Intervenções
14.º Congresso

Fernandes de Matos (DESI/FENPROF): Sobre o processo de Bolonha

18 de maio, 2022

A Declaração de Bolonha, foi assinada a 19 de junho de 1999, por 29 países europeus, entre os quais, Portugal. O processo de Bolonha, como ficou conhecido, foi enquadrado nos objetivos da Estratégia de Lisboa para concretizar o Espaço Europeu de Ensino Superior.

O Espaço Europeu de Ensino Superior visava permitir aos estudantes, professores, investigadores e pessoal técnico especializado que trabalham na área do ensino superior beneficiar de uma mobilidade e de um acesso equitativo a um ensino superior de alta qualidade. A mobilidade dos estudantes assenta no reconhecimento mútuo de graus, organizados numa estrutura de três ciclos – DL 74/2006 - e outras qualificações do ensino superior, a transparência (graus comparáveis) e a cooperação europeia na garantia da qualidade.

Por seu turno, este reconhecimento assenta nos ECTS, ou seja, (European Credit Transfer System), tendo como princípio que 60 créditos medem o volume total de trabalho de um estudante a tempo inteiro. Refira-se desde já que este total de trabalho se subdivide em aulas formais com a presença do professor e trabalho individual do aluno. Mas, aqui Bolonha é omissa na quantificação destas duas componentes.

É este o quadro laranja/cor-de-rosa que nos foi apresentado. Porém, numa análise mais atenta, a FENPROF chamou a atenção para os efeitos perversos que este processo encerrava, mas, mais uma vez, se ergueu um coro de críticas à nossa Federação …. Infelizmente, tivemos razão antes do tempo!

Passados mais de 20 anos desde o início deste processo é tempo de fazer um balanço e apontar soluções. As IES, na ânsia de serem “pioneiras” e de alguma forma o ponto de referência para as demais, encetaram o processo de adequação dos currículos a esta nova estrutura dos ciclos de estudo. Para tal, fez-se um puro exercício de corte e de costura: retirando conteúdos e unidades curriculares, transferindo outras para os ciclos posteriores. Na prática, os currículos do 1º e 2º ciclos ficaram mais pobres! O que foi, parcialmente colmatado, com a introdução de uma parte letiva no 3º ciclo.

O processo de Bolonha foi também uma forma "elegante" de baixar a duração das aulas formais (em sala de aula) que seria, supostamente, contrabalançado com o estudo individual (leia-se tempo de estudo/horas sem acompanhamento)... Paralelamente, os tempos de aulas formais, leia-se em sala de aula, diminuíram. Para os docentes, estas alterações levaram a uma menor carga letiva e, em última análise, à diminuição do corpo docente o que para alguns professores foi visto como uma oportunidade para dedicarem mais tempo à investigação... Puro engano!!

Olhando para a minha experiência e falando com os colegas, a qualidade da formação baixou…. Embora, nos queiram impingir a ideia de que esta é a geração mais qualificada... esta é uma mistificação que dá muito jeito a alguns - os mesmos de sempre - já que ter mais diplomados e com graus superiores não implica necessariamente ter mais qualificação ou, em linguagem moderna, skills. Não é por acaso que já temos IES a terem 2º ciclos (mestrado) para a entrada no mercado de trabalho em termos gerais e outros para a investigação ou para executivos de grandes grupos económicos que, aliás, financiam as elevadas propinas. Confundimos diploma e formação e, se o MCTES e A3ES não tomarem medidas urgentes, estaremos a formar quadros qualificados essencialmente vocacionados para a execução tarefa sem capacidade de questionar e encontrar novas soluções… é uma forma de empobrecimento! O sistema reproduz assim a hierarquia piramidal: forma uma larga base de executores e um topo exíguo de decisores/pensadores tal como o capital exige e necessita.

Como tudo isto não chegou, passamos para a fase seguinte: diminuir ainda mais os tempos de aulas formais no 1º ciclo sempre contrabalançando com o estudo individual os decisores políticos e das IES não aprenderam nada! Recentemente, a proposta de distribuição do serviço docente para o próximo ano letivo, pelo menos num dos Departamentos da UAveiro, foi elaborada reduzindo uma hora de contacto nas várias unidades curriculares… Mesmo que agora seja uma prática isolada, não tenho dúvidas que rapidamente se estenderá a todo o sistema.

E assim devagar, devagarinho chegaremos ao modelo híbrido: aulas teóricas online para as IES e consórcios adquiridas ou não às IES de "referência mundial" e as aulas práticas/laboratoriais presenciais… Ficando apenas pelas questões do emprego, o resultado é óbvio: diminuição do emprego em termos absolutos e desvalorização da profissão (não é preciso doutorados para as aulas práticas e a elaborações dos conteúdos é agora efetuadas por alguns/poucos docentes/especialistas)...

A ideia de diminuir os tempos das aulas "formais” vem sendo "ensaiada" há já algum tempo e até com alguma recetividade por parte dos docentes (o sistema de incentivos para a promoção/progressão são as publicações...) pelo que vai dar algum trabalho "desmontar" esta ideia/processo.

Camaradas, esta é mais uma frente de batalha que temos de travar. A agenda é complexa, mas, estou certo que neste Congresso encontraremos a força e vontade de mudar. O MCTES tem de nos ouvir e tomar as medidas que exigimos para, entre outros, manter um sistema público de investigação superior de qualidade, adequar os meios financeiros às necessidades, (re)democratizar a academia revertendo o atual RJIES, promover uma justa avaliação de desempenho e estabilidade do emprego docente e científico e concretizar a efetiva promoção salarial e progressão nas carreiras…

 

Viva os Professores e Investigadores! Viva o 14.º Congresso Nacional dos Professores!

Viva a FENPROF!