Intervenções
14.º Congresso

Cláudia Ferreira (DESI): Leitores, as 1001 caras da precariedade no mundo dos docentes do Ensino Superior

19 de maio, 2022

No último Congresso, denunciávamos o enorme atraso negocial para estabilizar uma categoria de docentes em particular, os leitores (professores de línguas especialmente contratados do ensino superior), a exercer no país desde (muito) antes de 2009.

Entretanto, em 2019, chegou-se finalmente a um “acordo” com o MCTES, formalizado no Decreto-Lei 122/2019, que constitui de facto uma solução para parte dos leitores do país, aqueles que em 2009 se encontravam a exercer a 100% numa Instituição Pública de Ensino Superior (IES).

Esta solução foi alcançada essencialmente graças à ação de luta da Fenprof, mas claro que nem tudo são rosas, por vários motivos, de que cito alguns exemplos:

  • o referido DL não garantiu as condições para estes colegas leitores fazerem um doutoramento, a que a lei obriga para poderem vincular na carreira;
  • o referido DL apenas considera dois momentos, para entrada na carreira: os leitores doutorados no momento da publicação do DL puderam concorrer para a carreira em 2019 e os outros que obtiverem o grau de doutor entretanto apenas terão acesso à carreira após 6 renovações contratuais, ou seja, 7 anos.

Destas situações decorrem problemas tanto para os docentes leitores como para as instituições onde lecionam:

  • algumas destas instituições, pelo menos, têm interesse em vincular o mais rapidamente possível os leitores que entretanto se doutorarem, por motivos óbvios de distribuição de serviço docente e de atribuição de responsabilidades, mas não o podem fazer ao abrigo do DL;
  • em função da natureza da IES, pode existir uma solução ao abrigo do direito privado (nas IES que também são fundações) mas não nos termos da lei pública, o que constitui claramente um contrassenso escandaloso.

Por outro lado, criou-se aqui um sistema dual de leitores, porque na verdade esta categoria de docentes permanece no ECDU de 2009, mas de forma ainda mais precarizada. Assim, tanto os leitores que ingressaram nas IES a partir de setembro de 2009 (depois da publicação do DL205/2009, que altera o ECDU então em vigor) como os que por algum motivo não foram abrangidos pelo novo ECDU têm vivido tempos conturbadíssimos. Neste grupo de leitores, as situações são das mais variadas e abrangem:

  • colegas com doutoramenjto, outros sem, outros ainda a fazerem;
  • colegas muito qualificados a chegarem ao mercado de trabalho, mas que entram nas IES como leitores porque não há outro tipo de vaga, ficando por isso em situação contratual precária;
  • colegas que já estão nas IES há décadas, bem antes de 2009, mas que não estavam contratados a 100% na altura da alteração ao ECDU, em 2009, e continuam por isso sem solução à vista e numa situação laboral de enorme precariedade, a trabalhar em muitos sítios para conseguir um salário minimamente digno.

Estando caracterizado este grupo de docentes, deixem-me dar-vos conta ainda do contexto em que a figura do leitor desenvolve o seu trabalho:

  • as IES contratam cada vez mais leitores nas faculdades ou nos departamentos onde estes têm cabimento, ou seja, na Letras e Humanidades (na esmagadora maioria dos casos);
  • esta mão de obra barata, com cargas horárias elevadas e facilmente descartável, continua a ser usada para não investir em professores de carreira (por muito que estes se vão reformando e deixando vagas... substituídas por vagas para leitores em vez de lugares na carreira!), algo a que não será alheia, aliás, uma outra problemática no mundo do ES e na sociedade: a desvalorização das humanidades, do pensamento e do conhecimento das línguas e culturas, capazes de potenciar a reflexão em todos os domínios do saber, de gerar espírito crítico, pensamento plural e tolerância através do conhecimento da diversidade do mundo. Este, contudo, é outro debate... mas será mesmo?!

A inversão deste fenómeno de desvalorização não será da responsabilidade dos dois ministérios que respondem pela educação neste país? Nesta mudança drástica atitudinal caberia então a valorização da profissão e dos professores, também a nível do ES e também na área das humanidades.

Concluindo, o caso dos leitores continua paradigmático das muitas formas de exploração dos recursos humanos existentes e dos muitos motivos económico-financeiros e políticos que sustentam esta exploração. E é claro que com recursos humanos stressados, pressionados pelo tempo e o trabalho, cansados e sujeitos a condições laborais indignas, não vamos lá!

Por isso, a luta continua!

Vivam os professores e investigadores!

Vivam a Fenprof e o 14.º Congresso!