Pelas piores razões, está hoje à vista de todos o que está a acontecer à Escola Pública.
Os problemas não são de hoje, nem deste governo, vêm de trás. Direi, por ser verdade, que sendo as intenções do atual governo as piores em relação aos serviços públicos e às funções sociais do Estado por eles concretizadas, os malfeitores que hoje governam encontraram muitas facilidades ao chegarem, pois tinham abertas as portas pelas quais entraram.
De Lurdes Rodrigues ficou o violento ataque desferido contra os professores, que começou com uma campanha de desvalorização da sua imagem social. Fê-lo, não só por, eventualmente, ter assuntos mal resolvidos com os professores, mas por saber que sendo estes um pilar fundamental da Escola Pública, a sua fragilização traduzir-se-ia na fragilização da própria Escola Pública. E fragilizou-a por essa e por outras vias.
Depois, com o mandato de Isabel Alçada, nada se alterou de significativo. O pouco tempo que governou foi apenas e quase só para gerir o funcionamento de um sistema subfinanciado, nada tendo feito para resolver os problemas daí decorrentes. No plano social, foi estancada a espiral de maledicência posta a circular pela ministra anterior e, no que respeita às carreiras docentes, houve alguma descompressão com o fim da divisão da carreira e o desbloqueamento das progressões.
Contudo, no que concerne à Escola Pública e ao ensino em geral pouco foi feito e, já no final do mandato, surgiram propostas que causaram grande contestação na comunidade educativa, como a tentativa de levar por diante uma revisão curricular ditada pela intenção de obter uma redução orçamental de 43 milhões. Tal medida foi, porém, revogada, tendo para isso contribuído o facto de o governo não contar com maioria absoluta no Parlamento. Chegaram, entretanto, ao poder PSD e CDS. Ganharam eleições porque mentiram e/ou esconderam a verdade sobre o que pretendiam fazer. E o que estão a fazer é absolutamente repugnante por pôr em causa a vida e a dignidade dos portugueses.
Não se trata agora, apenas, de eleger o défice acima de qualquer outro interesse; não se trata agora, apenas, de desenvolver políticas economicistas que fragilizam a Escola Pública fazendo-a correr sérios riscos de desmoronamento; trata-se mesmo de a desmoronar, de a destruir fazendo-o por razões de ideologia, com a crise a servir de ótimo pretexto para justificar a sua opção.
A propaganda neoliberal desenvolve um discurso que pega nas pessoas quando se refere aos serviços públicos e procura justificar a entrega aos privados. Depois de anos a agredir o que é público — e com este a resistir, apesar de tudo, dado o grau elevado de profissionalismo dos seus trabalhadores, os “desprezíveis” funcionários públicos — as dificuldades criadas aos serviços públicos são dadas como razão do seu desmantelamento e posterior privatização. É frequente ouvirmos a direita que, em Portugal, mostra as unhas como nunca mostrou em Democracia, afirmar que o importante não é que o serviço de saúde seja público ou privado, o que importa é que os doentes se curem; ou que não interessa que a escola seja pública ou privada, o que importa é que tenha qualidade. Não é assim, apesar de muita gente embarcar nesse discurso. O que interessa, na verdade, é que os serviços sejam públicos, sejam de todos, e cumpram a sua missão com grande qualidade.
Escola Pública porquê?
Porque esse é o desígnio constitucional estabelecido por uma Lei Fundamental que tem matriz democrática. É a democracia que estabelece essa opção.
Só uma escola que seja pública, democrática na sua organização e gestão, de qualidade nas suas múltiplas respostas, gratuita no acesso e frequência, e inclusiva, porque à diferença responde de forma diferenciada para que se atinjam resultados semelhantes… em suma, só a escola democrática pode servir a generalidade da população portuguesa. Só essa escola respeita todos os cidadãos, não fazendo depender o acesso à qualidade do poder de compra das famílias. Só essa escola pública, paga com o dinheiro dos nossos impostos, é capaz de tratar o ensino como um bem social orientado para o progresso e para a garantia de um futuro melhor para as sociedades. A alternativa neoliberal é considerar a Educação um produto de mercado, que se compra, melhor ou pior, conforme a capacidade financeira de cada família, e se destina a garantir uma vida melhor ao indivíduo que adquiriu o produto de melhor marca. Essa é a escola que reproduz, de forma agravada, as desigualdades sociais. Rejeitamo-la e repudiamos o projeto neoliberal que a desenvolve.
Para os filhos dos trabalhadores, ainda mais em tempo de crise, a Escola Pública é fundamental. Para a direita que nos governa não. E não porque:
- A Educação permitiria criar um mercado que, à escala mundial, seria dos mais rendíveis e isso aguça o apetite do grande capital. Como a OMC já fez saber, está no seu horizonte tornar a Educação um produto de mercado sujeito às suas regras;
- A Educação Pública de qualidade posta à disposição de todos, isto é, sendo de oferta e acesso universal, contraria um princípio fundamental da direita: o da elitização do ensino, pressuposto da hierarquização social;
- O investimento na Educação Pública leva à canalização de verbas para fins sociais que a direita quer que sirvam para alimentar os mercados. Senão repare-se, de acordo com notícias recentes, foram necessários mais de 1.000 Milhões ao Banif, o que facilmente foi garantido; por outro lado, também segundo notícias recentes, para não gastar 1.000 Milhões na Educação, o governo pretende despedir 50.000 trabalhadores do setor. Daqui se conclui que o governo de Passos, Portas e demais pantomineiros, não hesita em provocar surtos de desemprego e em cortar nas funções sociais do Estado mas não hesita em entregar dinheiros públicos ao capital financeiro.
Este governo e estes governantes não prestam e pô-los na rua é tarefa prioritária dos portugueses. Se essa é condição suficiente para que mude a política é o que se verá, mas que é condição necessária fazê-lo, disso ninguém duvida.
Como se não bastassem os cortes feitos nos últimos anos na Educação, através de sucessivos orçamentos do Estado, e como se não fosse já suficientemente complexa e difícil a vida das/nas escolas, o FMI, de acordo com encomenda do governo, avança agora com medidas que não surpreendem porque, afinal, correspondem ao que Passos Coelho já anunciara quando falara na refundação do Estado. A direita esfrega as mãos, preparando-se para impor novas medidas que são de uma violência extrema, daí ter pedido ajuda ao FMI, organização terrorista que atua no plano social e tem âmbito internacional. Delas se destacam:
- O aumento do horário de trabalho dos professores: tem por objetivo, esta medida, dispensar mais alguns milhares de docentes. Com o aumento do horário semanal para as 40 horas ou com a eliminação das reduções de componente letiva, o governo despediria muitos milhares de docentes. Acresce que esta medida degrada fortemente as condições de trabalho dos professores nas escolas, retira às escolas horas que são fundamentais para o desempenho de cargos e funções ou para a realização de reuniões pedagógicas, além de sobrecarregar ainda mais os professores que, segundo a OCDE, têm dos horários mais preenchidos do conjunto dos países que a integram. Essa medida, além de retirar capacidade de organização e resposta às escolas, iria aumentar os já elevados níveis de stress dos profissionais docentes e contribuiria para a perda de qualidade do seu desempenho. Estas são razões por que os pais e encarregados de educação são aliados importantes dos professores na rejeição de um eventual ao aumento dos horários de trabalho.
- A redução permanente das remunerações dos docentes criaria ainda maiores dificuldades à satisfação de necessidades básicas e de necessidades profissionais, obrigaria os professores a procurar outras atividades remuneradas para enfrentarem a vida, retirar-lhes-ia a possibilidade de, em exclusividade, se dedicarem à escola e ao ensino, ou seja, aos seus alunos.
- O despedimento, direto ou indireto, de cerca de 50.000 profissionais o que, para além das consequências sociais dessa enormidade, provocaria ainda maiores dificuldades à organização e ao normal funcionamento das escolas. Muitas escolas, com o despedimento de docentes nos últimos anos — o desemprego aumentou 74% do ano letivo passado para este — deixaram de dar respostas importantes, nomeadamente ao nível do apoio prestado a alunos com dificuldades na aprendizagem. Despedir 50.000 profissionais das escolas públicas, seria amputar um órgão vital à Escola Pública.
- A privatização do ensino, podendo perguntar-se porquê? Não tem mais qualidade, ao contrário do que os falaciosos rankings poderiam indiciar; não são menos transparentes os processos de gestão de todos os seus recursos, bem pelo contrário, não fica mais barato, apesar dos esforços da direita para que pareça. É, pois uma questão puramente ideológica esta da privatização.
Mas estas medidas do FMI, que são encomenda do governo, não são as únicas ultimamente divulgadas. Temos o anunciado processo de municipalização (que, oportunamente, o Banco de Portugal veio apoiar), temos a intenção de avançar com mais e maiores mega-agrupamentos (tendo sido, ontem ao final do dia, anunciados mais 67 para vigorarem desde já), temos a faca afiada para voltar a cortar nos currículos, temos os contratos de autonomia a avançar em velocidade alta para desresponsabilizar o poder central do que é sua competência. O governo não tem legitimidade para impor estas medidas, pois não foram tidas em conta no momento em que PSD e CDS, em conjunto, obtiveram o maior número de votos dos portugueses que votaram.
Agir
Para responder a estas políticas é preciso agir. Agir propondo e agir lutando!
Quanto à proposta, a CGTP-IN apresenta hoje 7 propostas concretas que defendem o futuro da Escola Pública. Também a FENPROF tem propostas que, nos momentos adequados, apresentou publicamente e institucionalmente. Mas a FENPROF, em ano de Congresso — o seu 11.º Congresso, que se realizará em 3 e 4 de maio — irá apresentar propostas concretas atualizadas para dar resposta aos principais problemas da Educação. Bem podem os governantes achar que os professores deveriam limitar-se a intervir no âmbito das questões sócio-profissionais que não nos remeterão para esse papel reduzido e redutor. As questões sócio-profissionais são muito importantes, sem dúvida, mas os professores não se demitem de intervir em relação a tudo o que respeita à Educação, ao Ensino e à Escola Pública, pois, mais do que um direito, esse é um dever que assumem. Os professores têm dito isso em muitos momentos e voltarão a repeti-lo em 26 de janeiro nas ruas de Lisboa.
Na rua, em defesa da Escola Pública, da Profissão de Professor e de um futuro para Portugal, os professores continuarão a ser construtores de esperança, dando ao futuro um rosto diferente daquele que este governo, a sua maioria, o Presidente da República, o FMI e a troika gostariam que o futuro tivesse.
Não desistiremos desta luta que também é pela soberania nacional e por uma vida feliz para os nossos filhos, e faremos desse o nosso maior combate. Assumimos a responsabilidade de lutar para resistir e de agir para mudar!
Mário Nogueira