Nacional
Mário Nogueira em sessão do Clube dos Pensadores (Gaia, 27/09/2012)

“Os portugueses não devem aceitar mais sacrifícios”

28 de setembro, 2012

CLUBE DOS PENSADORES
SESSÃO EM GAIA, 27. SETEMBRO, 2012

Comecemos pelo início: abriu um novo ano letivo! Até agora, aconteceu o mais simples: as portas das escolas abriram. Vem aí o desafio maior: apesar das políticas gerais do governo e, em particular, para a Educação, mantê-las abertas!

Aspeto mais visível para o exterior, nesta abertura de ano letivo, foi o forte aumento do desemprego dos professores e das situações de instabilidade. Desde 2006 que os governos trabalhavam para isto. Acabaram os concursos anuais e, em 6 anos, para compensar as 25.000 aposentações de docentes, abriram os quadros a 396. Como foram precisos mais para substituir os aposentados, a opção foi pela precariedade.

Suportando o sistema em mais de 30.000 precários, este foi o ano (no anterior também já se sentira alguma coisa) de tomar medidas que, facilmente, afastassem os precários da profissão. Assim se explicam os 150 mega-agrupamentos criados, a revisão da estrutura curricular feita com x-ato, o aumento do número de alunos por turma, a extinção de projetos, mais encerramentos de escolas, a alteração das normas de elaboração de horários dos docentes, a redução de tempos para desempenho de cargos nas escolas e foi assim que:

  • O sistema absorveu as 25.000 aposentações;

  • Foram deixados de fora, nos primeiros 3 de 14 momentos de colocação de contratados, mais as ofertas de escola, entre 9.000 e 10.000 docentes a mais que no ano passado, devendo atingir os 18.000 ao longo do ano;
  • Foi criada uma bolsa de docentes dos quadros com horário-zero que, no primeiro momento, atingiu os 15.000, podendo agora ter ficado pelos 7.000 a 8.000 (só o MEC sabe ao certo).

Nuno Crato diz que as medidas que tomou são marginais nesta situação! Eu diria que marginal é a política que desenvolve: à margem do interesse nacional, à margem das necessidades das escolas, à margem dos direitos de docentes, mas igualmente de alunos e pais… por vezes, mesmo, à margem da lei.

A situação criada é grave porque a escola se desumaniza cada vez mais, as aprendizagens reduzem-se, competências importantes deixam de ser construídas, a inclusão vai acabando, o abandono e o insucesso arrastam-se e a qualidade do ensino sofre sério revés, com a agravante de isso poder não se perceber de imediato.

Poderia dizer que o problema é financeiro: a crise. Mas não é só. Diria que, em muitos casos, até, a crise é boa desculpa para levar por diante agenda ideológica. Uma agenda que aponta para uma escola a 3 velocidades:

  • Uma escola pública empobrecida, de matriz descaraterizada, apenas com respostas básicas e uma forte componente profissional (para quem não tem dinheiro para estudar mais, para quem apresenta dificuldades de aprendizagem…) para a qual o ministro já disse querer empurrar 50% dos alunos. Esta opção faz parte do memorando da troika.

  • Uma escola de elite, que cruzará com processos de privatização e com a aplicação do princípio da alegada liberdade de escolha para alguns e o suporte financeiro de todos.

  • Uma escola para os que sobram e quem sobra serão os deficientes que começam a regressar aos espaços segregados, como prevê a Portaria 275-A, recentemente publicada, prevendo que alunos com CEI (Currículo Específico Individualizado) até ao 9.º ano, no 10.º passem 80% do seu tempo letivo fora da turma e, por norma, da escola.

Percebe-se, agora que chegou ao poder, o que pretendia afirmar Nuno Crato quando dizia que pretendia implodir o Ministério da Educação: em português de poder significa demolir a Escola Pública!

Vivemos, pois, um contexto em que o futuro se apresenta negro:

Apesar de Portugal ser um país com muitos problemas na Educação, este setor tem sofrido rudes golpes orçamentais: 800 milhões em 2011 e 1.500 milhões em 2012 passando, em apenas de 2 anos, de 5,7 para 3,9% do PIB, um dos lugares mais baixos na Europa. As Grandes Opções do Plano anunciam novo corte de 0,4%, ou seja, de cerca de 700 milhões de euros. Se isto acontecer, estamos perante um corte assassino de 3.000 milhões de euros na Educação, em apenas 3 anos.

A troika quer que Portugal invista na ignorância; o governo português aceita investir na ignorância. Sempre foi assim com os “migueis de vasconcelos”: acima dos interesses nacionais estão os interesses dos invasores. Mas também sempre reagiu bem o povo…

É neste quadro de previsibilidade de corte, por anúncio prévio, que FENPROF, CONFAP, FNSFP e SIEE irão avançar com uma Petição a nível nacional exigindo que não haja mais cortes na Educação e que o financiamento seja o adequado. Fica aqui, em primeira mão, a informação.

Mas será negra a situação para todos? É o que falta saber. E falta saber porque, por exemplo, o Ministério da Educação deixou de cumprir a lei no que respeita à obrigatoriedade de publicitar em Diário da República o dinheiro que transfere para os operadores privados de educação, vulgo, proprietários dos colégios, anualmente… e são muitos milhões de euros!

É que, na Educação, também há PPP, só que fala-se pouco disso. Para termos ideia da dimensão do negócio, só um operador (o grupo GPS, com sede em Pombal), em 2009 recebeu do Estado (esse papão que, afinal, é papado!) mais de 33 milhões de euros. E por que refiro 2009? Porque daí para cá deixou de ser público o que é transferido para os privados… e isso é ilegal!

Em 2009, as transferências, para diversos tipos de financiamento, atingiram quase os 500 milhões de euros, mais precisamente 492.462.581,70 euros! E em 2012? E em 2011? Ninguém sabe, apesar de a Lei 26/94, de 19 de agosto, obrigar a que estas transferências, se forem superiores a 20.370 euros (correspondente a 3 anualizações do salário mínimo nacional), sejam publicitadas em DR semestralmente não foram (até setembro o primeiro semestres do ano; até março, o segundo semestre do ano anterior). E se elas são superiores!

Só um colégio, em Santa Maria da Feira, recebeu quase10 milhões de euros em 2009; meia centena de colégios receberam, nesse ano, mais de 1 milhão de euros; o grupo GPS, como já disse, mais de 33 milhões!

E se já era duvidosa a forma como este dinheiro era administrado (recordo que, em anos anteriores, na sequência de ações inspetivas, estes colégios foram sujeitos a processos disciplinares que, diga-se em abono da verdade, não se consegue dizer no que deram), fica agora a dúvida de qual o montante que recebem e fica a certeza de que, apesar de lhes atribuir uma verba elevada, o MEC nada tem feito para garantir que naqueles estabelecimentos se respeitam as leis laborais e as normas de organização pedagógica das escolas, incluindo a elaboração dos horários dos professores. E não respeitam, em muitos deles, como ainda há pouco tempo soubemos pela boca de quem não teve medo de dar a cara e denunciar.

A FENPROF vai exigir explicações do MEC, em reunião já solicitada, também à IGE e ainda ao Ministério Público, quer para repor a legalidade e tornar transparente esta utilização de dinheiros públicos, quer na sequência de queixas diversas que estamos a receber de professores e pais que perderam o medo, finalmente, de dizer o que se passa.

Algumas notas finais, deixando para o debate outras abordagens. Disse o ministro, há dias, que a profissão de professor é linda. É sim, senhor ministro, daí a pergunta que fica: então por que está a torná-la menos bonita? Por que teima em estragá-la com medidas que lhe retiram condições para que se afirme em toda a sua dimensão e beleza? Por que quer substituir o professor criativo e com autonomia no exercício da sua profissão, por um autómato com os minutos contados e os movimentos manietados?

Os professores sentem, no seu dia-a-dia, que as políticas são as piores, as medidas são para destruir e as palavras são, tantas vezes, as mais injustas, face ao que é o seu esforço, a sua dedicação e o seu empenhamento nas escolas, garantindo que funcionam, apesar das políticas educativas desenvolvidas. Se assim é – e isso é reconhecido pela sociedade, como confirmam sucessivos estudos de opinião – por que são os professores alvo de tantos ataques e, sobre eles, se levantam tantas desconfianças? Porque são pilares fundamentais da Escola Pública e esta é pilar fundamental de um Estado Social cujos alicerces está o atual governo a tentar derrubar.

É neste contexto negativo que, aos professores se exige que:

  • Trabalhando em agrupamento, usem os seus carros para deslocações entre escolas, sem pagamento de despesas e sem que sejam consideradas tempo de trabalho;

  • Assumam 12 ou 15 turmas, trabalhem com 5 ou 6 níveis diferentes e tenham mais de 400 alunos em alguns casos;

  • Assumam horários de trabalho pedagogicamente absurdos que retiram tempo para refletir, preparar, debater, avaliar…

  • Apesar de o exercício continuado da profissão ser considerado fator de desgate físico e psicológico acentuado, trabalhem até depois dos 65 anos, muitas vezes durante mais de 45 anos, para garantirem uma pensão dita completa;

  • Andem que nem loucos a concorrer a dezenas ou centenas de escolas para garantirem uma colocação precária e, isso, se passarem no crivo, quantas vezes discricionário, de alguns diretores. E depois diz-se que falta colocar professores, como se estes recusassem a colocação, e não se diz que a responsabilidade é de um regime de concursos que, de cada vez que sai da lógica nacional, complica, atrasa, provoca dificuldades;

  • E deles se diz que ganham mais que os seus colegas europeus, simplesmente porque o governo envia à OCDE a estrutura da carreira docente, sem esclarecer que as carreiras estão congeladas há anos; que por força do congelamento de tempo de serviço, os professores já perderam, para efeito de carreira, 4,5 anos; que os salários dos docentes têm um corte entre os 3,5% e os 10%; que a carga fiscal é violentíssima e come 1/3 do salário bruto; que milhares de docentes (alguns com mais de 20 anos de serviço) não estão naqueles escalões porque continuam contratados… é como hoje em relação ao ensino superior e a forma como um jornal nacional aborda a questão. A proposta do governo não prevê pagar aumentos aos docentes do ensino superior em 2013, apenas prevê consignar verbas para repor a legalidade em relação a docentes que estão numa determinada categoria mas continuavam, ilegalmente, a receber por outra abaixo;

  • E em relação aos professores contratados que são despedidos, o MEC recusa pagar a indemnização (compensação por caducidade) a que têm direito. E apesar de já ter perdido 48 ações em tribunal, de ter uma Recomendação do Provedor de Justiça que contraria a sua opinião e uma posição do Procurador-Geral da República que reitera aquela recomendação, o MEC mantém a ilegalidade e até terá pago 61.000 euros à sociedade de advogados de Sérvulo Correia para obter um parecer feito à medida do seu interesse, mas que, pelos vistos, não está à altura do que têm sido as decisões dos tribunais.

Em vez de afirmar que a profissão é linda, o MEC deveria aproveitar o próximo Dia Mundial dos Professores, 5 de outubro, para declarar os professores heróis nacionais e, já agora, pedir desculpa pelas malfeitorias que, ao longo dos anos, lhes têm sido feitas. Não seria humilhação, mas manifestação de respeito. Até o Papa já o fez pelos atos da Igreja!

Talvez até, por ser o dia da República, o governo devesse aproveitar para pedir desculpa a todos os portugueses e, perante o país, demitir-se por não estar a servir os interesses de Portugal, ainda que os governantes ostentem na lapela o símbolo da Pátria.

Está provado – porque o défice não baixa e a dívida bate records – que o caminho das pedras, ou seja, dos sacrifícios é o caminho errado. Mas o governo não muda e até quer aguçar as pedras para tornar maior o sacrifício. Os portugueses não devem aceitar mais sacrifícios, sob pena de, não tarda, as pedras serem substituídas por vidros partidos. Devem reagir ainda mais, insurgir-se e contestar com veemência democrática. Devem dar luta e derrotar estas políticas e este governo antes que eles derrotem o país.

Esse protesto já começou, e forte, mas pode ser ainda mais forte e continuado. Dia 29, sábado, temos nova oportunidade de dizer “Basta!” e há que a aproveitar, desta vez inundando Lisboa com o nosso rotundo “Não!”.

Há uma linha, a linha da troika, para além da qual não querem que nós passemos; nós portugueses e portuguesas, professores ou não, temos o direito, eu diria, a obrigação de procurar mais vida para além da troika. Porque há mais vida para além de tal linha e essa não a trocamos por nada e muito menos por inconfessáveis desejos de tornar mais pobre e sem futuro o nosso povo. Ainda que não fosse por nós, e também é, teríamos essa obrigação para com os nossos filhos que não queremos ver expulsos do país que também é o seu.

Mário Nogueira
Secretário-Geral da FENPROF