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Primeira apreciação da FENPROF

Programa do governo: Redução do papel do Estado hipoteca desenvolvimento da Educação e Ciência

16 de junho, 2025

O Programa do Governo, em termos gerais, é um programa centrado na chamada Agenda Reformadora do Estado, com uma clara orientação política para a redução do papel do Estado às funções de soberania. Esta visão compromete a resposta às  funções sociais do Estado, entre as quais se encontra a Educação, não deixando antever um futuro favorável para a generalidade da população.

No enquadramento do capítulo da Educação, Ciência e Inovação, além de intenções vagas de melhorias para o setor, é simultaneamente feito um balanço autoelogioso do mandato anterior, assinalando profundas mudanças e soluções reformistas efetuadas, cujas anunciadas virtudes não se vislumbram. Omite, no entanto, medidas que foram fracassos na educação, como, por exemplo, o designado “Plano + Aulas + Sucesso", criado para combater a falta de professores, problema que, como os números demonstram, ter-se-á até agravado.

Ainda nesta introdução, é exibida uma valorização salarial da carreira docente, o que não passa de uma trapaça ardilosa para puxar a si o mérito de uma melhoria salarial que apenas aconteceu por força da recuperação do tempo de serviço congelado e em resultado de uma intensa, persistente e muito forte luta dos docentes antes das eleições legislativas de há um ano. Medida que, mesmo assim, deixou de fora mais de 23 000 professores e educadores, que, por essa razão, saíram ou sairão para a aposentação com pensões muito desvalorizadas. Neste exercício laudatório surge ainda o apoio à deslocação, que continua a aplicar-se apenas a um número reduzido de professores e que, por via disso, cria até desigualdades, deixando por cumprir o objetivo que deveria ter. 

O programa retoma a proposta das avaliações no final de ciclo, nomeadamente no ensino básico, não com o objetivo de acompanhar o progresso dos alunos, fornecendo dados às escolas que permitam otimizar as práticas pedagógicas, mas como mecanismo para criar rankings de escolas, baseados em sistemas de avaliação centralizados, tecnocráticos e pedagogicamente redutores.

É dado destaque ao aprofundamento do processo da descentralização de competências na educação – é importante referir que 2/3 dos municípios não aderiram voluntariamente –, o que transporta riscos elevados de reduzir ainda mais a já escassa margem de autonomia das escolas e potenciar a ingerência das autarquias em áreas fora da sua competência, para além de desigualdades territoriais que em pouco tempo irão pôr em causa o caráter universal do direito à educação. Além de demitir o Estado central de indeclináveis responsabilidades na educação, abrirá caminho à privatização de serviços dentro das próprias escolas e aprofundará disparidades entre escolas de municípios com diferentes capacidades financeiras.

A chamada descentralização, é um dos elementos para a assunção de uma lógica mercantilista, que visa equiparar as escolas públicas às privadas no acesso ao financiamento, promovendo a privatização dos lucros e a socialização dos custos — como tem sido observado noutros países onde esta lógica tem sido aplicada.

Nas metas, no destaque dado aos objetivos a atingir pelos alunos, o relevo é dado ao PISA – programa da OCDE utilizado para avaliação de estudantes, que tem sido cada vez mais criticado, devido aos seus efeitos negativos na educação. Aliás, é apontado a este programa o objetivo claro da promoção de uma visão neoliberal da educação, com a focalização excessiva em testes padronizados que geram uma prejudicial competição entre escolas e sistemas educativos.

Neste capítulo, a universalização do acesso à educação pré-escolar a partir dos 3 anos de idade – medida, aliás, já anunciada no mandato anterior –, será garantida através de contratos de associação com o setor privado e social e não através da expansão da rede pública. Esta opção revela um afastamento ideológico dos preceitos constitucionais, designadamente no que diz respeito aos seus artigos 73.º e 74.º.

Volta a estar em destaque a redefinição do papel do Ministério da Educação, assumido como mero regulador do funcionamento das escolas, transferindo para as CCDR, estruturas sem escrutínio democrático, competências como a definição da rede escolar, das ofertas formativas no ensino profissional e os investimentos em infraestruturas.

Sobre a valorização da profissão docente, o Governo adia para o final da legislatura (2029) a revisão do Estatuto da Carreira Docente — adiamento que perpetua o problema da falta de professores e reflete uma ausência de respostas estruturadas. O programa do Governo olha, assim, para a atual situação como uma inevitabilidade, auto ilibando-se de responsabilidades políticas nesta matéria.

Mantém-se a intenção de criar um Estatuto do Diretor, com uma carreira específica e remuneração indexada ao topo da carreira docente, o que constituiria um primeiro passo para a formação de um corpo profissional de gestores, reforçando o autoritarismo e controlo hierárquico deste órgão, numa gestão cada vez mais afastada dos reais interesses de uma Escola Pública de Qualidade, Democrática e Inclusiva.

É, também, manifestada a intenção de alterar o regime de colocação de docentes, os concursos, abrindo espaço a modelos de contratação e vinculação de docentes com regras que não garantem a equidade, a objetividade e a transparência asseguradas pelas listas nacionais ordenadas em função da graduação profissional.

Relativamente ao Ensino Superior e à Ciência, o Programa do Governo também não apresenta respostas estruturadas para os principais problemas do setor. Destaca-se, à cabeça, a ausência de medidas para combater o subfinanciamento de longa data do sistema, que compromete o normal funcionamento das instituições, a renovação dos seus quadros e a modernização das infraestruturas. A criação de um estatuto único de carreira docente é referida, mas carece de discussão séria com os representantes dos trabalhadores, de forma a garantir a valorização e a progressão efetiva nas carreiras. A anunciada revisão do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES), por sua vez, não rompe com a lógica mercantilista nem com o regime fundacional, dificultando a vocação de missão pública das instituições e a vivência democrática na sua gestão. Quanto à política científica, impõe-se o reforço do financiamento, com estabilidade e previsibilidade, sendo indispensável que a anunciada revisão da missão da FCT decorra de um processo participado por toda a comunidade científica.

Em suma, este programa representa um sério retrocesso para a Educação, a Ciência, a Escola Pública e a Profissão Docente. Procura desresponsabilizar o Estado do papel crucial que tem na garantia do direito do acesso universal a uma educação e ciência públicas de qualidade que promovam a igualdade de oportunidades e de sucesso e a formação integral de cidadãos/ãs para uma vivência e uma sociedade democráticas.

É, ainda, um programa que visa a imposição de um grave retrocesso à democracia portuguesa, com a proposta de condicionamento do direito à greve, alargando o conceito de necessidades sociais impreteríveis, pondo em causa um direito fundamental dos trabalhadores e do regime democrático, consagrado na Constituição da República Portuguesa.

Os professores, os educadores e os investigadores saberão responder à concretização das medidas gravosas deste programa, com a sua ação e luta, rejeitando a transformação da educação e do ensino em negócio, fonte de lucro para interesses privados, e exigindo soluções urgentes para os problemas estruturais do setor e da profissão.

 

O Secretariado Nacional