Nacional

Os "ingredientes" da política neo-liberal para o Ensino Superior

11 de dezembro, 2003

A política neoliberal, que dirige a globalização do mesmo nome e que é responsável pelo aumento a nível mundial das desigualdades e da exclusão social, inclui na sua receita para o Ensino Superior os seguintes ingredientes:

1.Imposição de uma gestão empresarial ao Sistema Público de Ensino Superior, a partir da atribuição de todo o poder a verdadeiros conselhos de administração, eufemisticamente designados por boards of trustees, ou por ?conselhos de curadores?, onde estariam apenas (ou em maioria) representados os interesses externos (políticos, sociais, económicos) que nomeariam os ?lideres? de cada instituição e das respectivas unidades orgânicas;

2.Exigência aos alunos e às suas famílias do pagamento de propinas de valor elevado (com a eventual ajuda de bolsas, ?cheques-ensino? ou empréstimos) e crescente desresponsabilização do Estado pelo financiamento do Ensino Superior Público;

3. Desregulamentação do Sistema, em particular, no que se refere às relações laborais, de forma a facilitar a sua crescente precarização, a partir de regimes de contratação, de remuneração e de carreira aprovados localmente por cada instituição;

4. Financiamento público das instituições privadas, tanto directamente, como pela via da instituição do ?cheque-ensino?, complementado pela criação de coutadas ao abrigo da concorrência do sistema público.

Como é fácil de ver, o ?admirável ensino superior novo? que resultasse da aplicação desta receita corresponderia a sacrificar, no altar do Mercado, as condições essenciais para o cumprimento das missões fundamentais da Universidade e do Ensino Superior em geral. Ficariam comprometidas, entre outras: a independência das instituições face aos grupos económicos; a visão prospectiva ou antecipatória inerente à Universidade e a postura humanista e democrática que a caracteriza; a investigação fundamental; as liberdades académicas, bem como as correlativas liberdades de criação, de opinião e de participação democrática; e a colegialidade nas decisões, em particular em matéria científica e pedagógica.

Se é compreensível e, até, de saudar o inconformismo manifestado por muitos dos que têm intervindo publicamente, quer de dentro, quer de fora das instituições, relativamente aos problemas e às disfunções que diagnosticam ao nosso Sistema Público de Ensino Superior, já menos o é quando, isolam alguns daqueles problemas e lhes prescrevem terapias inscritas no vademecum neoliberal, frequentemente pelo uso do método, tanto na moda, do copy and paste de disposições e de metodologias que vigoram em sistemas homólogos de países que conheceram, mas que de nós, culturalmente, diferem de forma muito significativa.

Apesar de atrasos na compreensão, entre os membros mais responsáveis da academia, dos riscos a que o imobilismo ou a defesa do status quo poderiam conduzir, atrasos estes que enfraqueceram a posição de todos quantos se opõem aos projectos neoliberais para a Educação, como para as restantes actividades sociais e económicas; existem hoje ainda no Ensino Superior Público forças suficientes para barrar o caminho aos desígnios que visam a privatização e a mercadorização da Universidade e do Ensino Superior em geral.

Contudo, tal desígnio só poderá vir a ter êxito desde que se esteja disposto a trabalhar seriamente para encontrar as adequadas políticas alternativas com vista à melhoria da qualidade, da relevância social, da eficiência e da eficácia do nosso Sistema de Ensino Superior e para as defender com o vigor necessário, pois o futuro do desenvolvimento do ensino superior em Portugal disso dependerá.

Da Declaração da FENPROF apresentada no colóquio ?O futuro do Ensino Superior em Portugal?