Nacional
"Público", 10/01/2007. Matutino recorda suituações que deram ou continuam a dar polémica jurídica

Repetição do exame de Química: ME perde quinto caso em tribunal

30 de março, 2007
 
PÚBLICO recorda situações que deram ou continuam a dar polémica jurídica  
 
Foi conhecido mais um caso de uma aluna que repetiu o exame de Química, fazendo subir para cinco o número de estudantes a quem os tribunais deram razão no caso das provas do 12º ano de 2005/2006. A Ordem dos Advogados diz que o Ministério da Educação poderia ter evitado esta situação, se desse iguais oportunidades a todos os estudantes. Esta é um de vários dossiers que o ministério perdeu em tribunal.  
 
Mais uma aluna de Coimbra repetiu exame de Química  
 
QUINTA SENTENÇA FAVORÁVEL  
 
Ordem dos Advogados diz que situação deveria ter sido resolvida antes de chegar aos tribunais  
 
 
Aconteceu no dia 12 de Dezembro do ano passado. Uma aluna da Escola Secundária da Quinta das Flores, em Coimbra, fez o exame nacional de Química. Subiu assim para cinco o número de casos conhecidos de estudantes que recorreram aos tribunais e conseguiram ver ser-lhes reconhecido o direito de repetir a prova. O Ministério da Educação poderia ter evitado estes casos, diz a Ordem dos Advogados.  
 
Vários estudantes recorreram a diferentes tribunais administrativos e fiscais, em Coimbra, Leiria e Viseu, alegando que não tiveram a mesma oportunidade que foi dada pelo Ministério da Educação (ME) aos colegas que puderam fazer as provas nas 1ª e 2ª fases. A tutela decidiu, a meio da época dos exames do ano lectivo passado, permitir que os estudantes pudessem repetir as provas de Química e de Física. Só que os alunos que decidiram fazer as provas na 2ª fase, cerca de dez mil, não tiveram a mesma possibilidade. Por isso, alguns recorreram aos tribunais, alegando que não houve igualdade de oportunidades para todos.  
 
"Teria sido bom que no plano administrativo se tivesse conseguido evitar a intervenção dos tribunais e repor a plena igualdade ao dar uma segunda oportunidade a todos os alunos", defende o bastonário da Ordem dos Advogados, Rogério Alves.  
 
Também Carla Amado Gomes, assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, concorda que a tutela deveria ter dado uma segunda oportunidade a todos os alunos. "O Estado devia ter aberto uma época especial para todos a quem não deu essa hipótese", diz. Aprofundar a desigualdade Agora, por cada vez que a tutela cumpre uma decisão dos tribunais administrativos, está a "renovar a violação do princípio de igualdade" relativamente a todos os outros que não tiveram igual opção. "Cada aluno que realiza essas provas, falo em circunstâncias desiguais", defende.  
 
Só que essa "desigualdade" não é imputável ao ME, mas aos tribunais, alerta o professor de Direito Administrativo da Universidade Católica Portuguesa, Luís Fábrica. "Ao Ministério cabe apenas executar rigorosamente a sentença - é inadmissível que sobreponha o seu juízo ao do tribunal e diga: 'Não executo a sentença, porque isso só vai piorar as coisas'", explica.  
 
Os tribunais têm decidido que o ME deve realizar nova prova de Química e que, no caso de as notas possibilitarem a entrada nos cursos pretendidos, sejam abertas vagas pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e do Ensino Superior.  
 
Foi o que já aconteceu a dois alunos, que estão a frequentar Medicina, na Universidade de Coimbra Anteontem houve um estudante de Viseu que fez a prova de Química e soube-se ainda que há um aluno de Leiria que se está a preparar para a nova prova.  
 
O caso de mais uma aluna de Coimbra, da secundária Quinta das Flores, a quem foi dada a oportunidade de repetir o exame só ontem foi conhecido. A jovem obteve 18,4 valores na prova, mas o PÚBLICO desconhece se a classificação lhe abriu as portas ao curso pretendido. A Universidade de Coimbra ainda não foi contactada pelo ministério de Mariano Gago, que não comenta.  
 
Conhecer os seus direitos  
 
Haverá injustiça social pelo facto de alguns alunos terem recorrido aos tribunais e outros não? Não, porque o que aconteceu é que quem não fez queixas foi porque se conformou com a situação, considera Luís Fábrica. Ou não o fez porque desconhecia os seus direitos, acrescenta Rogério Alves: "A Ordem dos Advogados tem militado por informar todas as pessoas dos seus direitos."  
 
O Código de Processo dos Tribunais Administrativos abre a possibilidade aos alunos que não recorreram à justiça de poderem fazer os exames. Mas, para tal, será necessário que existam cinco casos individuais cujas sentenças finais sejam "perfeitamente idênticas", de maneira a pedir a extensão dos efeitos. Ou seja, é preciso esperar pelos resultados dos recursos dos dois ministérios e que estes confirmem as sentenças favoráveis aos alunos.  
 
Isto pode demorar muito tempo, porque os ministérios recorreram aos tribunais centrais administrativos e podem ir até ao Supremo Tribunal Administrativo, caso as sentenças lhes sejam desfavoráveis.  
 
Tudo isto poderia ter sido evitado, reforça Rogério Alves. "A intervenção dos tribunais pode dar origem a decisões divergentes, demoradas e que lançam insegurança na vida dos estudantes", conclui.  
 
Ministérios não comentam  
 
Os ministérios da Educação e da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior não comentam, nem disponibilizam informação sobre o caso dos exames de Química. "O senhor ministro diz que já deu todas as explicações sobre o assunto e que não comenta", declara Dulce Anahory, assessora do ministro Mariano Gago depois de o PÚBLICO colocar algumas questões sobre as situações conhecidas esta semana. Também o assessor de imprensa da Educação, Rui Nunes, diz que "não há nada a adiantar": "Os tribunais estão a funcionar." Quando foi conhecido o primeiro caso de uma aluna de Coimbra a quem o tribunal decidiu que o Ministério da Educação deveria fazer o exame, Maria de Lurdes Rodrigues deixou claro que a tutela cumpriria a ordem judicial. Quanto a Mariano Gago, informou, nos dois casos de alunos de Coimbra, que a tutela iria criar as duas vagas adicionais na Faculdade de Medicina de Coimbra para estes alunos serem admitidos.  
 
Outros casos que deram ou continuam a dar polémica  
 
Para além da repetição dos exames nacionais do 12.° ano de Química e de Física, foram várias as medidas tomadas pelo Ministério da Educação que deram polémica e que motivaram o recurso aos tribunais ou o recuo da tutela. O PÚBLICO recorda algumas. Por Isabel Leiria  
 
Aulas de substituição e horas extraordinárias  
 
Pelo menos dois tribunais administrativos e fiscais já deram razão a duas reclamações apresentadas por professores que exigiram às suas escolas o pagamento das aulas de substituição como trabalho extraordinário. A controvérsia remonta a 2005, quando o Ministério da Educação (ME) aprovou um despacho que obrigava as escolas a organizar os horários dos professores de forma a que, em caso de falta, imediatamente outros docentes assegurassem a ocupação dos alunos.  
 
O problema é que as substituições previstas no Estatuto da Carreira Docente, que continua em vigor, são consideradas "serviço docente extraordinário". Assim consideraram os juízes de tribunais administrativos de Castelo Branco e Leiria, que assinaram estas sentenças, a 30 de Outubro e 14 de Dezembro do ano passado, condenado o ME a pagar as substituições realizadas pelos dois professores que reclamaram. O ministério entende, por seu turno, que a substituição de docentes em falta não tem de ser remunerada de forma extraordinária, a não ser que seja assegurada por um professor da mesma disciplina do colega que falta e se for seguido o plano de aulas.  
 
O ME chegou a garantir em comunicado de imprensa, a 21 de Dezembro, que "várias decisões judiciais conhecidas são contraditórias: algumas são favoráveis e reconhecem razão ao ME, e outras não". No dia seguinte, o secretário de Estado da Educação, Valter Lemos, corrigiu a informação e disse que afinal o ME tinha sido notificado de apenas uma sentença favorável ao não pagamento das aulas de substituição como horas extraordinárias. As consequências jurídicas destas decisões são idênticas ao caso do exame de Química (ver texto principal).  
 
Professores doentes obrigados a regressar á escola de origem a meio do ano  
 
A ordem foi conhecida em Abril do ano passado e apanhou de surpresa várias dezenas de professores dispensados de dar aulas por motivos de doença e que, na sequência dessa decisão, tinham ainda sido autorizados a deslocaremse para outro estabelecimento de ensino, próximo da família ou do local de tratamento, por exemplo.  
 
A poucos meses do fim das aulas, o secretário de Estado da Educação, Valter Lemos, assinou um despacho ordenando o regresso "imediato" às escolas de origem destes professores, já que essas deslocações não tinham autorização superior e eram simultaneamente ilegais e injustas, no entendimento da tutela. Isto apesar de terem sido admitidas no início do ano lectivo pelos respectivos directores regionais de Educação.  
 
A confusão tornou-se maior quando se soube que, ao contrário do que estava a acontecer em Lisboa e no Centro, no Algarve e no Alentejo os directores regionais de Educação não tinham ordenado o regresso destes professores à escola de origem. Nem pedido os comprovativos, passados pelos serviços públicos de saúde, de que os professores tinham mesmo de ser deslocados para escolas mais próximas da residência ou local de tratamento - que passaram a ser a nova exigência da tutela para aceitar as deslocações.  
 
Pagamento dos estágios pedagógicos suspenso e reatado  
 
Depois de ter ordenado às escolas que deixassem de pagar, a partir de Dezembro, as gratificações atribuídas aos professores que asseguram a orientação dos estágios pedagógicos, o secretário de Estado da Educação, Valter Lemos, voltou atrás e anunciou esta semana que afinal vai manter esta remuneração mensal até ao final do presente ano lectivo.  
 
O anúncio tinha gerado um coro de críticas por parte dos sindicatos - entendiam que a tutela não podia alterar as regras do jogo a meio do ano lectivo - e que os levou mais uma vez a ameaçar recorrer para os tribunais. A Fenprof pediu parecer a juristas e o Sindicato Nacional dos Professores Licenciados pelos Politécnicos e Universidades (Spliu) chegou a interpor uma providência cautelar, pedindo a suspensão e a anulação da medida.  
 
Estatuto da carreira docente  
 
A contestação ao novo estatuto da carreira docente, aprovado em Conselho de Ministros no final de Novembro, continua, desta vez pela via jurídica. Num parecer pedido pelas 14 estruturas sindicais de professores, e já entregue ao Presidente da República, o professor de Direito Bacelar Gouveia questiona a constitucionalidade de alguns aspectos do diploma, como a divisão da carreira em duas categorias e a fixação de quotas na atribuição das avaliações de desempenho mais altas. Aguarda-se a decisão de Cavaco Silva.  

Público, 10/01/2007