1. MAIS DOIS ANOS DE POLÍTICAS NUM RUMO ERRADO
Exactamente há dois anos, a CGTP-IN realizava o seu 10.º Congresso e nele afirmava a necessidade de "um novo rumo para o país, em que se dignifique e valorize o trabalho e respeite os direitos dos trabalhadores, num quadro de defesa da democracia e de promoção do desenvolvimento, do progresso e justiça social".
Entretanto, vivemos, por exigências do calendário eleitoral normal e por imperiosa necessidade de demissão do Governo PSD/PP, quase dois anos em clima de pré-campanhas e campanhas eleitorais. É significativo que, em todas elas, a generalidade das forças políticas e candidatos tenham sentido a necessidade de se demarcarem das políticas que vêm sendo seguidas e da matriz de desenvolvimento assente em baixos salários e baixas qualificações, no incumprimento das leis e de compromissos políticos e em muitas precariedades.
Vivemos dois anos de intensa ofensiva contra os direitos laborais e sociais, com os governos e o poder económico e financeiro a reclamarem, sempre em nome da crise, mais sacrifícios para os trabalhadores, enquanto prosseguem e aprofundam políticas e práticas patronais que agravam a situação no plano económico, social e cultural. Neste quadro, os resultados positivos alcançados pelos trabalhadores nas empresas e sectores e algumas vitórias políticas pontuais, adquirem maior significado, não pelas vitórias em si mesmo, mas sobretudo como estimulo às lutas futuras.
Não se conseguiu impedir o agravamento das injustiças, das desigualdades e da mancha de pobreza que alastra na sociedade portuguesa, mas os problemas não são mais graves porque os trabalhadores e as trabalhadoras reagiram e lutaram em defesa do emprego e das empresas e pelos seus direitos e interesses. Reforça-se, pois, a necessidade de afirmarmos que não abdicamos do direito a uma sociedade desenvolvida e por ela vamos continuar a lutar com todo o empenho.
2. A VITÓRIA DE CAVACO SILVA E O ACTUAL QUADRO POLÍTICO
A análise dos resultados das presidenciais revela que a vitória tangencial do candidato Cavaco Silva, apoiado pelas forças da direita social e política e pelo poder económico e financeiro, foi fortemente influenciada pelas políticas que têm vindo a ser seguidas pelo actual Governo: (i) a candidatura oficial do PS foi vítima dessas mesmas políticas; (ii) o somatório dos votos em Manuel Alegre e Mário Soares é inferior em mais de 670.000 aos obtidos pelo PS nas últimas legislativas; (iii) Cavaco Silva beneficiou de centenas de milhar de votos de portugueses e portuguesas descontentes com as políticas do Governo.
As forças políticas e sociais da direita encontram nos resultados das presidenciais e, em particular, na eleição de Cavaco Silva para Presidente da República, um forte alento para prosseguirem os seus objectivos e propostas. Um dos seus sonhos é subverterem e instrumentalizarem a função presidencial, tornando letra morta o projecto de sociedade inerente ao cumprimento da Constituição da República Portuguesa.
A CGTP-IN opor-se-á, na defesa do quadro constitucional, a quaisquer tentativas que ponham em causa as liberdades e direitos fundamentais dos cidadãos e das cidadãs feitas a pretexto de dinâmicas globais que apenas servem interesses egoístas e de acumulação da riqueza, de quem detém o poder económico e financeiro e a que se associam campanhas ideológicas conservadoras e aniquiladoras dos valores da solidariedade e do progresso social.
São de rechaçar concepções de estabilidade política sustentadas em práticas e políticas autistas perante os anseios e aspirações das pessoas. Em democracia, vivida de facto, não há estabilidade política sem estabilidade social.
O "bloco central" de interesses, que se prepara para agir, a partir da utilização da Presidência da República e do Governo, serviria concepções de sociedade neo-liberais e o poder económico e financeiro, mas não resolveria os problemas do país e muito menos os interesses da esmagadora maioria dos cidadãos e das cidadãs.
Os portugueses em geral, e em particular as novas gerações, são credores de um projecto de sociedade com valores morais e éticos, com justiça social, com muito melhores índices de desenvolvimento humano e social do que aqueles que hoje caracterizam a realidade do país.
O Governo não pode deixar de tirar as devidas ilações de todo este percurso político dos últimos dois anos, e em particular dos recentes resultados eleitorais, promovendo uma inversão em aspectos essenciais das suas políticas e uma mudança profunda nas suas orientações económicas e nas relações com os trabalhadores.
3. OS PROBLEMAS DOS PORTUGUESES NO CENTRO DAS POLÍTICAS
O Governo tem que passar da governação sustentada no fundamentalismo económico-financeiro, para uma governação que responda aos reais problemas dos trabalhadores e do país.
Impõe-se dinamizar a economia, defender o sector produtivo, reorientar o investimento para as necessidades estruturais que sirvam as pessoas e defender o emprego. A criação dos prometidos 150.000 postos de trabalho, o combate ao desemprego e à precariedade que está, cada vez mais, a degradar a qualidade do emprego, têm que ser concretizados. É importante cativar investimento estrangeiro, mas não se pode confundir declarações de intenções com projectos concretos; é indispensável rigor e transparência nos compromissos que se vão estabelecendo, salvaguardando o interesse nacional e o emprego, acautelando futuros processos de deslocalizações e assumir que não haverá desenvolvimento económico sem olhar a sério e apoiar as estruturas produtivas e a generalidade das empresas (essencialmente PME?s) que temos.
A educação e a aprendizagem ao longo da vida são direitos de todos os cidadãos e cidadãs, promovendo a igualdade de oportunidades e permitindo, ainda, a valorização pessoal e, simultaneamente, a adaptação à economia baseada no conhecimento. Sendo a baixa qualificação de activos um grave problema estrutural do País, não é possível alcançar taxas de crescimento elevadas e duradouras, nem romper com o modelo de desenvolvimento assente em baixos salários e em trabalho pouco qualificado, sem aumentar o nível geral de escolaridade de trabalhadores e entidades patronais.
É preciso travar a emigração - que resulta da falta de alternativas de emprego e da fraca qualidade de emprego com que se deparam os trabalhadores portugueses - que está a fazer sair do país dezenas e dezenas de milhar de jovens (muitos deles com elevadas qualificações escolares e profissionais), enfraquecendo os recursos humanos de que o país tanto necessita.
É necessário alterar a actual política de imigração, dando-se prioridade à regularização dos cidadãos imigrantes indocumentados e à aplicação dos salários e direitos laborais e sociais legais a todos, sem discriminações, formulando-se e realizando-se uma verdadeira política de integração.
São imperiosas políticas que implementem uma mais justa distribuição da riqueza, o que exige crescimento e revalorização dos salários e das pensões e prestações sociais; a erradicação de práticas discriminatórias que subvertam o princípio do "salário igual, trabalho igual"; uma política fiscal mais justa com efectivo combate à fraude e evasão fiscais, bem como políticas de coesão social.
É necessário o desenvolvimento de políticas articuladas e eficazes, que dêem combate às múltiplas discriminações e desigualdades que afectam as trabalhadoras e os trabalhadores.
É preciso também tratar obrigatoriamente as políticas sociais. O país está, mergulhado em desigualdades crescentes e seria grave, por exemplo, que se continuasse a fragilizar e a reduzir as funções sociais do Estado e a pôr em causa o sistema público e universal da Segurança Social. Tem que se garantir os direitos sociais, o que implica valorizar o papel do Estado e as funções da Administração Pública, ao serviço dos cidadãos. As reestruturações no sector da saúde não podem ser feitas para facilitar a entrada dos privados e a sua concepção de negócio, dificultando o acesso dos cidadãos. Não se pode prosseguir a aplicação de medidas descoordenadas ou contraditórias na Educação, que vão produzindo maiores assimetrias na vida das crianças e dos jovens portugueses.
O sistema de Justiça tem vindo, cada vez mais, a tornar-se um sistema elitista, ao serviço do capital e a excluir do acesso ao direito e aos tribunais os trabalhadores e as famílias com menos recursos. O aumento desmesurado das custas judiciais, em especial das custas do processo do trabalho, acompanhado da degradação, intencional, do regime do apoio judiciário, discrimina os/as cidadãos/ãs em função da sua condição económica e social e impede os/as trabalhadores/as de defenderem os seus direitos em tribunal.
Por outro lado, a Inspecção Geral do Trabalho (IGT) continua a revelar-se incapaz de cumprir a sua missão fiscalizadora e sancionatória das violações da lei e da contratação colectiva de trabalho. Tal situação resulta da falta de interesse político revelado pelos vários governos e prosseguido pelo actual, de dotar este importante meio coercivo dos meios necessários para uma intervenção eficaz.
É hoje imperiosa uma abordagem séria das questões da Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho (SHST), pois nas novas condições de estruturação, organização e prestação do trabalho emergem novos riscos profissionais que ampliam a já complexa problemática das doenças profissionais. A segurança e a saúde são complementos integrantes da qualidade do trabalho e factor decisivo para a consolidação das empresas e o desenvolvimento do país. Há que tratar da saúde ocupacional, desenvolver políticas eficazes de prevenção, mas também de reparação e reabilitação dos trabalhadores sinistrados.
É também da maior actualidade o combate à Directiva Bolkenstein para que esta deva ser, pura e simplesmente, abandonada, visto manter o princípio do país de origem, bem como abrir e subordinar os serviços públicos de interesse geral (saúde, educação, cultura, etc.) às leis do "livre mercado".
Apesar de toda a discordância já manifestada pelos trabalhadores e seus sindicatos, bem como por todas as forças progressistas, a ameaça da Directiva continua a pesar sobre a cabeça dos trabalhadores europeus.
É por isso de extrema importância a manifestação de 14 de Fevereiro, em Estrasburgo, na véspera da votação no Parlamento Europeu. Os deputados europeus têm que ser responsabilizados. Os sentimentos populares profundamente críticos, expressos em manifestações europeias e nacionais e igualmente aquando dos referendos sobre o Tratado Constitucional, têm que ser ouvidos, compreendidos e respeitados, sob pena de o afastamento dos cidadãos face ao projecto europeu se acentuar ainda mais.
4. ASSIM, O CONSELHO NACIONAL DECIDE:
1 - Contratação Colectiva, Acção Reivindicativa e SMN
· Intensificar a realização de reuniões e plenários e outras formas de contacto com os trabalhadores nos locais de trabalho, visando a dinamização da acção reivindicativa, a melhoria dos salários e a defesa da contratação colectiva, agindo em sede de negociação colectiva, de modo a garantir que não se concretize a caducidade das convenções
· Apoiar e apelar aos trabalhadores da Administração Pública para participarem na manifestação do dia 3 de Fevereiro pela melhoria dos salários, pela defesa dos direitos e por serviços públicos de qualidade;
· Apelar aos trabalhadores dos sub-sectores da Indústria, que tem a negociação colectiva sob boicote patronal, para desenvolverem acções de protesto e luta nas empresas e sectores, exigindo ao patronato a melhoria dos salários e o direito à contratação colectiva;
· Promover uma acção de protesto junto da confederação patronal CIP, na primeira quinzena de Março, pelo fim do boicote patronal à contratação colectiva;
· Apresentar ao Governo, aos partidos políticos e grupos parlamentares e a diversas organizações uma proposta de actualização e revalorização da função laboral do Salário Mínimo Nacional (SMN), fixando uma trajectória da sua evolução de modo a alcançar, no mínimo, 500 euros em 2010, o que implica também a criação de um indexante geral da carácter económico e social, cuja função seja a de substituir o SMN como base da referencia das pensões e das diversas prestações de apoio social.
2 - Precariedade
· Reclamar do Governo medidas eficazes de combate ao emprego precário (contratos a termo, recibos verdes, trabalho temporário e clandestino), desde logo, passando para os quadros da Administração Pública milhares de trabalhadores precários que ocupem postos de trabalho permanentes; exigir ao patronato que respeite e cumpra as leis e as suas responsabilidades sociais.
3 - Formação Profissional
Lutar pela efectivação do direito à formação profissional e, em particular, à formação contínua, o que passa por:
- Cumprimento das disposições legais e dos Acordos celebrados sobre a matéria, nomeadamente para concretizar o mínimo anual de 35 horas de formação certificada, implementar a designada "cláusula de formação" para jovens dos 16 aos 18 anos que ingressam no mercado de trabalho sem a escolaridade mínima e sem qualificações, dando, ainda, passos indispensáveis na certificação de competências obtidas por via da experiência ou da formação e no reconhecimento dessas competências no desenvolvimento das carreiras profissionais e nos salários;
- Inserir e dar prioridade à aprendizagem ao longo da vida e à formação contínua na negociação colectiva, valorizando os IRCT, com vista, nomeadamente, à definição de planos diferenciados sectoriais;
- Criar e aplicar instrumentos de avaliação do cumprimento, pelas empresas, das normas legais, em particular do número mínimo anual de horas de formação certificada.
4 - Código de Trabalho
· Continuar a agir e a reclamar dos grupos parlamentares que, no debate na especialidade em curso, introduzam alterações na redacção da Proposta de Lei do Governo que atenuem os efeitos profundamente negativos da norma da caducidade das convenções e daquela que visa reduzir os direitos dos trabalhadores, em caso de caducidade da convenção.
· Reclamar do Governo, independentemente da elaboração dos Livro Verde e Livro Branco sobre as Relações Laborais, a revogação das normas gravosas do Código de Trabalho profundamente desfavoráveis aos trabalhadores, designadamente as que respeitam à contratação colectiva.
5 - Segurança Social
· Combater as especulações e o dramatismo sobre a Segurança Social que têm como um dos objectivos a redução do valor das pensões de reforma, exigindo que o Governo dê início a uma discussão séria com a CGTP-IN sobre a sustentabilidade futura da segurança social e sobre as medidas de moralização do sistema, nomeadamente a sub-declaração de salários e multiplicidade de taxas sociais.
6 - Subsídio de Desemprego
· Agir para que as alterações que irão ocorrer no subsídio de desemprego não constituam factores de fragilização dos desempregados, com a redução dos salários e o aumento da precariedade mas que os dignifiquem e contribuam para a sua integração no mercado de trabalho, de forma a que os seus direitos laborais e sociais sejam garantidos e seja posto termo ao uso indevido desta protecção por parte do patronato, como se de desemprego involuntário se tratasse.
7 - Acesso à Justiça
· Reclamar a alteração da lei do acesso ao direito e aos tribunais - apoio judiciário - no sentido de proporcionar, a todos os trabalhadores, o acesso à justiça em condições de igualdade e não discriminação em razão das suas condições económicas e sociais;
· Reclamar a alteração do Código das Custas Judiciais, nomeadamente, no sentido de ser reintroduzida a norma que atribuía aos processos de trabalho a redução da taxa de justiça em 50% do seu valor normal, bem como a isenção do pagamento de custas nos processos de acidente de trabalho;
· Exigir do Governo que adopte as medidas necessárias para garantir que a IGT seja um organismo com efectiva capacidade de intervenção, de fiscalização e sancionamento das infracções à legislação e à contratação colectiva de trabalho, designadamente, dotando-a dos meios humanos, materiais e financeiros indispensáveis à concretização desse objectivo.
8 - Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho
· Exigir a criação de serviços de SHST em todas as empresas e serviços;
· Reforçar a acção e a luta sindical na prevenção dos riscos profissionais e na melhoria das condições de trabalho;
· Realizar um Encontro Nacional de Representantes dos Trabalhadores para a SHST, no dia 6 de Abril, em Lisboa
Os objectivos que nos propomos alcançar exigem-nos um esforço redobrado e uma grande confiança e determinação na luta reivindicativa.
O Conselho Nacional manifesta o seu apoio e solidariedade à luta dos jovens trabalhadores e apela à sua activa participação no Dia Nacional da Luta, a realizar no próximo dia 28 de Março - Dia Nacional da Juventude - pelo emprego, contra a precariedade, pelos direitos, pelos contratos colectivos e pelos salários.
O Conselho Nacional afirma a necessidade de desenvolvermos, a prazo curto, e em forma a definir em função das condições concretas que os diversos sectores considerem mais adequadas, uma acção mobilizadora dos/as trabalhadores/as, em torno dos seus problemas concretos e das suas reivindicações, numa iniciativa conjugada que unifique e amplie as lutas em curso. O Conselho Nacional apela a todos os activistas sindicais para intensificarem o trabalho com vista ao reforço da organização sindical, em particular da organização de base, tema central da 4.ª Conferência sobre Organização Sindical.
Saberemos responder aos desafios que se nos colocam, lutar pela concretização das aspirações dos trabalhadores, contribuir para a construção de um país mais desenvolvido, justo e solidário.
O Conselho Nacional da CGTP-IN
Lisboa, 31 Janeiro de 2006