Intervenções
14.º Congresso

Francisco Gonçalves (SN): A Carreira Docente hoje

16 de maio, 2022

Caros Congressistas,

Camaradas,

No que à Educação diz respeito, um sobressalto percorre este tempo. Faltam professores, ouvimos dizer. Apesar de ser problema há muito por nós sinalizado, hoje a preocupação envolve pais, encarregados de educação, diretores de escola, especialistas em particular e comunicação social em geral. Até uma certa ex-ministra da educação, quiçá alheia a qualquer responsabilidade na matéria, assume tal sentimento.

Porque faltam professores?

Em iniciativas realizadas em abril, maio e junho do ano passado apontámos a origem da coisa – precariedade, horários sobrecarregados, condições de trabalho degradadas, avaliação de desempenho docente iníqua e carreira estagnada -, ou seja, a valorização material da profissão e da carreira não permitem fixar os que estão nem chamar outros para docência.

Há uns anos que a FENPROF chama a atenção para o problema e os responsáveis do Ministério da Educação desdenhado - lá estão os do costume, sempre a chatear! Dizia, mesmo, Nuno Crato: “Não se preocupem, se não houver professores, arranjam-se do Brasil”.

Nos últimos quatro anos, apesar das muitas iniciativas realizadas, das propostas entregues repetidas vezes na portaria do Ministério da Educação, deixaram-nos a falar para o boneco. Fizemos, até, há precisamente um ano, uma sessão de esclarecimento para uns bonecos de cartão, enchemos o espaço em frente ao Palácio da Ajuda e, uns dias depois, o Rossio, apresentando relatos concretos de professores anónimos e dos problemas da carreira:

- 6 anos, 6 meses e 23 dias de serviço prestado e não contado;

- cinquenta e cinco mil docentes vinculados antes de 2010 ultrapassados por colegas com menos tempo de serviço;

- quatro mil quinhentos e setenta e um professores retidos no 4º e 6º escalões aguardando vaga para progredir;

- mais de dois terços dos docentes em avaliação impedidos de obter Muito Bom e Excelente, mesmo que a classificação o indique.

Dessa iniciativa recordo um dos testemunhos, o da Carla, uma professora de Viseu:

“Trabalha a 60 km de casa. Todos os dias sobe a serra em companhia da estrela da manhã, a mesma serra que, à noite, percorre em sentido contrário. Tem 61 anos de idade e 27 de serviço. 27 anos de serviço porque, nos primeiros quinze de funções, somou horários incompletos. Já nesse tempo a conciliação do trabalho com a vida pessoal e familiar era feita à portuguesa, isto é, a Carla, para conciliar a vida pessoal e familiar com o trabalho, conciliou-se com horários incompletos e mais próximos da habitação, nunca ultrapassando distâncias escola-habitação superiores a hora e meia de viagem para cada lado.  Hoje, com 27 anos de serviço, deveria estar no 8.º escalão. Mas não, está no 4.º, aguardando vaga para aceder ao 5º.”

 

Caros Congressistas,

Camaradas,

Ainda bem que uma recente exemplificação com frutas, pratos e colheres voltou a colocar o assunto na ordem do dia. Aos seis anos e meio de tempo não contado, juntam-se quatro em média das ultrapassagens, ao qual soma pelo menos um ano e tal de espera no acesso ao 5º escalão e mais três no acesso ao sétimo. Contas feitas, quem apanhar todos estes travões é penalizado em quinze anos de serviço, ou seja atinge o topo da carreira aos 49 anos de serviço, na prática, reforma-se no sétimo escalão com um pensão equivalente a um salário de início de carreira.

É esta a carreira real, bem longe da consagrada no papel – 10º escalão aos 34 anos de serviço, assim reza a letra da lei, assim se escreve quando interessa. Ainda há dias o Vítor Godinho lembrava: Em 2005 um professor com trinta anos de serviço estava no topo da carreira de então, ao passo que hoje está no quarto escalão. Até aqui tudo bem, não é o número do escalão que importa mas o salário auferido e aqui a comparação é esclarecedora – 1.127 euros a menos em 2022 quando feita a comparação com 2005. Não há palminhas à janela, nem palmadinhas  nas costas ou prémio do melhor professor que compensem esta diferença salarial, nem as suas consequências na composição do valor da pensão de reforma.

Diz e bem uma pancarta nossa que temos usado: NÃO HÁ MANEIRA, TANTOS ANOS DE SERVIÇO SEM REFLEXO NA CARREIRA.

Não há uma carreira docente única. É, isso sim, única a carreira de cada um, a carreira de cada professor. Depende se lecionou e leciona na Região Autónoma dos Açores, se lecionou ou leciona na Região Autónoma da Madeira, se vinculou antes de 2010 ou depois de 2010, se teve Muito Bom ou Excelente na avaliação de desempenho docente, se dispensou ou integrou a lista de espera no acesso aos 5º e 7º escalões. Tão única e aleatória é a carreira de cada um, numa profissão em que o serviço distribuído e as tarefas são praticamente as mesmas ao longo de toda a vida profissional.

Está muito bem os colegas vinculados após 2010 iniciarem a carreira no índice 167. O que está mal é os ultrapassados com o mesmo tempo de serviço não contarem o tempo de igual modo.

Está muito bem os professores dos Açores e da Madeira recuperarem todo o tempo congelado. O que está mal é os professores do continente só recuperarem 1018 dias, dos 9 anos, 4 meses e 2 dias “congelados”.

Está muito bem na Região Autónoma dos Açores não existirem quotas de acesso ao 5.º e ao 7.º escalões ou o número de vagas ser igual ao número de candidatos, como sucede na Região Autónoma da Madeira. O que está mal é os professores do continente terem quotas para Muito Bom e Excelente na avaliação de desempenho docente e vagas, ainda por cima tarde e a más horas – hoje, 14 de Maio de 2022, ainda não foi publicado o despacho de vagas relativo aos professores que completaram o tempo de permanência no escalão em 2021, cuja publicação deveria ter ocorrido até 31 de janeiro 2022! 

 

Caros Congressistas,

Camaradas,

Se queremos valorizar os que estão e chamar outros à profissão é preciso recuperar todo o tempo não contado, reposicionar os ultrapassados, eliminar vagas no acesso ao 5.º e 7.º escalões e as quotas da avaliação de desempenho docente. Não desistiremos. Cala fundo na nossa alma a frase de 2008 – CARREIRA SÓ HÁ UMA, PROFESSOR E MAIS NENHUMA.

 

Viva o 14.º Congresso Nacional dos Professores!