Nacional
FENPROF em conferência de Imprensa

Perturbação e intranquilidade marcam abertura do ano lectivo

25 de outubro, 2003


"A política educativa do Governo e a incompetência do Ministério da Educação puseram em causa a normal abertura do ano lectivo 2003/2004", alertou a FENPROF na conferência de Imprensa realizada no dia 19 de Setembro, em Lisboa, após dois dias de trabalhos do Secretariado Nacional. Paulo Sucena também destacou, no diálogo com os jornalistas, o empenhamento da FENPROF na mobilização dos educadores e professores para fazer frente a "um ano de intensa acção em defesa dos direitos e dos serviços públicos". Além do secretário-geral da Federação, integraram a Mesa da conferência de Imprensa os dirigentes Augusto Pascoal, vice-presidente do SPGL; Abel Macedo, coordenador do SPN; Mário Nogueira, coordenador do SPRC; José Filipe Estevéns, presidente do SPZS; Júlia Caré, coordenadora do SPM; e Nuno Maciel, da Direcção do SPRA, todos membros do Secretariado Nacional da FENPROF. Aqui fica o essencial da mensagem deixada no encontro com os profissionais da comunicação social:

1. Em primeiro lugar, registou-se um atraso significativo na saída das colocações relativas à 2ª parte do concurso dos professores dos 2º e 3º ciclos do Ensino Básico e Ensino Secundário. A ideia de que a qualidade do modelo de concursos se mede pela mais rápida colocação de cerca de 8.000 docentes esbarrou com o facto de se ter registado um atraso na definição da colocação de todos os outros professores envolvidos nesse concurso (mais de 30.000 professores que sempre foram colocados até final de Agosto), o que teve consequências negativas no trabalho das escolas, de preparação do novo ano lectivo, assim como nas colocações na Região Autónoma dos Açores. Por outro lado, as graves e diversificadas ilegalidades e erros nessa colocação não permitiram uma normal abertura do ano lectivo contrariando, ao mesmo tempo, de forma evidente a auto propalada imagem de eficácia e competência do ME.A FENPROF reafirma que não se está perante meros erros pontuais e de digitação. A dimensão e gravidade das irregularidades verificadas exige que o ME assuma as suas responsabilidades por esta situação e proceda à recolocação dos docentes, após a correcção dos erros detectados.

A própria situação de desmobilização e desmotivação de muitos professores face à incerteza perante a sua colocação exige que, rapidamente, o ME proceda a essas correcções.

Caso tal não se concretize, a FENPROF reafirma que apoiará até às últimas consequências a contestação dos professores lesados no sentido da reposição da legalidade e da correcção das irregularidades.

2. A criação de mega-agrupamentos de escolas, com particular incidência nas regiões Norte e Centro, é igualmente factor de perturbação neste início de ano escolar.

A imposição destes agrupamentos, realizada à revelia da opinião das escolas, autarquias e comunidades, está a levar à desorganização pedagógica das escolas e ao avolumar de tensões e de dificuldades no desenvolvimento dos seus projectos educativos, criando problemas acrescidos num período em que estas deveriam estar viradas para a planificação do trabalho a desenvolver neste ano lectivo.

No seguimento da contestação à forma como se desenrolou todo este processo, os sindicatos da FENPROF apresentaram, na passada 2ª feira, queixa no Tribunal Central Administrativo contra o despacho ilegal que impôs a criação desses agrupamentos.

Por outro lado, a FENPROF irá, no prazo de um mês, apresentar publicamente o balanço e análise de como está a decorrer este processo, bem demonstrativo da visão meramente administrativa e de gestão de recursos que preside à actual política educativa.

3.No quadro de análise das condições em que decorre o início deste ano lectivo, haverá ainda a destacar outros aspectos igualmente preocupantes:

Continuam a verificar-se défices significativos na cobertura da rede pública da Educação Pré-Escolar, acentua-se a preocupação pelo facto de, neste momento, continuarem por ocupar centenas de vagas no âmbito dos apoios educativos, é particularmente grave a falta de pessoal não docente em muitas escolas, o que tem reflexos, entre outros aspectos, na não abertura de refeitórios escolares.

No que diz respeito à Região Autónoma dos Açores, verificam-se igualmente situações de colocações irregulares, em alguns casos, à revelia do próprio quadro legal vigente para lá do ineditismo de um calendário escolar onde não estão previstos os momentos de avaliação.

4.O Governo apresentou recentemente um denominado Programa de Qualificação do 1º CEB que, na opinião da FENPROF, fica claramente aquém das necessidades das escolas, das crianças e dos professores, já que, num largo conjunto de matérias, ou se remete para as autarquias o seu cumprimento, ou não se vai além de promessas e de medidas muito limitadas. No que diz respeito ao apetrechamento das escolas, o ME tem privilegiado o anúncio de medidas de impacto público, como a de um computador por sala, enquanto continuam por resolver as questões e carências mais básicas ao nível do material didáctico e das mais elementares condições para o funcionamento de muitas escolas, como a qualidade da água, os refeitórios ou mesmo a simples existência de verba para comprar papel higiénico.

Neste domínio, a FENPROF irá apresentar brevemente um dossier com o conjunto de materiais e equipamentos indispensáveis ao normal funcionamento e à qualidade no 1º CEB.

Por outro lado, as escolas secundárias e os professores vivem, neste início de ano, as consequências da decisão do ME de aplicação de novos programas do 10º ano com uma carga horária inferior à necessária para a sua leccionação. A confusão que está criada tem levado as escolas a adoptar diferentes soluções para atenuar este problema, o que virá a ter como consequência a existência de disparidades de cargas horárias para as mesmas disciplinas e a colocação dos alunos em situação de desigualdade.

No ensino profissional, verifica-se que os alunos do 1º ano dos cursos das escolas profissionais que pertencem à Região de Lisboa e Vale do Tejo estão sujeitos a um novo regime de financiamento que, na prática, implica o pagamento de uma propina mensal de valor elevado. Tratando-se de alunos do ensino secundário de um subsistema abrangido pela Lei de Bases do Sistema Educativo, financiado com verbas do Orçamento de Estado, a FENPROF exige, em nome da equidade e do princípio constitucional da igualdade, a gratuitidade do ensino profissional.

5.A identificação de alguns dos principais constrangimentos registados neste período é, só por si, um desmentido das declarações do Governo nesta abertura do ano lectivo.

Para além disso, parece ficar claro que, para lá dos projectos e orientações, a política do ME releva de um voluntarismo que aposta na produção e aplicação acelerada de medidas, onde a opinião dos parceiros educativos pouco ou nada conta e onde os alertas para as suas consequências negativas são sistematicamente ignorados.

Neste contexto, a FENPROF irá continuar a intervir no sentido da defesa dos direitos dos professores e da exigência de que as escolas abram e funcionem nas condições necessárias para garantir a qualidade da educação e do ensino.

Um ano de intensa acção e luta em defesa dos direitos e dos serviços públicos

Os professores e educadores portugueses têm à sua espera um ano que não se apresenta fácil. Mudanças significativas, algumas estruturantes, anunciadas para o sistema educativo e para a administração pública, pelo sentido que o Governo lhes pretende imprimir, exigirão dos docentes uma atenção reforçada e uma capacidade de resposta e mobilização adequada à dimensão da ofensiva prevista.

Desde logo, releva a revisão da Lei de Bases do Sistema Educativo que já se encontra em curso na Assembleia da República e a partir da qual, concretizando-se alguns aspectos previstos no projecto apresentado pelo Governo (aumento dos privilégios do ensino privado, fim da democraticidade na direcção e gestão das escolas públicas ou redução da duração da escolaridade básica, por exemplo), a Escola Pública Portuguesa, que se pretende reforçada na qualidade e na multiplicidade das suas respostas, sairá gravemente lesada.

Outras importantes medidas anunciadas pelo Governo para a Educação são a revisão do Estatuto da Carreira Docente e a Direcção e Gestão das Escolas. Neste último caso tem sido repetida a intenção de colocar profissionais da gestão, isto é, gestores de carreira, à frente das escolas. Uma intenção que revela ser mais importante para o Governo a componente administrativa de funcionamento das escolas do que as respostas pedagógicas adequadas e o envolvimento efectivo das comunidades educativas nas tomadas de decisão.

Quanto ao Estatuto da Carreira Docente já não restam dúvidas quanto ao que pretendem o Ministério da Educação e Governo para os professores: tornar mais instável a profissão docente, reduzir direitos sócio-profissionais, dificultar o acesso aos escalões mais elevados da carreira, agravar as condições de exercício profissional e de aposentação. É nesse quadro negativo que são anunciados os contratos individuais de trabalho, a extinção das progressões e a introdução de regras de promoção na carreira ou a generalização de normativos ilegais sobre a aposentação que a Ministra das Finanças tem vindo a aplicar na Administração Pública. É nesse quadro de ataque aos direitos que se mistificam os salários dos docentes em Portugal para que passe a ideia, na opinião pública, de serem os mais bem pagos da Europa o que, como a FENPROF já provou, é falso.

Por fim, os educadores e professores portugueses não poderão ficar alheios e não ficarão alheios às grandes acções e lutas que todos os trabalhadores terão de travar para se oporem à ofensiva geral do Governo contra os seus direitos sócio-profissionais e contra o desenvolvimento e reforço dos serviços públicos. Os principais motivos da acção e da luta, neste domínio mais geral, surgirão quando o Governo pretender impor a sua regulamentação do Código de Trabalho, a sua reforma da Administração Pública ou o seu programa de privatização de serviços que deverão corresponder às suas funções sociais.
Ainda que o Governo venha a contar com alguns apoios institucionais para impor a sua política negativa, não contará, decerto, com o apoio dos trabalhadores portugueses onde se contam os educadores e professores. A FENPROF envolver-se-á com estes profissionais no debate, no esclarecimento, na acção e na luta, pois em causa estará a defesa dos seus direitos enquanto profissionais e trabalhadores, e, no caso de serviços públicos como a Educação, na defesa de interesses que são os de todos os cidadãos e cidadãs portugueses.

Adivinha-se, assim, um ano muito movimentado e exigente para os educadores e professores no plano da sua actividade sindical.