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Falta de professores

Problema conjuntural ou sistémico? Causas e consequências

16 de outubro, 2023

Por João Pereira (membro do SN da FENPROF)

A falta de professores é um problema à escala mundial. São vários os países que sentem enormes dificuldades em contratar docentes para suprir as necessidades permanentes e temporárias que vão surgindo ao longo dos anos.

Num relatório divulgado a 5 de outubro, Dia Mundial do Professor, a UNESCO alerta para problema da falta de professores no mundo, estimando que a falta de professores em 2030 será de 44 milhões. Neste universo, a Europa surge como um dos continentes em que o problema é em maior escala. A UNESCO aponta a falta de atratividade da carreira como um fator que leva ao afastamento dos jovens da profissão e ao abandono do ensino de milhares de docentes em alturas precoces da carreira, e recomenda um conjunto de medidas de combate ao problema entre as quais, um maior investimento na formação inicial e contínua dos professores, salários mais atrativos e eliminação do trabalho burocrático.

Em Portugal, apesar de vários indicadores e alertas nacionais e internacionais, temos assistido a uma desvalorização do problema da falta de professores por parte dos decisores políticos. As políticas educativas seguidas por sucessivos governos, tanto de esquerda como de direita, conduziram o país para o estado em que se encontra a Educação, em que a falta de docentes começou a ser mais acentuada a partir de 2018. Foram vários os governantes e/ou políticos em cargos de maior responsabilidade que proferiram declarações que procuraram menosprezar a situação. Em 2012, Nuno Crato, ministro de educação na altura, dizia, em entrevista, que Portugal tinha professores a mais e foi responsável juntamente com o governo liderado por Pedro Passos Coelho pelo afastamento de cerca de 30 mil docentes. Passos Coelho, em 2013, afirmava que Portugal precisava de ter menos professores com a justificação de haver menos alunos e turmas. Em 2016, António Costa, primeiro-ministro em funções desde 2015, afirmava que os docentes que não conseguiam colocação em Portugal tinham uma oportunidade de trabalho em França e Rui Rio, presidente do PSD e deputado na Assembleia da República em 2019, também ele dizia que Portugal tinha professores a mais.

Apenas em setembro de 2023, em entrevista a um canal televisivo, o atual ministro da educação reconhece que o país tem um problema estrutural de falta de professores. E é isso, infelizmente, que temos. Um problema que se tornou estrutural e que afeta o normal funcionamento das escolas e prejudica as aprendizagens dos alunos. São milhares os alunos que de norte a sul do país continuam a não ter docentes a pelo menos uma disciplina, e turmas que passam um ano letivo sem ter docente colocado em algumas disciplinas. Apesar de a falta de professores ser mais acentuada nos distritos de Lisboa, Setúbal e Faro, este é um problema que não afeta apenas os grandes centros urbanos e algumas disciplinas pois a falta de professores começa a generalizar-se a praticamente todo o país e grupos de recrutamento.

Recorrendo aos dados de colocações da contratação inicial e reservas de recrutamento constatamos que não há candidatos disponíveis, em algumas situações desde a contratação inicial, para ocupar horários em diversos grupos de recrutamento e em variadas regiões do país. Apesar de existirem cerca de 10 800 docentes nas listas definitivas de não colocação, verifica-se que a maior parte dos candidatos não colocados pertencem aos grupos de recrutamento do Pré-escolar (100), do 1º ciclo (110) e de Educação Física (260 e 620).

São vários os fatores que podem explicar e que levaram a esta situação problemática. O envelhecimento da classe docente surge como um dos fatores mais visíveis mas há outros que ajudam a explicar, desde: os baixos salários auferidos; a desvalorização social do papel do professor; a precariedade e instabilidade laboral; a escassez de candidatos aos cursos de formação inicial de docentes; a burocracia e a indisciplina; a falta de apoios e incentivos para fazer face a despesas como a habitação e deslocação; e o abandono da carreira de milhares de docentes. De uma forma geral podemos constatar que as principais causas são resultado de um enorme desinvestimento na Educação, numa desvalorização da classe e num desastroso planeamento e gestão dos recursos humanos.

O aumento da idade para a aposentação a partir de 2005, a formação massiva de docentes até 2007, associadas a medidas economicistas tomadas por sucessivos governos, como a constituição dos mega-agrupamentos e aumento de alunos por turma, levaram a um aumento da instabilidade laboral e a um abandono de milhares de jovens docentes. Temos hoje nas escolas uma quebra geracional nos docentes que são resultado das opções políticas.  

O Conselho Nacional da Educação tem alertado para o envelhecimento da classe e para a falta de docentes nos seus relatórios, e recentemente, um estudo da Nova BSE (2021) apontava para a necessidade de recrutar 34 500 docentes até 2031 e concluía que cerca de 39% dos atuais docentes aposentar-se-ão até ao ano letivo de 2030/31. Até ao final de 2023 prevê-se que o número de docentes aposentados atinja os 3500 docentes.

A maioria dos docentes em funções tem mais de 50 anos de idade e apenas um pequeno número (entre 1 a 3%) tem menos de 30 anos. Os próprios docentes contratados têm em média mais de 40 anos e são poucos os que têm menos de 30 anos (cerca de 2000).

O ligeiro aumento do número de alunos a frequentar os cursos de formação inicial de professores é muito inferior ao número de docentes que se aposentam. A procura desses cursos pelos jovens é residual e não será o aumento de vagas que modificará a situação, pois a carreira não é atrativa nem permite uma vida profissional e familiar estável. A própria distribuição dos jovens pelos diferentes cursos não é equitativa e temos várias disciplinas, em especial do ensino secundário, em que o número de futuros professores não atinge a dezena.

Enquanto o governo e o ministério da educação continuarem a encarar a Educação como uma despesa em vez de investimento, enquanto não valorizarem a carreira, tornando-a atrativa, e enquanto desrespeitarem os docentes é impossível resolver os problemas que assolam a Educação, entre os quais se encontra a falta de professores.

A FENPROF tem apresentado medidas para resolver os problemas da falta de professores e irá continuar a lutar para que o ministério da educação altere as suas políticas educativas. Para bem da Educação e para bem do país.

Respeite-se e valorize-se quem está profissão; recupere-se os que abandonaram a carreira; torne-se a carreira atrativa para que os jovens escolham a docência para a sua profissão.