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Iniciativa do Centro Nacional de Cultura

Rómulo de Carvalho evocado no Liceu Pedro Nunes

24 de outubro, 2006

No tempo do seu magistério "havia dois santuários" no Liceu Pedro Nunes: um era a biblioteca, o outro, o laboratório de Física e, fora do período de aulas, os seus alunos sabiam sempre que o encontrariam aí - trabalhando. Mais tarde, viriam a saber e a dar o justo valor a um outro gesto seu: o professor, que saía invariavelmente tarde do liceu, "ficava a fazer experiências e a testá-las", uma e outra vez, no silêncio da noite - para que, no dia seguinte, tudo corresse sem falhas durante a aula.  
 
Rómulo de Carvalho (1906-1997), cujo centenário de nascimento se assinala este ano, poderá não ter jogado à bola com os seus alunos, mas "era popular à sua maneira": uma maneira de ser feita de "rigor e de extraordinária exigência", como recordou (22/10/2006) Guilherme d'Oliveira Martins na homenagem que o Centro Nacional de Cultura promoveu, dedicando um dos seus passeios ao estabelecimento de ensino a que o professor, pedagogo e poeta, sob o pseudónimo de António Gedeão, esteve mais fortemente ligado: o Liceu Pedro Nunes, também ele a cumprir o seu centenário, um dos principais equipamentos desenhados em Lisboa por Miguel Ventura Terra.  
 
A homenagem foi feita, em larga medida, das recordações de alguns dos seus antigos alunos, caso de Guilherme d'Oliveira Martins, de Nuno Crato, que igualmente conduziu este passeio, e do professor universitário David Ferreira, que teve Rómulo de Carvalho como professor no Liceu Camões, escola onde o mestre "tinha o cognome de Príncipe Perfeito".  
 
É perfeito porque, como lembrou Nuno Crato, Rómulo de Carvalho não se dispersava nos seus múltiplos interesses: 'Tudo o que fazia, fazia bem" e com ele se aprendia a importância de "fazer uma coisa de cada vez". Um dos traços que dele reteve foi, de resto, a sua capacidade de viver o momento, "numa espécie de undivided attention: quando estava a falar com um aluno, estava a falar com um aluno", sem se dispersar jamais com outras solicitações.  
 
E mesmo a sua aparente distância - "e nós respeitávamo-lo e gostávamos dele assim", como referiu Guilherme d'Oliveira Martins significavaproximidade. Os alunos, que devoravam cada novo título da colecção Ciência para gente nova, da Atlântida Editora, também ela indissociável do percurso de Rómulo de Carvalho no campo da divulgação, sabiam que, mesmo não estando presente, "ele estava sempre lá, velando por eles". Como no dia em que deixou os membros do Clube de Física entrarem sozinhos no laboratório, "num gesto de confiança".  
 
O seu espírito metódico, na vida pública, como na vida privada, seria igualmente evocado por Natália Nunes, sua viúva, ao lembrar episódios da sua vida em comum: o escritório impecavelmente organizado, as fichas da sua biblioteca pessoal, os cadernos de recortes, o "espírito científico com que resolvia" os contratempos do dia-a-dia, mesmo que o problema fosse apenas o de desencravar uma gaveta.  
 
"Era um homem sereno, um trabalhador incansável, um caso exemplar de método", recordou Natália Nunes, que na biblioteca do Liceu Pedro Nunes deixaria um repto às jovens gerações de investigadores: "O espólio dele contém ainda vastíssima obra inédita" que importa estudar, nomeadamente por via dos apontamentos que tomou aquando dos seus estudos sobre a actividade da Academia das Ciências de Lisboa nos séculos XVIII e XIX.  

DN, 22/10/2006