Mário Nogueira
Secretário-geral da FENPROF
Em entrevista ao Expresso, publicada em 4 de julho, o ministro da Educação tenta explicar como se organizará o próximo ano letivo. Tal como aconteceu no dia 3, na conferência de imprensa, e decorre dos dois documentos emitidos pela DGEstE, um deles conjunto com DGE e DGS, o que se percebe é que o enorme esforço que se pede às escolas não irá contar com um reforço proporcional de recursos. Como tal, ficam estas com inúmeras batatas a estalar de quentes nas mãos, cabendo-lhes, em condições pouco diferentes das habituais, tomar decisões de organização capazes de responder a uma realidade que continuará marcada pela excecionalidade.
Aliás, o que se infere do que foi dito e escrito é que: condições de segurança sanitária básicas, como o distanciamento, não serão respeitadas; docentes de grupo de risco poderão não ser protegidos e resguardados; a valorização discursiva do ensino presencial não está a ser correspondida em condições que o permitam na totalidade ou viabilizem sem riscos, parecendo evidente que o 3.º ciclo e o ensino secundário irão manter-se em tele-estudo que, para os docentes, é teletrabalho.
Alguns excertos da entrevista apontam no sentido do que atrás se afirma, nuns casos por palavras, noutros por omissões. Oito notas que constituem outros tantos exemplos:
- 1. ACREDITARÁ O MINISTRO NAS CONDIÇÕES QUE ESTÁ A CRIAR?
“Queremos o regresso ao ensino presencial para todos”, diz o ministro, para, mais à frente, a propósito do EstudoEmCasa, afirmar “O nosso objetivo é poder continuar a ter soluções através da televisão que sejam universais, disponíveis logo a partir do início do ano”. Perguntar-se-á qual a razão para esse objetivo? Para haver mais escola após a escola? Para condicionar o desempenho dos docentes titulares das turmas? Ou porque, apesar das palavras, não estão a ser criadas as condições para o ensino presencial para todos?
- 2. MAIS TRÊS PROFESSORES POR ESCOLA/AGRUPAMENTO NEM ANTES DA PANDEMIA SERIAM SUFICIENTES
É repetido que “as escolas vão ter mais recursos humanos, por exemplo para fazerem coadjuvações (dois professores numa sala) e dar apoios. E teremos um conjunto de outros professores que vão trabalhar com os alunos com mais dificuldades. Haverá um reforço do apoio tutorial específico. …/… E haverá ainda mais professores para as equipas multidisciplinares de apoio aos alunos que têm necessidades específicas e que são os que mais ficam para trás”. Mais à frente é avançado um número: “Vamos ter um reforço muito substancial de docentes que equivale ao horário integral de cerca de 2500 professores”. Se considerarmos os 811 agrupamentos e escolas não agrupadas, isto significa, em média, 3 docentes por cada um, número que, até antes da pandemia, já ficava aquém das necessidades das escolas.
- 3. AS POUCO CLARAS CONTAS DO MINISTRO SOBRE AS HORAS DE TRABALHO DOCENTE
As contas do ministro, porém, são pouco claras. Atente-se: “Pensando que cada professor tem 35 horas de trabalho, são todas essas horas [de 2500 professores] que vamos ter (a mais) nas nossas escolas”. O ministro fala de 87 500 horas de que tipo? Letivas apenas ou distribuídas pelas diversas componentes do horário: letivas, não letivas e, destas, de estabelecimento e individuais? Essa é uma questão importante para saber se o ME vai ou não respeitar a organização do horário que o ECD estabelece.
- 4. (IN)SEGURANÇA SANITÁRIA
Como passou a acontecer a partir de meados de maio, o ministro reitera uma posição que se situa entre a imprudência e a irresponsabilidade. Apesar de no documento conjunto da DGEstE, DGE e DGS se ler, no ponto 4 do capítulo IV, que “Nas salas, devem ser mantidas as medidas de distanciamento, garantindo a maximização do espaço entre pessoas”, o ministro responde: “Os alunos vão caber todos na mesma sala. Não haverá desdobramento de turmas. A única obrigatoriedade é a máscara a partir do 2º ciclo. O distanciamento (entre alunos) não”. Preocupante…
- 5. NEGOCIAÇÃO NÃO ENTRA NAS CONTAS DO MINISTRO
Como não podia deixar de ser, porque tem sido essa a postura do ministro, de forma agravada a partir de meio da anterior Legislatura, o desrespeito pelos professores e pelas suas organizações sindicais é evidente. Sem qualquer negociação, apesar de estar em causa uma alteração na organização da atividade docente, o ministro informa: “vamos prolongar o próximo ano letivo até ao final de junho, no jardim de infância, 1º e 2º ciclos”, ao mesmo tempo que anuncia a redução de pausas letivas a que chamou “férias intercalares”. Este como outros aspetos, designadamente os relativos à segurança e saúde no trabalho, exigem processos negociais que não se realizaram.
- 6. DESRESPEITADOR
Em relação aos docentes de grupo de risco – entre outros, doentes oncológicos, imunodeprimidos, autoimunes, hipertensos, cardíacos, diabéticos… – o ministro diz que “quem esteja em grupo de risco é autorizado a ficar em teletrabalho, se possível”.
- 7. PROVOCATÓRIO E DEMAGOGO
Confrontado com o reconhecimento a profissionais de outros setores, designadamente no âmbito da saúde, o ministro da Educação, sobre os do setor que tutela afirma “Temos feito o reconhecimento da sua enorme valia também salarialmente…” e continua “…criando condições para que a progressão das carreiras fosse retomada, para o reposicionamento dos contratados e para vincular milhares de docentes”. Será que o ministro já se esqueceu da forma como se descongelaram as progressões ou reposicionaram os que ingressaram nos quadros, em ambos os casos roubados em 6 anos, 6 meses e 23 dias? Esqueceu-se do tratamento desigual que resulta da ultrapassagem na carreira de docentes com maior antiguidade? Esqueceu-se que, após dez anos de salários congelados que se desvalorizaram mais de 16%, em 2020 o “aumento” foi de 0,3%? Claro que não esqueceu...
- 8. OMISSO
Relativamente à vinculação ainda afirma que “Nestes últimos anos entraram na carreira cerca de 8 mil docentes”. O que o ministro deveria explicar é por que razão continuam em precariedade milhares de docentes, bem mais que oito mil, que dão resposta a necessidades permanentes das escolas e trabalham há 5, 10, 20 ou mais anos.
Igual a si mesmo, confirma-se que, à falta de medidas adequadas, o ministro decide entrar pelo campo da demagogia, usando números conforme lhe dá jeito, e fugir à pergunta quando não lhe interessa responder. Foi o que aconteceu em relação à exiguidade de 125 milhões para a Educação, que contrasta com os 1200 milhões para a TAP e os 850 milhões para o Novo Banco. Na verdade, como poderia responder a isto: