Nacional
Parecer da FENPROF

"Um Ensino Superior de Qualidade - Documento de Orientação"

13 de novembro, 2003

?O documento do MCES ?Um Ensino Superior de Qualidade ? Documento de Orientação?, a par de propostas concretas, contém muitas formulações vagas, imprecisas ou confusas que impedem a FENPROF de produzir uma opinião mais objectiva e definitiva sobre elas?, lê-se no início da resposta que a Federação Nacional dos Professores fez chegar em 18 de Maio ao Ministério da Ciência e do Ensino Superior.

?Lamenta-se que o MCES não tenha apresentado a debate público os textos das Antepropostas de Lei e que tenha definido um tão curto espaço de tempo, menos de um mês, para a discussão e tomada de posição sobre o documento apresentado, que lida com matérias de tão grande importância para o futuro do Ensino Superior em Portugal?, sublinha o Secretariado Nacional da FENPROF.

A resposta sindical apresenta primeiro as  ?orientações da FENPROF para o desenvolvimento do Sistema de EnsinoSuperior em Portugal?, apresentando depois ?algumas opiniões e dúvidas suscitadas pelo documento do MCES?, que aqui deixamos já de seguida:

Seguindo de perto a parte designada por ?Orientações para a revisão da legislação do Ensino Superior, o Departamento do Ensino Superior da FENPROF comenta:

?Lei de Bases do Sistema Educativo

I - Organização do ensino superior?

A afirmação de que ?o ensino superior é único? tem virtualidades e potencialidades que lhe gostaríamos de poder reconhecer, atendendo a que a FENPROF se bate por um sistema integrado e diversificado cujos contornos são os atrás descritos. Infelizmente, para além da concordância com a intenção (será finalmente cumprida?) da uniformidade das exigências quanto ?padrões de qualidade? (nomeadamente entre ensino público e privado, muito especialmente quanto a corpos docentes próprios, com carreiras dignas e regimes de contratação cumpridores da lei, no privado), fica a suspeita fundada (vide Lei 1/2003 e redução de vagas no ensino público) de que o MCES pretende, ao arrepio do estabelecido constitucionalmente (?ao Estado incumbe a obrigação de criar uma rede pública de estabelecimentos de ensino que cubra as necessidades de toda a população?), empurrar alguma ?população? para a rede privada, estabelecendo a confusão entre rede pública de ensino superior e rede de ensino superior, ?interpretação? a que FENPROF vivamente se opõe.

Quanto à proposta da institucionalização da figura dos ?Centros de Investigação?, se ela significar que serão criados no politécnico (no universitário já existem) e serão apoiados de modo a possibilitar, designadamente, uma participação mais intensa no desenvolvimento regional, em parceria com a comunidade envolvente, como é o caso das empresas, aproveitando os recursos humanos qualificados existentes, nomeadamente aqueles que possam vir a estar subaproveitados por falta de alunos, a FENPROF não pode deixar de manifestar o seu completo acordo. Mas será realmente este o objectivo? Como vão ser financiados?

Relativamente à institucionalização de ?Centros de Estudos Superiores?, aplica-se-lhes um comentário idêntico, agora no que se refere à actividade lectiva de ?diplomas pós-secundários, reciclagem ou requalificação de licenciados?. Se forem centros integrados em instituições que conferem licenciaturas (como poderiam reciclar licenciados sem poderem atribuir licenciaturas?) e que assumem esta figura como forma de aceder a financiamentos para o efeito pretendido, ocupando naquelas necessárias actividades recursos humanos subaproveitados na actividade lectiva tradicional, então a FENPROF estará de acordo. Mas será realmente esta a intenção do MCES? Como se constituirão e que estrutura se prevê para estes centros? A sua criação corresponderá, por exemplo, a um aproveitamento de recursos existentes que serão também orientados para a satisfação de necessidades inadiáveis de formação profissional de uma população activa que desenvolve a sua actividade em PME?s (geralmente em microempresas), e para a qual não há uma resposta minimamente adequada do sistema de ensino e de formação?

A FENPROF afirma o seu total apoio à proposta de criação da figura de ?Associação de Instituições do Ensino Superior, dependente da iniciativa das próprias instituições? que coincide com uma sugestão apresentada em devido tempo pela FENPROF. Ao MCES cabe favorecer estas Associações, dando incentivos para a sua criação e institucionalização.

?II ? Ciclo de Estudos e Graus?

A FENPROF concorda no geral com o conteúdo deste capítulo. Considera muito importante a exigência, para a atribuição do doutoramento, de ?corpo docente qualificado e centros de investigação acreditados com uma actividade sustentada?, embora tenha a opinião já expressa de que tal condição se deveria aplicar independentemente do rótulo aplicado à instituição, no sentido do afirmado em 2.10 sobre este assunto.

?III ? A qualidade do ensino como parâmetro e como direito?

Está-se a tornar verdadeiramente uma obsessão do MCES tentar definir a diferença entre ensino universitário e politécnico. Qualquer nova definição é pior que a anterior. Como é possível imaginar poder-se fazer experimentação sem um quadro conceptual em que esta se integre e suporte? E não é então isto investigação? O MCES tem de definir se pretende incentivar a investigação nos Politécnicos, ou manter a situação actual, deficitária neste aspecto.

Quanto ao resto deste capítulo não traz qualquer novidade relativamente ao que já se encontra na actual lei de bases (acesso), na Lei 1/2003 (cursos) ou no documento do MCES sobre carreiras (habilitação para a docência) relativamente aos quais a FENPROF já se pronunciou em posições anteriormente divulgadas. Acrescenta-se apenas que a distinção prevista quanto ao universitário e ao politécnico no que respeita a habilitação mínima (mestrado e doutoramento, respectivamente) não deve impedir a construção de uma carreira única com a inclusão de disposições transitórias e de clausulas de excepção para áreas carenciadas de doutores e até de mestres.

?2 ? Leis de Autonomia

I ? Organização dos estabelecimentos de ensino superior/autonomia?

Quanto a ?centrar a organização do ensino politécnico na figura do instituto?, reafirmando a posição da FENPROF de que se deverá caminhar para um sistema integrado e diversificado, entende-se que deverá ser possibilitada uma solução do tipo federado, tal como no universitário é possível (ver caso da UTL), bem como outras que as instituições encontrem, como foi o caso com a lei de Autonomia das Universidades.

?II ? Responsabilização/reforço de competências?

Perpassa pelo texto a sugestão de que os males do sistema estão na má gestão e na não responsabilização dos seus titulares pelos seus actos ou omissões. Esta acusação, válida em algumas situações conhecidas, está longe de ser generalizável. Os mecanismos de controlo existem e a gestão tem sido muito mais responsável do que em muitas outras áreas da Administração Pública, que apresentam elevado descontrolo orçamental.

A responsabilização individual, ao contrário do insinuado pelo texto em apreço, já hoje existe.

Por outro lado, ao invés do afirmado no texto, não se tem verificado com este Governo um reforço da autonomia (veja-se a Lei 1/2003), mas sim uma política de desconfiança e de retirada de liberdade de actuação, designadamente a nível pedagógico e financeiro.

Entretanto, será preciso conhecer mais em concreto os poderes reforçados que se pretendem atribuir à figura do Reitor/Presidente para que se possa tomar posição.

?III ? Modelo de governação?

A FENPROF aceita no geral o conteúdo deste capítulo. Entende necessário permitir uma maior flexibilidade na escolha por cada instituição do elenco dos seus órgãos de gestão e na definição das respectivas competências e composição, respeitados que sejam condicionalismos mínimos que garantam a participação na gestão democrática dos 3 corpos (docentes, não-docentes e estudantes) e a colegialidade nas decisões.

Concorda-se também com a obrigatoriedade da existência de um órgão de consulta, com participação externa, proposta que, aliás, havia sido também feita pela FENPROF. Propõe-se que neste órgão estejam igualmente representados cientistas de renome.

Apenas no que se refere à possibilidade de existência de órgãos unipessoais de direcção se defende que, nesse caso, deverá ser consagrada a obrigatoriedade de existência de um órgão de fiscalização e controle com a participação dos 3 corpos.

?3 ? Lei do Financiamento?

Registamos com agrado que o MCES afirma que ?assegura a todos os estudantes que pretendam frequentar o ensino que não deixarão de o fazer por insuficiências de financiamento?. Mas como vai garanti-lo?  Os critérios de decisão que levam os pais a apoiar um(a) filho(a) a candidatar-se ao ensino superior ou a apontar-lhe o caminho da procura imediata de um emprego são muito complexos e incompatíveis com simplificações algo demagógicas. No entender da FENPROF as desigualdades de oportunidades não se combatem com frases bonitas, mas com políticas realmente eficazes.

?I ? Financiamento às instituições?

Concorda-se com a manutenção do princípio da fórmula de financiamento, com a intervenção de indicadores que permeiem a qualidade. Contudo, se com isto se quer significar que se vai caminhar para acentuar as desigualdades entre as instituições melhor e pior apetrechadas em meios humanos e materiais, então discorda-se desse procedimento. Instituições há que não podem fazer melhor devido a dificuldades que lhes não são imputáveis pelo que se impõe que com elas o MCES celebre Contratos Programa com vista a que lhes sejam atribuídos os meios que lhes permitam o necessário aumento da qualidade.

A FENPROF é desde sempre contrária ao aumento das propinas, pelas seguintes razões principais:

- O Ensino Superior não precisa de ?taxas moderadoras? pois o país continua muito abaixo dos seus parceiros da UE em número de licenciados na população activa;

- As propinas, como a experiência mostra, apenas têm servido para o Estado reduzir o financiamento do Ensino Superior;

- O aumento das propinas aparece sempre acompanhado de promessas de mais apoios sociais, mas a realidade tem mostrado que, praticamente, a única coisa que efectivamente se cumpre é a cobrança das propinas;

- O aumento das propinas, sem uma acção social escolar suficiente, contribui para aumentar a desigualdade de oportunidades;

- O aumento das propinas contraria a disposição constitucional que afirma ?a progressiva gratuitidade de todos os graus de ensino?.

Concorda-se, naturalmente, com um regime de prescrições que impeça os alunos, que ultrapassem um certo grau de insucesso, de modo aferido pelo sucesso escolar médio de cada curso, de se matricularem durante um determinado número de anos lectivos. Mas um tal regime deve ser acompanhado por medidas destinadas a promover o sucesso escolar e educativo dos alunos, designadamente a partir de Contratos de Qualidade, e por uma efectiva valorização da actividade e da formação pedagógicas nas carreiras docentes.

Não se concorda, em contrapartida, com a ideia expressa de agravamento do valor da propina devido ao insucesso escolar, medida que seria discriminatória quanto ao nível de rendimentos familiares dos alunos, permitindo a inaceitável compra da ?cabulice?.

Igualmente se discorda da fixação de propinas diferenciadas entre instituições ou cursos.

Discorda-se fortemente da ideia de transferir para as instituições a responsabilidade pela fixação das propinas, mesmo sendo para tal definido um intervalo. Deve ser o Estado a responsabilizar-se politicamente pela sua fixação, sob pena de se poderem gerar conflitos entre a tutela e as instituições que não fixarem a propina máxima. É que, sendo expectável que continue a prática inaceitável de o Governo fixar os orçamentos das instituições subtraindo-lhes o valor (máximo) da cobrança das propinas, a tutela não cederá à tentação de, perante cortes orçamentais ou dificuldades financeiras, culpar as instituições que não tenham estabelecido o valor máximo para as propinas.

Considera-se de extrema importância, no quadro de uma previsível redução da duração de muitas licenciaturas e da consequente redução da especialização da formação até agora conferida por muitas delas, que sejam apoiados financeiramente os mestrados e os doutoramentos, bem como cursos de especialização ou de pós-graduação não conferentes de grau, atendendo ao atraso da formação da nossa população activa e às necessidades das empresas cuja capacidade de formação em serviço é negligenciável.

Igualmente se impõe um forte apoio aos estudantes de pós-graduação que os incentive à inscreverem-se e a frequentarem com êxito os seus cursos.

Quanto aos contratos de desenvolvimento institucional a FENPROF aguarda com expectativa que finalmente venham a ter a concretização há tantos anos anunciada. O mesmo acontecendo relativamente aos contratos programa.

?II ? Acção Social?

Para além do já referido logo de entrada, quanto à Lei do financiamento, relativamente a uma diferente versão da frase incluída neste capítulo e que constitui o leitmotiv das intenções do Governo: ?que nenhum jovem que deseje frequentar o ensino superior deixe de o fazer por insuficiências financeiras?, chama-se a atenção para a dificuldade de compreensão da expressão: ?que o valor da propina seja automaticamente indexado à bolsa? (?!) .

Para a FENPROF, uma Acção Social adequadamente financiada é essencial à democratização do Ensino Superior, no acesso e na frequência, e à criação das melhores condições para o êxito escolar e educativo dos alunos que muitas vezes se vêem compelidos a procurar empregos a tempo parcial para assegurarem as condições mínimas necessárias a se manterem como alunos do Ensino Superior.

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Para a FENPROF, o Ensino Superior no nosso país encontra-se perante uma encruzilhada:

- As pressões resultantes dos objectivos da globalização neoliberal, onde se incluem as insistências da OMC, com vista à transformação do ensino superior numa mera mercadoria;

- As tentativas de instrumentalização do Processo de Bolonha para a uniformização dos sistemas de Ensino Superior ao nível europeu, independentemente das diferenças nas culturas e no desenvolvimento de cada país;

- A combinação destas duas orientações com a persistente redução da responsabilização do Estado pelo financiamento do ensino superior, com medidas tendentes a fazer os estudantes pagar o custo real dos respectivos cursos e com a intenção de eleger a economia e o mundo empresarial como forças determinantes dos objectivos do Ensino Superior,

constituem uma grave ameaça que paira sobre o futuro do Sistema.

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Ao invés de uma política de privatização e depauperação do Ensino Superior Público, a FENPROF defende, como propósito director para as reformas que é necessário realizar no Ensino Superior, o aumento da responsabilização financeira do Estado pelo Ensino Superior Público, a intensificação da sua democratização, no acesso e na frequência, e o efectivo aumento da sua qualidade e da sua relevância social.

Da ?Resposta da FENPROF ao Documento do MCES sobre ?Um Ensino Superior de Qualidade?