória confunde-se com a história da educação. Constituímos a história viva de várias gerações de docentes. Os nossos rostos têm marcas de resistência em tempos obscuros do fascismo, do nosso envolvimento e ativismo nos GEPDES[1], criados no início dos anos 70, de tantas e tantas lutas pela democratização da escola e pela dignidade profissional. Os nossos rostos têm marcas de abril, porque concretizámos o velho sonho da criação de sindicatos livres. E nesta nova vida em liberdade e democracia, coube-nos a tarefa de construir um movimento sindical docente, que fosse a afirmação da nossa identidade, combatividade e unidade, sempre com os professores, com as escolas e com a democracia, de que também fomos construtores. A criação da FENPROF, em 1983, de que tanto nos orgulhamos, é um momento alto dessa afirmação da unidade e da combatividade dos docentes portugueses e uma aposta no futuro.

Nós, professores aposentados ainda somos muitos, e não podemos ir embora, sem deixar o nosso legado patrimonial, feito de lutas e sofrimentos, mas também de convicções, perseverança e alegria, porque fomos obreiros de uma escola para todos, democrática e inclusiva, porque vivemos a experiência de uma gestão e direção democrática nas escolas, de uma formação de professores, que envolvia a comunidade escolar, de alterações profundas no estatuto profissional, sobretudo com a criação da carreira única e do estatuto da carreira docente. Vivemos a revolta dos retrocessos produzidos na escola e os atentados à carreira dos professores pela prática de políticas que não têm em conta o valor estratégico do investimento na educação, que nos conduziram à situação presente, em que os jovens não incluem a docência, como um possível projeto de vida e de trabalho, tal é o grau de desvalorização da profissão.

Estes saberes de experiência feitos não podem ser desperdiçados, antes que se perca a memória.

Felizmente, temos constatado que muitos dos professores que se aposentam, se mantêm sindicalizados e assinalamos como positiva a ação que o Departamento do Sindicato de Professores do Norte tem desenvolvido e cujos objetivos se enquadram nesta perspetiva de deixar e fazer memória:

Passámos a ter um funcionamento regular, com uma reunião por mês, pelo menos, temos organizado momentos de reflexão sobre o passado da escola e do sindicalismo docente, iniciámos as nossas visitas culturais, sobretudo destinadas a conhecer o nosso património, mas também a conviver e a estimular o exercício das memórias

Gomes Bento, no seu livro O Movimento Sindical dos Professores, finais da Monarquia e I República, refere o seguinte: “Numa página de um número antigo da Labor do ano de 1936, há um apelo dramático de um professor: quando os vindouros tentarem retomar o curso da corrente, que foi estancado por circunstâncias superiores à vontade dos homens, façam-nos justiça!”[2]

Acho que foi feita justiça a estes homens e mulheres valentes, que resistiram quanto puderam ao desmantelamento e proibição do sindicalismo pelo estado fascista. A prova disso é que estamos aqui, neste 14º Congresso da FENPROF, 86 anos depois, também a festejar o passado, a refletir sobre o presente e a projetar o futuro deste sindicalismo docente forjado na unidade e na luta.

Viva o 14º Congresso da FENPROF

Vivam todos os docentes aposentados e no ativo!

Viva a FENPROF!

 

[1] Grupos de Estudos dos Professores do Ensino Secundário

[2] Bento, G. (1978). O Professor. 2ª edição refundida. Lisboa. Editorial Caminho, pag. 11