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Anabela Sotaia SPRC e SN da FENPROF

O Ensino e a Formação Profissional

18 de março, 2004

O Ensino e a Formação Profissional

  Esta intervenção tem como objectivo referir as preocupações da FENPROF no que diz respeito às políticas desastradas e desastrosas que o Governo e, particularmente, o actual Ministério da Educação, têm estado a seguir em relação a uma área muito sensível e importante da Educação: o ensino e a formação profissional.

            No último Congresso da FENPROF constatámos que as políticas educativas seguidas pelos vários governos ao longo dos anos em relação ao ensino profissional muito contribuíram para que este continuasse a ser considerado, por uma larga camada da sociedade, como um ensino de menor ?estatuto? e socialmente desvalorizado. Constatámos, igualmente, que o Estado e as várias equipas ministeriais da Educação nunca tiveram, ou quiseram ter, qualquer estratégia para o desenvolvimento e valorização do ensino e formação profissional inicial, dos quais desde sempre se demitiram e desresponsabilizaram, passando-os para a iniciativa privada, com a criação das escolas profissionais a partir de 1989.

            Na verdade, as respostas nesta área têm sido maioritariamente, ou quase exclusivamente, da iniciativa privada, quer gostemos ou não. Também, quer gostemos ou não, foi através da iniciativa privada que o subsistema de ensino profissional cresceu, se consolidou e se constituiu como uma alternativa credível de formação para muitos milhares de jovens, sendo para muitos, neste momento, uma solução de primeira escolha e não uma solução de recurso.

            Na altura, no nosso VII Congresso, exigimos ao Governo e ao Ministério da Educação que assumissem, de forma inequívoca, o ensino profissional como um vector estratégico e decisivo do desenvolvimento dos cidadãos e da sociedade e que a oferta pública de  cursos profissionais se tornasse uma realidade crescente nos anos seguintes.

            Vejamos, então, o que se alterou, se é que se alterou, em relação a esta matéria no espaço de 3 anos que decorreu entre o nosso último congresso e o actual:

            - a nível do discurso dos nossos governantes houve algumas alterações, aparentemente de sentido positivo. Temos ouvido frequentemente, nos últimos tempos, que é necessário apostar fortemente no desenvolvimento do sistema educativo e de formação profissional, e concordamos; que é urgente melhorar e diversificar a sua oferta formativa, de modo a evitar as situações de sub-qualificação, de sub-escolarização e de abandono escolar que marcam fortemente o nosso país, e também concordamos; que a educação e a formação profissional são factores-chave para alterar e inverter o actual modelo de desenvolvimento económico e social português, e voltamos a concordar.

            - o próprio Ministro da Educação, David Justino, referiu e prometeu, na Sessão de  Abertura do III Congresso do Ensino Profissional, realizado pela ANESPO, em Novembro de 2002, o seguinte, e passo a citar:? É necessário consolidar de uma vez por todas a experiência do ensino profissional no nosso país e mostrar aos nossos jovens que esta é uma solução de primeira escolha. É isso que iremos fazer. É sobre isso que estamos a trabalhar no âmbito da nossa proposta de revisão curricular do ensino secundário?. Fim de citação.

            Na altura não se conheciam ainda as propostas do Governo e do Ministério da Educação para a revisão curricular do ensino secundário, para o novo modelo de financiamento das escolas profissionais ou, ainda, para a Lei de Bases da Educação.

            Depois de conhecidas estas propostas, começámos a perceber quais as verdadeiras intenções do Governo e da equipa ministerial:

            - em relação à revisão curricular do ensino secundário, o que tem de positivo, é o facto dos cursos profissionais poderem ser oferecidos nas escolas secundárias públicas, constituindo-se como parte integrante do ensino secundário. Ponto final. O mais importante continua por se conhecer ? que condições vão ser criadas nas escolas, a nível de recursos materiais, humanos e financeiros para que estes cursos possam ser implementados com sucesso? Que condições para a organização dos estágios profissionais e para o relacionamento das escolas com os contextos de trabalho? Que critérios vão ser utilizados para a racionalização das redes de oferta formativa já existentes?

            - em relação à proposta do Governo de Lei de bases da Educação, a intenção já conhecida de reduzir de 9 para 6 anos a formação de base, estruturante e comum a todas as crianças e jovens; o encaminhamento obrigatório para programas de formação vocacionais adequados dos alunos que não terminem o tal ensino básico de 6 anos até aos 15 anos de idade ou dos alunos que não terminem o ensino secundário até aos 18 anos. Não se percebe nem é explicitado que tipo de formações são estas, mas que, tudo leva a crer, sejam de 2ª ou 3ª categoria. Mas, pior que esse desconhecimento, é o facto de estas formações serem entendidas quase como uma penalização, um castigo, sem opção de escolha possível, para aqueles alunos que, pelas mais variadas razões não têm sucesso no seu percurso escolar.

            - quanto ao novo modelo de financiamento das escolas profissionais, que está já a ser aplicado, com carácter experimental, às escolas da região de Lisboa e Vale do Tejo, veio agravar, ainda mais, a precária situação financeira das escolas profissionais. É um modelo que financia indirectamente as escolas, através da instituição de bolsas de frequência concedidas aos alunos. Ou seja, as escolas recebem mais ou menos dinheiro, de acordo com o número de alunos que conseguirem angariar e manter na escola, uma vez que o valor destas bolsas é pago directamente à escola escolhida pelo aluno, em 3 parcelas trimestrais. Caso o aluno mude de escola, o dinheiro reverterá a favor da escola para onde vai. É ao Ministério da Educação que cabe definir anualmente o número de bolsas por área de formação, bem como o valor de cada bolsa por área de formação. Um dos critérios mais importantes para a atribuição destas bolsas é a evolução escolar dos alunos, que o Ministério irá monitorizar, através dos seus serviços centrais e regionais. Dito de outro modo, o financiamento das escolas baseia-se nos resultados escolares e no mérito dos seus alunos, havendo, aqui, uma clara opção pela selectividade neste tipo de ensino, sendo discriminados e impedidos de aceder a uma formação profissional inicial de nível secundário os jovens com maiores dificuldades de aprendizagem ou aqueles que provêm de famílias com mais fracos recursos económicos. Que alternativas restarão a estes jovens? Serem irremediavelmente atirados para o mercado de trabalho sem qualquer qualificação? Ou, como refere a proposta de Lei de bases da Educação, serem obrigatoriamente empurrados para os tais programas de formação vocacional adequados?

            Sabendo-se, igualmente, que a maioria das escolas profissionais tem como principal fonte de receita os fundos comunitários e que muitas delas não conseguem obter outro tipo de receitas junto das empresas da região onde estão inseridas, devido à actual conjuntura económica, dificilmente as escolas poderão sobreviver com um modelo de financiamento como este. O que irá acontecer, a muito breve prazo, é o desaparecimento de muitas delas, nomeadamente nos meios mais desfavorecidos do interior do país, onde fazem ainda mais falta como factor de combate aos desequilíbrios litoral-interior. As consequências para os docentes e formadores destas escolas são óbvias: os despedimentos, a não renovação de contratos, o aumento da instabilidade e precariedade.

            Ou seja, a situação piorou nestes últimos 3 anos ? para além de não continuar a haver uma estratégia  para o desenvolvimento e valorização do ensino profissional, está-se a tentar acabar com o que já existe, deixando um completo vazio nesta área. Estão abertas as portas para a continuidade das baixas qualificações académicas e profissionalizantes, para o agravamento das discriminações sociais, para a exclusão escolar e para uma ainda maior elitização do ensino, significando um claro retrocesso em termos sociais, políticos e ideológicos.

            Temos de alterar esta situação e continuar a lutar por uma Escola Pública, Democrática e para todos!

 

            Viva o VIII Congresso da FENPROF!

            Vivam os Professores e Educadores Portugueses!

 

Anabela Sotaia ? membro da Direcção do SPRC, do C.N. e do S.N. da FENPROF