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Júlia Caré SPM e SN da FENPROF

TRABALHADORES DO CONHECIMENTO Professores devem envolver-se e agir

31 de março, 2004

Achei que valeria a pena partilhar convosco algumas reflexões pessoais à volta do lema do nosso VIII Congresso, PROFESSOR SOLIDÁRIO, ACTOR DE UMA ESCOLA DEMOCRÁTICA E DE UMA SOCIEDADE JUSTA, perfeitamente enquadrado na campanha PROFESSOR ACTOR DE MUDANÇA que a FENPROF lançou o ano passado com vista à valorização da imagem social da classe docente. E isto porque, por um lado acreditamos que a acção dos professores conhecedores da realidade educativa do nosso país, não pode ser ignorada nem menosprezada; por outro lado, não é possível a uma classe que tem uma intervenção social tão determinante, demitir-se de agir empenhadamente perante o alargar do fosso entre ricos e pobres, o crescente desequilíbrio na distribuição da riqueza no mundo, a paz periclitante do planeta e mais domesticamente a realidade alarmante dos números do insucesso e do abandono escolar que a escola portuguesa patenteia.

O envolver-se nestas questões faz parte do princípio ético da nossa identidade profissional e é a espinha dorsal do nosso sentido de cidadania. O nosso estatuto de intelectuais reflexivos, de trabalhadores do conhecimento, a autonomia que caracteriza a maturidade, a responsabilidade e a natureza do exercício da profissão docente exigem-nos um empenho engajado na construção do sucesso educativo dos nossos alunos e na transformação da sociedade.

Para realizar este trabalho árduo temos toda a legitimidade do mundo para exigir de quem de direito, as condições necessárias e adequadas, e a legitimidade da nossa reivindicação será directamente proporcional ao profissionalismo e rigor com que no dia a dia desempenhamos o nosso trabalho, pesem todos os condicionalismos, as carências, as dificuldades, os quase milagres que anonimamente vamos realizando. Porque a mudança também tem que começar por nós. Talvez por olhar para a escola que nos formou (se calhar deformou ou formatou!) e ver se é essa que ainda serve para hoje e para o futuro.

Seria interessante analisar os números crescentes e catastróficos do desinteresse, da recusa, da aversão, do insucesso, do abandono escolar, à luz da escola que realmente se exercita no quotidiano português. De uma coisa temos a certeza face a estes números: falta ainda percorrer um longo caminho para que seja de facto democrática, não só nos princípios e no discurso mas também nas práticas, na sala de aula, no relacionamento interpessoal a todos os níveis, na organização, na gestão, no financiamento. Talvez então se consiga a tão falada inclusão que por ora é só miragem. Porque, colegas, a escola que temos continua a excluir, a seleccionar, a frustrar, a castrar, em suma a não cumprir o que se desejaria que fosse e o país precisa. E nós continuamos a lamentar-nos das condições que não temos as mais das vezes e se calhar a desculpabilizarmo-nos também.

Será que face ao aluno que até vem à escola mas não passa do pátio, eu devo continuar a dizer que isso não é problema meu, que me vou preocupar é com os que estão dentro da sala de aula, porque ao menos estão interessados? Ou então face aos problemas de indisciplina que grassam nas nossas escolas, sintoma de outros males, afirmar que isto ia lá era correndo com aquele meio por cento de alunos que só atrapalham e estragam? Ou ainda, face a dificuldades de aprendizagem (ou serão antes dificuldades de ensinagem?) desculpar-me que não sou professor do ensino especial não posso ensinar deficientes?

Como vou gerir esta absurda contradição de pedir à escola que eduque para a partilha, a cooperação e simultaneamente desenvolva as competências para competir, como se, no código social competir e cooperar fosse a mesma coisa?

O governo actual diz que a sua nova lei de bases até é necessária para formar, entre outras prendas pedagógicas, para a empregabilidade: não se deveria questionar tal prioridade num país com crescimento diário do desemprego, numa Europa que já prevê catorze milhões de desempregados definitivos, dispensáveis, descartáveis, desnecessários condenados ao Prozac da doença do século, graças às maravilhas da globalização e da deslocalização de empresas para países mais competitivos (leia-se, onde se pode explorar os trabalhadores sem restrições e ter mais lucros)?

Posso, professor, alhear-me disto? Demitir-me? Cumprir ordens? Ou indignar-me? Ou preocupar-me? Talvez este seja um bom princípio para quem se diz PROFESSOR SOLIDÁRIO, ACTOR DE MUDANÇA, ACTOR DE UMA ESCOLA DEMOCRÁTICA E DE UMA SOCIEDADE JUSTA.