O título desta notícia, baseada numa frase proferida por Carlos Estêvão, professor doutor da Universidade do Minho, resume a sua caracterização sumária dos tempos atuais num País em crise e de emergência social, económica e política.
Isto na conferência do Dia Mundial do Professor, neste 5 de outubro de 2012, promovida pelo Sindicato dos Professores da Madeira. Comemorações que contaram ainda com a intervenção Sofia Canha, coordenadora, que entre outras coisas apelou à adesão dos professores para a Marcha contra o Desemprego (promovida pela USAM-CGTP par a o dia 12) e de Rita Pestana, presidente da Mesa da Assembleia Geral , que leu mensagem da UNESCO sobre Dia Mundial do Professor , além de um concerto e exposição.
Naquele enquadramento, o orador convidado deu conta cultura de mercado dominante, com o seu «fundamentalismo», o desemprego estrutural, o individualismo ou o marketing ético, apontou como negativo o «contínuo zapping político»: estamos constantemente a mudar de política, de orientações e planos.
RATINHOS DE EXPERIÊNCIAS
O setor da Educação é disso exemplo, de sucessivas reformas e contra-reformas, que «trama a Escola e a vida dos professores», transformados em «ratinhos» de laboratório de novas experiências. Situação em que está o País atualmente, campo experimental da receita imposta para equilibrar as contas. E a «terra prometida, de onde jorrará o leite e o mel, nunca mais aparece», isto é, instala-se a desesperança. Apesar disso, valerá a pena «continuar Portugal» porque se calhar seria pior a nossa vida sem ele.
O conferencista abordou então alguns desafios e contradições no modo como os professores encaram e vivenciam a sua profissionalidade na escola atual, que perdeu o «monopólio da grande cultura» na sociedade de comunicação de massas. Isto depois de ter caraterizado vários aspetos que marcam e condicionam a escola no presente como o conceito de lideranças fortes, especialização, organização de estabelecimentos de ensino em rede, entre outros.
A profissão docente vive desafios e contradições num momento em que a escola está a ser «descredibilizada», defendendo que o trabalho do professor não pode ser compreendido à margem das condições sociopolíticas que dão credibilidade à própria instituição escolar. Para não ficar entalado e fraturado entre valores, conceitos e realidades contraditórias. Por exemplo, pedir ao docente pensamento crítico e, simultaneamente, ser-lhe exigido tornar-se um tecnólogo ou «especialista de receitas». Ou o dilema que vivem os docentes sobre a cultura que devem transmitir.
CONSEQUÊNCIAS DA INTENSIFICAÇÃO
DO TRABALHO DOCENTE
Carlos Estêvão alertou ainda para a obsessão de racionalização técnica, mais controlo e intensificação do trabalho dos professores. Porquê? Pelo facto de fazer com que os docentes percam o «sentido da finalidade do seu trabalho». Entende que ter mais responsabilidades técnicas não é igual a aumento das competências profissionais. A intensificação vai para além do excesso de trabalho e tarefas, já que tem implicações nos compromissos com determinados «valores pedagógicos e sociais» na docência quando se deixa de ter a possibilidade de se pensar por si mesmo e de ter espaço para a visão crítica e distanciada.
Por fim, sendo a docência uma profissão «paradoxal, com missão impossível», o orador convidado pelo SPM, ele que caraterizou este sindicato como «muito militante», defende o profissional da educação como «agente social», que deve intervir nesse seu setor mas também noutras esferas sociais. Com que fim? «Para sermos ouvidos». Para nos fazermos ouvir.
GOLPE EDUCACIONAL
Sofia Canha, coordenadora do SPM, denunciou a «espécie de golpe educacional» em curso decorrente do forte desinvestimento no setor, para níveis de há dez anos, que poderá ser agravado com os novos «cortes substanciais na despesa» nas funções do Estado anunciados na última quarta-feira pelo Governo da República. A Educação foi nomeada como alvo desses cortes «substanciais» e acrescidos (ver intervenção completa na página do SPM).
A sindicalista promete, por isso, combate a essas medidas de austeridade num setor estratégico para a qualificação das novas gerações e para o futuro do País. Caso contrário, as «atuais dificuldades que já se vivem nas escolas e na profissão docente, com prejuízo das aprendizagens dos estudantes, serão ainda mais dramáticas.»
Para além do desemprego acentuado na classe, os cortes salariais, o congelamento da carreira e o «enorme aumento» da carga fiscal, criticou o novo Estatuto da Carreira Docente e sistema de Avaliação do Desempenho da Região, «talhados com o objetivo de cortar no vencimento dos professores».
COMBATE REIVINDICATIVO
Por tudo isto, Sofia Canha apelou à participação dos professores e educadores na Marcha Contra o Desemprego no próximo dia 12 de outubro, com concentração junto da rotunda do Lido, às 15h00, lembrando que a Região Autónoma da Madeira «sofremos uma dupla austeridade, com um desemprego galopante, em que a classe docente se encontra entre as mais afetadas.» A marcha é uma iniciativa da União dos Sindicatos da Madeira (USAM), no âmbito da ação de luta da CGTP-IN, que se iniciou neste 5 de outubro.
Recordando o lema do Dia Mundial do Professor deste ano, “Apoia os Professores”, anunciou uma frente de ação reivindicativa do SPM tendo em vista a valorização do Professor e da Educação: «condições de trabalho para exercício do trabalho pedagógico». Está em preparação pelo SPM de uma carta reivindicativa. Isto além das questões do emprego e dignidade salarial e de carreira, sempre na agenda da luta sindical.
CONDIÇÕES DE TRABALHO E BURN OUT
Essas condições de trabalho prendem-se com a «dispersão funcional, horários sobrecarregados com muitos níveis e turmas, componente não letiva progressivamente tomada de assalto por horas a dar à escola para mil e uma tarefas, proliferação de reuniões de todo o tipo, a funcionarização da docência, a indisciplina estudantil e burocracia até mais não, entre outros.»
Decorrente dessa falta de condições de trabalho, a coordenadora do SPM deu conta do problema do burn out (exaustão física e emocional, despersonalização e baixa realização pessoal) na docência, como comprovam vários estudos científicos. Problema que «não pode ser ignorad0». A melhoria da qualidade da Educação passa também por melhorar tais condições de trabalho e proteger a saúde dos docentes.
Preocupado com a saúde dos professores e o impacto no seu desempenho profissional, o SPM acabou de lançar uma série de atividades promotoras de saúde e bem-estar na sede social do sindicato.
OUVIR E APOIAR OS PROFESSORES
Rita Pestana, presidente da Mesa da Assembleia Geral do SPM, leu aos presentes a mensagem conjunta para o Dia Mundial do Professor do dirigentes da UNESCO, PNUD, UNICEF, OIT e da Internacional da Educação «em favor dos professores». Eles que são a «base de boas escolas», estas que são os «pilares de comunidades sadias e democráticas».
Aponta-se a necessidade de recrutar mais professores e melhorar a qualidade da educação e ensino. «Atrair professores comprometidos e diversificados requer ambientes que valorizem a autonomia profissional e a igualdade.» Eles devem ser ouvidos e apoiados, nomeadamente na «criação de ambientes motivadores de ensino». Muito a propósito do que Sofia Canha havia referido, «devemos quebrar o ciclo de condições profissionais decadentes para os professores» de forma a melhorar a qualidade da Educação e do Ensino.
Seguiu-se o concerto "New Age" por Rui Rodrigues, Jorge Garcia e Gabor Bolba e a visita à exposição de fotografia alusiva às lutas reivindicativas mais recentes dos professores. / Nélio de Sousa